Namblá e Cancellier, vítimas do terrorismo político

“Nas primeiras horas do ano novo, o professor Marcondes Namblá, do povo Xokleng, foi espancado a pauladas no município de Penha, litoral de Santa Catarina. Depois de dois dias internado, Namblá não resistiu aos ferimentos e faleceu. Ele, que era formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), vivia na Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, no município de José Boiteux (SC). Namblá deixa esposa e cinco filhos.”

https://www.revistaforum.com.br/2018/01/06/lideranca-indigena-e-espancada-ate-morte-em-litoral-de-santa-catarina/

Esse não é (e não deveria ser) considerado apenas mais um assassinato na lista interminável de assassinatos que ocorrem todos os anos no Brasil. Ele tem o mesmo valor simbólico que o ato dramático do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina.

Desde os primórdios do Brasil os índios foram levados a acreditar que assumir os valores dos colonos era melhor do que conservar o modo de vida que eles tinham. Milhares deles voluntariamente trocaram suas línguas, crenças e costumes pela língua, hábitos e religião do conquistador. Outros foram obrigados a fazer isso. Em razão da miscigenação, alguns séculos depois os descendentes de indígenas prosperaram e se tornaram invisíveis aos olhos dos outros brasileiros.

Marcondes Namblá cursou uma universidade e tentou prosperar conservando sua identidade indígena. Ele foi assassinado porque seu projeto de vida foi considerado inadmissível. No imaginário dos assassinos, os índios tem apenas duas opções: eles devem deixar de ser índios (assumir todos os valores da cultura implantada no Brasil pelos colonos e seus descendentes) ou continuar sendo índios (e, portanto, viver segregados e humilhados).

Membro da elite intelectual do país, Luiz Carlos Cancellier de Olivo cometeu suicídio porque foi vítima de uma injustiça deliberadamente praticada por instituições estatais (PF, MPF e Justiça Federal). Marcondes Namblá foi assassinado porque sonhou fazer o impensável: estudar e continuar sendo índio. Nesse sentido, o assassinato dele foi também um ataque ao princípio da pluralidade  e ao art. 231, da CF/88.

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”

No século XVI, os europeus acreditavam que os índios também pertenciam à comunidade dos homens. Todavia, eles ainda “… no habían podido realizar la ‘verdadera’ humanidad” (La Invención de América, Edmundo O’Gorman, Biblioteca Universitaria de Bolsillo – Fondo de Cultura Económica, 4a. ed., México, 2006, p. 191/192) em virtude de ignorar a cristianismo. Portanto, os índios não poderiam ser proibidos de assumir os valores cristãos e os europeus mais exaltados acreditavam que eles deveriam ser forçados a aceitar a nova fé.

A roda do mundo girou e aos índios foi formalmente atribuído um direito ainda mais importante: o de preservar sua língua e cultura. No contexto da CF/88 os indígenas não podem ser obrigados a se converter a qualquer religião (a liberdade de consciência, aliás, é um direito atribuído a todos os brasileiros).  Ironicamente muitos que se dizem cristãos se tornaram incapazes de cumprir um dos mandamentos do cristianismo: não matarás.

Os ataques sistemáticos ao regime constitucional começaram com o Impedimento mediante fraude que levou uma quadrilha de ladrões ao poder. Além de usar as instituições para se proteger, Michel Temer e seus amigos mafiosos dentro e fora do Poder Judiciário estimulam a barbárie ou nada fazem para restabelecer a autoridade da CF/88.

Namblá tinha tanto direito viver e de continuar a ser índio quanto Cancellier tinha de não ser ilegalmente preso e humilhado. As mortes deles deveriam levantar o país em armas não contra os assassinos (meros criminosos que devem ser tratados com o rigor da Lei Penal) e sim contra o regime implantado no país após o golpe de 2016.

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador