A violência policial contra a juventude negra de Pernambuco, por Laércio Portela

Foto: Yane Mendes
Foto: Yane Mendes

Por Laércio Portela*

A violência policial contra a juventude negra de Pernambuco e o silêncio da classe média

Do Marco Zero

Danilo tomava uma cerveja na parada de ônibus em frente a uma lanchonete que vendia clone de coxinha na UR-11, às 21h30, depois de um longo dia de trabalho, quando várias viaturas da Polícia Militar fecharam a rua. Começou o inferno. “Mão na parede!, tá reclamando do que?”, tapa na lata de cerveja, ajoelha no chão!, algema na mão. Vai parar na gaiola na parte de trás da viatura com outro jovem menor de idade que também reclamou da abordagem truculenta. “Tá reclamando do quê? Quando a gente aborda vocês é para ficar calado”.

Mais de uma hora depois, quando a operação acabou, foi liberado. “Tudo que eu imaginava é que eles iam me levar e fazer sangrar. Fui feliz para casa porque voltei vivo”.

Cleonice estava preocupada. Uma ideia não saia da cabeça dela: “ele vai me matar”. Ela decidiu se levantar e sair para conversar com o PM do lado de fora da UPA da PE-15. Foi franca na abordagem: “Eu vim aqui falar com você porque tô com medo que você me mate”. Ela havia filmado o policial discutindo com um casal de idosos que reclamava da demora no atendimento. “Cala a boca!”, disse o PM para a mulher do senhor cadeirante. Um jovem de bermuda e cabelo pintado tentou defender a senhora e foi expulso da UPA pelo policial.

A recepcionista dedurou. “Aquela mulher ali gravou tudo”. O PM mandou Cleonice entregar o celular. Ela não entregou. Mandou ela se levantar e sair da UPA. Ela não saiu. Outros policiais chegaram, “ficavam entrando e saindo, olhando para mim e rindo”.

Agora, já do lado de fora, ela disse que tinha mandado o vídeo para alguns amigos (para se proteger), mas que não iria divulgar nada nas redes sociais. Fechou o acordo. O PM disse que também tinha a foto dela.

https://www.youtube.com/watch?v=lqQaWoSb-1M]

Gleydson se agachou, abriu a mochila que fora jogada abruptamente no chão e pegou os dois volumes (O que é espiritismo de Allan Kardec e um livro de Vygotsky). Mostrou aos policiais. “Sou professor. Sou um aliado de vocês. Meu trabalho também é contra a violência”. Foi colocado no camburão. “Me chamaram de doido… me chamaram de doido… eu, um professor, um professor deve ser respeitado por um policial – os professores deveriam ser escoltados para casa, não é? – fui tratado como um cão sarnento”.

Depois de algum tempo veio a sentença da Justiça: desacato à autoridade.

Quando o ônibus da linha Cabo/Cohab parou na blitz em Prazeres, perto do posto Shell, Gilmara já pressentia o que vinha pela frente. Os policiais subiram no ônibus e abordaram ela e outros dois jovens negros. Não era a primeira vez que isso acontecia naquele mesmo local. Uma policial pediu a bolsa de Gilmara para fazer a revista. A senhora branca, sentada do lado, perguntou se também seria revistada. “Não, senhora. Tá tudo certo. Boa noite”. Gilmara lembrou quando um policial disse para ela uma vez que quando fosse abordada pela PM colocasse a mão na cabeça e ficasse calada. Esse é o procedimento. “Se mandam colocar a mão pra frente (quando está sentada no ônibus) é porque você é uma suspeita”. Não esqueça. Esse é o procedimento.

Danilo Pedro (29), Cleonice Saraiva (29), Gleydson Góes (29) e Gilmara Santana (22) têm algo em comum. São jovens, negros, moradores da periferia e atuam em movimentos de resistência da juventude negra em Pernambuco. Danilo reside no Ibura, é tatuador e um apoiador dos festivais de hip-hop nas comunidades, ajuda a divulgar e a patrocinar os eventos oferecendo o serviço gratuito de tatuagem. Cleonice mora na Cidade Tabajara, integra o movimento nacional do Coletivo Juntos e tem um canal no Youtube em que promove discussões sobre racismo e direitos humanos, o 100% Negra. Gleydson é integrante do Fórum de Juventudes do Cabo, ator e autor de teatro e professor de inglês. Morador do bairro de São Francisco, foi candidato a prefeito pelo Psol em 2016. Gilmara também mora no Cabo. Foi coordenadora de Igualdade Racial do município e é representante da rede ciberativista negra de Pernambuco.

O Governo mostra as suas armas

Desde pequenos, Danilo, Cleonice, Gleydson e Gilmara aprenderam da pior forma possível que mais policiais nas ruas não significa mais segurança. Não para eles. Quando ligam a TV e veem a nova propaganda do Governo de Pernambuco anunciando a contratação de mais 4.500 mil policiais, 1.400 viaturas e a criação do BOPE (Batalhão de Operações Especiais), eles sabem muito bem quem vai ser protegido e quem vai ser atacado com “pulso firme” pelo braço armado do Estado.

O Governo do Estado está apostando em mais policiais nas ruas e no estímulo às abordagens para conter o aumento da violência em Pernambuco. Por isso enviou e aprovou em primeira discussão no plenário da Assembleia Legislativa, na terça-feira (17), o Projeto de Lei 1596/2017 que amplia a gratificação por produtividade de policiais civis e militares implementada desde 2011 com o nome de Gratificação Pacto pela Vida (GPPV).

Às bonificações previstas para cumprimento de mandado de prisão, apreensão de jovens envolvidos em atos infracionais e apreensão de crack e cocaína foi somada também a apreensão de armas. Em resumo: os policiais que fizerem mais apreensões e prisões vão ter um incremento nos seus salários, seguindo um sistema de pontuação pré-definido. Para apreensão de arma de fogo, o bônus será de R$ 2 mil a R$ 700,00. As apreensões de crack (a partir de 12 gramas) serão remuneradas entre R$ 1.000,00 e R$ 250,00 com teto no número de beneficiados por unidade operacional.

Na prática, o Governo corre contra o tempo – estamos a um ano das eleições – para reduzir o desgaste político com a piora dos índices do Pacto pela Vida. Criado em 2007 e monitorado diretamente pelo governador Eduardo Campos (PSB), o Pacto tornou-se uma referência nacional ao reduzir de forma significativa o número de homicídios em Pernambuco. Em 2007 foram 4.591 assassinatos. A partir daí começou uma trajetória descendente até alcançar a marca de 3.100 em 2013. Desde então os crimes letais não param de crescer. Em 2016, chegaram a 4.479 e entre janeiro e setembro deste ano já somam 4.145.

A conjugação de mais policiais nas ruas e o incentivo financeiro para que eles intensifiquem as abordagens na Região Metropolitana do Recife são motivo de apreensão para integrantes dos movimentos de negros e negras que atuam nas periferias contra a violência institucionalizada do Estado.

Fiquei sem carteira, boné e direitos…

O protesto nos últimos dias de 2016 já estava no fim, chegando ao Cais de Santa Rita, quando um grupo colocou fogo num boneco. Henrique viu quando a “PM de farda preta” chegou. “Era tiro de bala de borracha para todo lado. Um advogado foi atingido na barriga”. Henrique estava com o megafone, puxando o protesto contra o aumento da passagem de ônibus. Saiu correndo quando, de repente, foi puxado abruptamente pela gola. “Respeite a polícia”, ouviu. “Fiquei sem nada, carteira, boné, megafone, direitos… Fizeram isso para dizer que eu era vagabundo, que não tava no protesto”. Foi parar na gaiola da viatura. Desacato à autoridade.

Por uma hora e meia a soltura de Henrique foi negociada. Em troca, os policiais queriam o fim imediato do protesto e a dispersão dos manifestantes, conta o jovem. “De 20 em 20 minutos vinha um falar comigo. Quem eu era? Que eu soubesse que na próxima vez ia dar em morte… Cuidado com minha família…”. Estava passando mal quando foi solto. “Não devolveram boné, sandália… Devolveram carteira e celular porque o advogado popular que estava lá falou com eles”. Tinham ainda um recado para Henrique. “O comandante me disse que se me visse de novo por ali ia me prender”.

Há alguns dias, um novo susto. Henrique e o namorado estavam no Curado, bairro onde reside, quando viram a viatura parar de um lado do beco. Em menos de dois minutos, os policiais deram a volta e os abordaram pelo outro lado. “Mão na cabeça. Encosta na parede!”. A sogra da irmã dele foi avisada e correu para o local. Disse aos policiais que os dois jovens eram dali, conhecidos, de família. O PM informou que tratava-se de uma operação de rotina. Foram liberados.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=CxqMrUVpEDE

Jéssica tinha acabado de sair de uma reunião sobre orçamento municipal. Estava chocada com os parcos recursos previstos para a Secretaria da Juventude em 2018. Mas ia ficar ainda mais chocada com o que viu na Conde da Boa Vista, na altura da FAFIRE. Dez policiais abordaram dois jovens (um sem camisa e outro com bermuda folgada). Cinco seguiram a pé na ronda pela avenida, outros cinco ficaram por mais de 1 hora na abordagem ostensiva aos garotos negros. Um constrangimento presenciado por dezenas e dezenas de pessoas que passavam pelo local.

No domingo, há duas semanas, foi uma amiga de Jéssica que presenciou o mesmo tipo de abordagem. Desta vez no sítio histórico de Olinda. De novo, jovens negros foram parados e colocados de frente para a parede, mãos na cabeça. Calados. Yane Mendes simulou que estava tirando uma selfie para poder fotografar os policiais abordando o grupo de jovens (é dela a foto em destaque na abertura deste texto). Tanto no caso da Conde da Boa Vista, no centro do Recife, quanto em Olinda, o mesmo procedimento. “Eles estão sempre com a mão sobre a arma. Em posição de confronto e ameaça”.

Continue a leitura aqui

 É formado em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco. Foi repórter de Polícia do Jornal do Commercio; repórter, editor e colunista de Política do Diário de Pernambuco. Coordenou a área de comunicação social do Ministério da Saúde e ocupou os cargos de diretor de mídia regional e secretário-adjunto de Imprensa da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. É co-autor do livro Vulneráveis – entre a emergência da vida e a incerteza do futuro, Editora Bagaço, 2015. Atualmente presta consultoria nas áreas de planejamento em comunicação e redes sociais.

Redação

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Este tema dá IBOPE – os “progressistas” acovardados.

    mas não se fala na farsa escorredoura de propina  de verba pública do simpático Projeto de Navegabilidade do Rio Capibaribe. O autor do texto acima (que dá IBOPE ), oda a mídia tanto tradicional quanto a dita investigativa e alternativa,e a absoluta totalidade dos políticos de carreira jamais disseram uma vírgula pra não se passarem por antipáticos, não perderem o lugar de “progressistas” (Foi e é violentíssimo o marketing governamental sobre tal projeto farsesco,e quanto mais simpático,mais farsa, inibindo – e conseguiram – os corajosos “progressistas”,blogs alternativos,especialistas em mobilidade urbana,em direitos urbanos.Enganam muitos,enganam a todos.Ou a quase todos.Só pro tal jornalista acima enviei 2 ou 3 relatos. 

    1. Recife e a farsa do Projeto de Navegabilidade do Rio Capibaribe
      Recife e a farsa do Projeto de Navegabilidade do Rio Capibaribe

      (Exploração Da Credulidade Da População)

      Em todos esses anos,desde 2010,tem havido absoluto silêncio contra um projeto que qualquer um percebia inviável,fonte de Caixa 2 e provavelmente de propinas,pois era e é um projeto simpático,e se manifestar com algum senão ,alguma crítica,ou tira voto,ou tira prestígio,tira câmeras de “alguns” que suposta mente lutam pela coletividade – por vezes, como um clube social,ativistas de direitos urbanos,de mobilidade urbana,totali-dade da mídia,blogueiros e blogueiras locais ditos combativos, todas as lideranças de partidos grandes ou pequenos de qualquer ideologia,personalidades influentes, jornalistas,todos calados e omissos ,pois tira voto e prestígio se manifestar contra tão simpática mas enganosa idéia).

      Sim,uma idéia tão simpática, contagiante,mas… por isso mesmo !…serve,serviu e creio que servirá facilmente à demagogia e à manipulação,ao escorredouro de verbas públicas.

      Desde antes de 2010,editoriais e reportagens ,até seções de opinião animando o povo como são as Colunas JC Nas Ruas, De Olho No Trânsito JC,  Mobilidade Urbana, Diário Urbano, Blog Mobilidade Urba-na, sem falar em espaços “alternativos” e “independentes” em blogs ou  Facebooks,muito bem calados,dando a impressão de que tem gente de olho na carreira,na projeção,em não se prejudicar,não ser antipático,enfim.

      Tenho que me referir à 1ª Audiência dita Pública em 2012.

      Durante a dita cuja,o Prof. de Ecologia da UFPE, Ricardo Braga,que eu não conhecia,e troquei 2 palavras, diplo-maticamente listou 8 questões que tive a sensação q não era apenas implicância minha e de algumas pessoas de meu convívio. Sumido da mídia, sumiram com ele,claro (mes-mo sendo de uma postura elegante e diplomática,como vi).

      Sim, recentemente houve uma “oportuna” crítica de uma linda colunista omissa e bem caladinha,apesar de  “mil” mensagens enviadas a toda a mídia desde 2010 (Jornal do Commercio)

      Nas passadas eleições pra Prefeito, nenhum candidato tocou no assunto.

      Os anos demonstraram.

      Como diz uma música de Lobão, “É Tudo Pose”.

      ____________________________________________

       

  2. Fascismo é violência

    Palavras contra Porradas…

    “Gentileza gera gentileza” – verdade dita por aquele sábio-maluco. Por analogia, violência gera violência.

    O povo tem direito à Legítima Defesa ? Se sim, como ?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador