José Mayer e o assédio sob a proteção dos holofotes, por Matê da Luz

José Mayer e o assédio sob a proteção dos holofotes

por Matê da Luz

Li esse relato perplexa. Mais perplexa ainda fiquei com alguns comentários nas redes sociais que dão conta de uma dúvida, aferindo um “golpe em busca de reconhecimento” por parte da mulher que relata. Oi, pessoal. Estamos em 2017, mas não sei se entenderam que mulher abusada não é reconhecida, mas ainda tratada com questionamentos como “ah, mas ela deve ter dado mole…”, “artista é assim mesmo”, “o que será que realmente aconteceu?” e que, sendo pragmática, a moça arrisca a própria carreira ao fazer uma denúncia dessas no país do machismo. Sim, ela apontou o dedo pro José Mayer, o galã, prata da casa da Rede Globo, a emissora que controla midiaticamente este Brasil. Abram os olhos, poxa! 

Eu não conheço a pessoa, mas namorei um cara que era muito legal, muito legal mesmo, com todo mundo – menos com a namorada (que na época era eu, mas que já tinha sido uma outra e depois foi uma outra). O cara era acima de qualquer suspeita, como parece praxe nos abusivos. A ex dele era louca. depois eu era louca. Agora a nova namorada é a louca. E os amigos, a família, não sei, parece que têm preguiça de enxergar, rola uma acomodação ou, sendo bem Pollyana, uma esperança de que “com amor o cara mude, ele só não encontrou a pessoa certa”. Deve ser duríssimo reconhecer que alguém que a gente gosta é um canalha de marca maior, afinal. Grande parte das vezes, são doces, delicados, educados, até têm discurso politizado, vez ou outra feministas. Tudo pra iludir a audiência ao redor e reforçar a “loucura” da mulher abusada, entende? Não coloco minha mão no fogo por muita gente, mas quando uma mulher tem coragem de expor uma situação dessas, com nome e sobrenome, de dentro de uma das organizações de mídia mais poderosas do País, custo a duvidar do que ela está dizendo e me imagino dando um abraço bem forte, dizendo que a culpa não foi dela, nunca será e que, enfim, esteja cercada de amor – e não de dúvidas – pra seguir em frente, o que já é bem difícil quando você passa por esse tipo de situação. Su, um beijo grande e um abraço apertado, de cabeça erguida e um colo disponível pra quando desabar, além de força pra erguer de novo, e de novo e de novo.

Aqui, o relato que, obviamente, no País do Golpe, vem sendo tirado do ar de todas as mídias nas quais vem sendo publicado. Mas a gente insiste. Machistas não passarão. 

José Mayer me assediou
POR #AGORAÉQUESÃOELAS 
Por Su Tonani*

Eu, Susllem Meneguzzi Tonani, fui assediada por José Mayer Drumond. Tenho 28 anos, sou uma mulher branca, bonita, alta. Há cinco anos vim morar no Rio de Janeiro, em busca do meu sonho: ser figurinista.

Qual mulher nunca levou uma cantada? Qual mulher nunca foi oprimida a rotular a violência do assédio como “brincadeira”? A primeira “brincadeira” de José Mayer Drumond comigo foi há 8 meses. Ele era protagonista da primeira novela em que eu trabalhava como figurinista assistente. E essa história de violência se iniciou com o simples: “como você é bonita”. Trabalhando de segunda à sábado, lidar com José Mayer era rotineiro. E com ele vinham seus “elogios”. Do “como você se veste bem”, logo eu estava ouvindo: “como a sua cintura é fina”, “fico olhando a sua bundinha e imaginando seu peitinho”, “você nunca vai dar para mim?”.

Quantas vezes tivemos e teremos que nos sentir despidas pelo olhar de um homem, e ainda assim – ou por isso mesmo – sentir medo de gritar e parecer loucas? Quantas vezes teremos que ouvir, inclusive de outras mulheres: “ai que exagero! Foi só uma piada”. Quantas vezes vamos deixar passar, constrangidas e enojadas, essas ações machistas, elitistas, sexistas e maldosas?

Foram meses envergonhada, sem graça, de sorrisos encabulados. Disse a ele, com palavras exatas e claras, que não queria, que ele não podia me tocar, que se ele me encostasse a mão eu iria ao RH. Foram meses saindo de perto. Uma vez lhe disse: “você é mais velho que o meu pai. Você tem uma filha da minha idade. Você gostaria que alguém tratasse assim a sua filha?”

A opressão é aquela que nos engana e naturaliza o absurdo. Transforma tudo em aceitável, em tolerável, em normal. A vaidade é aquela que faz o outro crer na falta de limite, no estrelato, no poder e na impunidade. Quantas vezes teremos que pedir para não sermos sexualizadas em nosso local de trabalho? Até quando teremos que ir às ruas, ao departamento de RH ou à ouvidoria pedir respeito?

Em fevereiro de 2017, dentro do camarim da empresa, na presença de outras duas mulheres, esse ator, branco, rico, de 67 anos, que fez fama como garanhão, colocou a mão esquerda na minha genitália. Sim, ele colocou a mão na minha buceta e ainda disse que esse era seu desejo antigo. Elas? Elas, que poderiam estar eu meu lugar, não ficaram constrangidas. Chegaram até a rir de sua “piada”. Eu? Eu me vi só, desprotegida, encurralada, ridicularizada, inferiorizada, invisível. Senti desespero, nojo, arrependimento de estar ali. Não havia cumplicidade, sororidade.

Mas segui na engrenagem, no mecanismo subserviente.

Nos próximos dias, fui trabalhar rezando para não encontra-lo. Tentando driblar sua presença para poder seguir. O trabalho dos meus sonhos tinha virado um pesadelo. E para me segurar eu imaginava que, depois da mão na buceta, nada de pior poderia acontecer. Aquilo já era de longe a coisa mais distante da sanidade que eu tinha vivido.

Até que nos vimos, ele e eu, num set de filmagem com 30 pessoas. Ele no centro, sob os refletores, no cenário, câmeras apontadas para si, prestes a dizer seu texto de protagonista. Neste momento, sem medo, ameaçou me tocar novamente se eu continuasse a não falar com ele. E eu não silenciei.

“VACA”, ele gritou. Para quem quisesse ouvir. Não teve medo. E por que teria, mesmo?

Chega. Acusei o santo, o milagre e a igreja. Procurei quem me colocou ali. Fui ao RH. Liguei para a ouvidoria. Fui ao departamento que cuida dos atores. Acessei todas as pessoas, todas as instâncias, contei sobre o assédio moral e sexual que há meses eu vinha sofrendo. Contei que tudo escalou e eu não conseguia encontrar mais motivos, forças para estar ali. A empresa reconheceu a gravidade do acontecimento e prometeu tomar as medidas necessárias. Me pergunto: quais serão as medidas? Que lei fará justiça e irá reger a punição? Que me protegerá e como?

Sinto no peito uma culpa imensa por não ter tomado medidas sérias e árduas antes, sinto um arrependimento violento por ter me calado, me odeio por todas às vezes em que, constrangida, lidei com o assédio com um sorriso amarelo. E, principalmente, me sinto oprimida por não ter gritado só porque estava em meu local de trabalho. Dá medo, sabia? Porque a gente acha que o ator renomado, 30 e tantos papéis, garanhão da ficção com contrato assinado, vai seguir impassível, porque assim lhe permitem, produto de ouro, prata da casa. E eu, engrenagem, mulher, paga por obra, sou quem leva a fama de oportunista. E se acharem que eu dei mole? Será que vão me contratar outra vez?

Tenho de repetir o mantra: a culpa não foi minha. A culpa nunca é da vítiva. E me sentiria eternamente culpada se não falasse. Precisamos falar. Precisamos mudar a engrenagem.

Não quero mais ser encurralada, não quero mais me sentir inferior, não quero me sentir mais bicho e muito menos uma “vaca”. Não quero ser invisível se não estiver atendendo aos desejos de um homem.

Falo em meu nome e acuso o nome dele para que fique claro, que não haja dúvidas. Para que não seja mais fofoca. Que entendam que é abusivo, é antigo, não é brincadeira, é coronelismo, é machismo, é errado. É crime. Entendam que não irei me calar e me afastar por medo. Digo isso a ele e a todos e todas que, como ele, homem ou mulher, pensem diferente. Que entendam que não passarão. E o que o meu assédio não vai ser embrulho de peixe. Vai é embrulhar o estômago de todos vocês por muito, muito tempo.

* Su Tonani é figurista

Mariana A. Nassif

22 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. QUANDO UM VELHO SE TORNA REPULSIVO

    Triste saber que o tal garanhão das novelas insuportaveis da ‘grobo’ se tornou velho e repulsivo; que triste fim de carreira para um ator. Talvez tenham que intena-lo em uma clínica. Pela história da moça, ele pode tornar-se perigoso.

    1. Ei! Isso nao tem nada a ver com velhice!

      Se ele fosse um Adonis, ainda assim o assédio seria repulsivo. Deixe seus preconceitos contra a velhice de fora disso.

  2. Canalhice igualmente
    Canalhice igualmente repugnante é constatar que havia “platéia” alegre e omissa para o desempenho do canalha.

  3. A presunção da inocência

    Assim como nos casos apontados contra políticos, uma denúncia ainda não é sentença de culpa. Até prova ou provas em contrário, é preciso evitar o linhcamento e o linchamento  mediático. A imprensa ainda não ouviu testemunhas, não investigou  e o escândalo se dá porque o denunciado é famoso. O texto acima endossa uma acusação ainda não comprovada. Menos, gente . Denúncia é fácil  e tem imensa força predatória. Lembrem da Caça as bruxas.

    1. Penitência. O argumento é
      Penitência. O argumento é válido é oportuno. Ainda não é “coisa julgada”. O problema está em que vindo desse pessoal da Globo há uma apressada vontade de condenar. Mas o argumento está correto. Não podemos nos tornar numa sociedade midiática.

  4. Vou arriscar um pitaco sobre o assunto.

    Quando um homem se “apresenta” a uma mulher ou vice-versa, imaginam que há um clima envolvendo ambos que pode dar início a um relacionamento.

    Mas a realidade imaginada por um ou outro pode ser uma fantasia.

    Alguns percebem que o suposto clima era uma fantasia e encerram o incidente com um pedido de desculpas. 

    Outros continuam a se enganar por não terem ouvido um “não” convincente e passam a ser incovenientes.

    A regra é simples:

    1ª abordagem:(o que é um “não” convincente ?) Meu (minha) caro (a), não estou interessada (o) em iniciar um relacionamento com você.

    2ª abordagem: Meu (minha) caro (a), se você insistir novamente vou te denunciar, não importam as consequências.

    3ª abordagem: Denúncia imediata ao RH e aos órgãos estatais competentes.

    Se você ceder somente para aplacar os hormônios de seu (sua) opressor (a), você estará comprometida (o) irremediavelmente, colocando em risco a sua independência, o seu casamento ou o seu relacionamento. Lembre-se que os hormônios se renovam sempre e tem o poder de confundir o pensamento racional do (a) seu (sua) opressor (a).

    No caso em questão, me parece que a moça ficou cozinhando por um longo tempo o suposto garanhão, o que é compreensível, dado que é difícil saber como proceder corretamente nessas situações. 

    O suposto garanhão. por outro lado, ficou ofendido em sua “honra” o que o estimulou a redobrar as investidas cada vez mais grosseiras.

    Eu tenho uma tese não comprovada cientificamente, porém, bem plausível, que esses afamados garanhões ou são produtos de marqueteiros de personalidades globais ou, com as suas investidas inconvenientes em moças e senhoras desprotegidas emocionalmente, procuram esconder de si mesmos um certo viés homo que vão se agravando com o passar da idade, a transformação corporal em um maracujá amassado, cheio de botox e cirurgias plásticas por todos os lados e a dificuldade de colocar o pinto ereto sempre que aparecer a tesão.

    O cara resolvido emocionalmente jamais faz propaganda de si mesmo, quase sempre tem sucesso  e sempre nega, jamais revela detalhes íntimos (grosseria extrema), nunca faz abordagens com teor sexual e quando houve um “não” cai fora o mais rápido possível.

    Pronto, Matê, falei.

    Fui machista ?

     

  5. Embrulho no estômago

    Qual o espanto com a atitude de José Mayer, cidadão que vive no 5º país que mais mata mulheres no mundo, onde a cada 2 minutos 5 mulheres são agredidas e a cada 11 minutos 1 mulheres é estuprada?!

    E onde lê-se, num blog como este, a pérola “e se fosse Cauâ Raymond, seria assédio?”  ?!

     “E o que o meu assédio não vai ser embrulho de peixe. Vai é embrulhar o estômago de todos vocês por muito, muito tempo”, disse Su Tonani. Infelizmente, duvido que o caso vá realmente “embrulhar o estômago” de quem quer que seja que não consegue entender que o machismo estrutural e estruturante da sociedade brasileira ofende, agride e mata.

  6. Bastou a notícia no jornal e
    Bastou a notícia no jornal e já estão dando a culpa como certa. O sujeito foi condenado por antecipação.

  7. repulsivo

    Su Tonani, você tem minha solidariedade. Sou pai de 4 mulheres, e estou cansado de ver tipos como esse desqualificado faltarem ao respeito, ao pudor. É repugnante! Não se espante se de vítima lhe transformarem em acusada. A casta a que estes psicóticos pertencem é hipócrita e ruim até este ponto. Fica o consolo de que um sujeito que chegou até essa idade assediando mulheres de quem poderia ser pai desceu tão baixo, animalizou seu comportamento a tal ponto, que mesmo que viva mais cem anos tentando se corrigir sua passagem por esta vida terá sido inútil.

  8. Também aguardo o outro
    Também aguardo o outro lado.
    Pela gravidade, a moça não abriria a boca de graça.
    Tem outro caso também envolvendo marco Feliciano e patrícia lelis. Qque doi abafado e nunca mais ouvi.

  9. Enquanto isso na Informática…

    Hoje, sábado, eu estava na Kalunga da Avenida Paulista para resolver o problema de uma calculadora gráfica. Ouvido o conselho do representante da empresa, entrei na fila para pagar um pacote de pilhas elétricas de que precisava. Nesse ínterim, uma mulher jovem (trinta e poucos), acompanhada de umas três amigas, virou-se para um senhor de mais de setenta, gritando, chamando-o de safado e tarado, que ele estava se esfregando nela na fila. E que a estava seguindo por todo o canto. As amigas, concordaram, indignadas. O velho chamou-a de “louca”. No metrô de SP isso é comum, mas numa loja de informática com clientela chique, foi a primeira vez…

    1. Enquanto…

      No Twitter, a atriz Letícia Sabatella, que trabalhou com o ator em novela e séries, se posicionou sobre a acusação. “José Mayer não se emenda, hein? Su Tonani, sinta-se apoiada em sua denúncia”.

      Aconteceu em fevereiro, estamos em abril e a globo, tão ágil em condenar Lula e os petistas em edições no JN, ao primeiro indicio, venha de onde vier e como vier, parece estar encontrando a mesma dificuldade de Janot em relação a Aécio, para decidir se o “garanhão global” é ou não responsável pelas acusações feitas, sendo uma delas com duas pessoas presentes e outra com mais de trinta presentes.

      Será que estão esperando o decurso do prazo ou a denunciante cansar e desistir, pressionada pelo mainstream?

  10. Supondo que o relato da moça


    Supondo que o relato da moça seja verdade, veja bem, supondo, o caso é grave. Pessoalmente tenho nojo de velho tarado. Se eu fosse namorado  ou irmão da menina, esse cara levaria porrada até aprender a se comportar como gente.

  11. Caso muito comentado há uns

    Caso muito comentado há uns pouco mêses foi a entrevista feita pela youtuber Carol Moreira, que também é apresentadora no Warner Channel Brasil, com o ator Vin Diesel. Pessoalmente, não achei que foi um assédio, mas ela diz que se sentiu constrangida e pouco a vontade com os elogios públicos do ator ne entrevista.

     

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=yQ9QkFxC0sc%5D

  12. Contaminado.

    Deve estar contaminado pelo “poder” Global.

    Disse em defesa que estão misturando ficção com realidade.

    A mistura deve estar na cabeça dele.

    Confundindo sucesso do personagem com o sucesso pessoal.

  13. Condenável porque abominável!

    Episódio condenável porque abominável protagnizado por esse ator contra uma mulher indefesa, fato que acontece certamente de modo rotineiro no Brasil todo, e que chega à consumação por força do macho nos lugares menos visíveis.

    Em lugar de lei fajuta, falta mesmo é punição que as proteja de fato

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador