O absurdo da liberação do esporro em público e a simbologia nefasta da falta de limites individual, por Matê da Luz

O absurdo da liberação do esporro em público e a simbologia nefasta da falta de limites individual

por Matê da Luz

(imagine meu humor ao escrever dois textos seguidos sobre abusos contra a mulher)

Foram dois episódios esta semana em plena Avenida Paulista, símbolo da boa vida na capital do estado mais rico do Brasil. Em um deles, o segundo, um homem apalpa os seios de uma moça num ônibus. Ela chama a polícia, ele é encaminhado à delegacia e sabe-se lá qual é o resultado, porque nem noticiado foi. O primeiro caso, ainda mais bizarro, dá conta de um homem ter ejaculado no pescoço de uma mulher dentro de outro ônibus, também numa das avenidas mais movimentadas da capital. 

Respiro. Antes de continuar, exercito minha memória sobre as advertências tomadas por gente conhecida quando namorava em público. “Isso é atentado ao pudor, viu, mocinha?”, diziam, em tom de intimação. Pesquisei e, pra minha surpresa, as leis referentes ao crime foram revogadas em 2009. Aperto no peito, sigo acreditando que não é possível que alguma decisão judicial considere como desnecessária a proteção íntima das pessoas. Mesmo que tal lei fosse mais relacionada à gente que estava namorando consensualmente e utilizada como ameaça de brincadeirinha, poderia ser melhor trabalhada ao invés de apagada e, no mais, utilizada em prol das minorias que sim, seguem abusadas em público. 

Daí me dou conta de que não basta estar óbvio, claro, transparente o suficiente, porque o sistema, amigos, ele é pautado por regras nebulosas, inúmeras vezes incompreensíveis para quem entende as coisas com simplicidade. Ao lavrar uma sentença onde diz: “Entendo que não houve constrangimento tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentada em um banco de ônibus, quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado” , o juiz declara para o mundo que quando um homem se masturba em público, num ônibus, numa linha movimentada, e goza deliberadamente no pescoço de uma outra pessoa, uma mulher, no caso, mesmo levando em consideração que este homem não gozou propositalmente nesta mulher, enfim, que tudo bem.

Acontece que, vejam só, o homem em questão já tinha precedentes: passou pela polícia cinco vezes por suspeita de estupro e seguia livre. Seguia não. Segue. Porque para o juiz paulista, que estudou no colégio Rio Branco, um dos mais elitizados da capital, e é formado na São Francisco, universidade de renome em SP, está tudo bem quando alguém se masturba em publico e ejacula no pescoço de outra pessoa.

E é isso, porque não conheço outra forma de dar continuidade à essa história que não seja observando, perplexa, como é que isso pode ser aceito e, claro, cuidando melhor e com mais potência das mulheres que me cercam. Já listei os aplicativos de transporte que são de mulheres para mulheres e, neste post aqui, sugiro que andem atentas, ainda mais alertas, naquele estado de quase-infarto que a gente bem conhece quando a noite começa a chegar e existe um trajeto em transporte público a ser enfrentado – se bem que estes dois casos aconteceram de tardezinha, apontando que é melhor que a gente esqueça os momentos de tranquilidade mental 24 horas por dia, sete dias da semana, porque só assim, quem sabe, consigamos escapar das investidas normais do assédio absurdo que existe por aqui e acolá.

No mais, seguimos. Nós por nós, juntas, fortalecendo as pequenas atitudes que trarão grandes mudanças para as herdeiras de uma sociedade que, hoje, não anima muito não. 

Mariana A. Nassif

11 Comentários

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  1. Um texto primoroso, como

    Um texto primoroso, como todos da lavra de Matê da Luz. O que fica nais uma vez patente é que, neste país, os verdadeiros e mais nefastos facínoras não são os do PCC, nem os tarados que habitam nossas cidades. Muito mais bandidos são os membros do nosso Judiciário. Juízes, procuradores, ministros do STJ e STF são o verdadeiro câncer que destrói a nação, muito mais que os canalhas, canalhas, canalhas do Congresso de Bandidos e do Executivo de ladrões apátridas. Enquanto esse Judiciário não for lancetado e extirpada toda sua podridão, o Brasil não terá um bom destino.

  2. *

    Lembro bem, há uns 20 anos atrás via-se crianças pequenas, apresentando-se em programas infantis de TV, “dançando na boquinha da garrafa”, sob os aplausos de Xuxa, Raul Gil e outros.

    À época minha filha tinha cerca de 1 ano e, horrorizados, minha mulher e eu nos perguntávamos: Como será que esse Brasil vai estar moralmente daqui uns vinte anos?

    Hoje surpreendo-me! Não só com ejaculadas na cara das cidadãs, mães, esposas e filhas da nossa sociedade brasileira, mas também ao ver Xuxa militando em programas de “proteção às crianças”.

    Dá um tapa no teu filho e é capaz de você ir em cana.

    Diga-se de passagem, , o pai do feliz ejaculador do transporte público deu entrevista na TV dizendo que a justiça deveria ter prendido seu filho. Segundo ele, o filho “votará a fazer de novo”.

    1. Não sei responder. Mas sua

      Não sei responder. Mas sua pergunta me fez fazer uma analogia fática. Seguinte: o ônibus onde o fato ocorreu é um bem particular mas opera em concessão pública, ou seja, o ônibus pode ser considerado “bem público”. Também é um bem público o local onde é realizada uma audiência judicial. Então, imaginei o fato ocorrer com o juiz e o jato ejaculado na toga do meretíssimo, na sala de audiência. Será que a sentença seria fundamentada assim? “Entendo que não houve constrangimento tampouco violência ou grave ameaça, pois a vítima estava sentenda numa cadeira de audiência (no original é “num bando de ônibus”) quando foi surpreendida pela ejaculação do indiciado”.

  3. Com uma indignação

    Com uma indignação compartilhada, cara colunista Matê da Luz, eu acredito que quando foi dado o GOLPE do impeachment, e seu processo que mostrou desclassificação moral dos (das) ignorantes que participaram do linchamento moral da figura da presidente eleita e de quem a apoiou, como o presidente Lula (e sem que ninguém tomasse atitude para frear a criminalidade, já que falsos líderes estavam por trás de tudo) já estava embutida a mensagem subliminar de desqualificação da MULHER, por entidades machas que gostariam de nos manter sob seu controle DE LADRÕES.

    Eu espero que em breve esses fulanos comecem a ser surpreendidos por exemplo, por lutadoras que revidem o apalpar de seios não consentido, por um golpe em seus países baixos.

    E no caso da ejaculação, como se mulher fosse um ser inferior que tem que aturar tudo, eu gostaria de ver se na hora não achariam um lei que detivesse, como punição, alguém que esfregasse um absorvente higiênico usado e encharcado no pescoço de algum covarde MACHA.

  4. Um sistema judiciário que

    Um sistema judiciário que caga na nossa cabeça e ejacula no nosso pescoço.  A gente paga uma fortuna a essa gente pra ler uma decisão calhorda como essa. Revoltante!

  5. A reforma que o país precisa

    A reforma que o país precisa é do sistema judiciário. Ele é caríssimo [ possbilita que um jiz chegue a ganhar o que ganha um jogador top da série A , 500 mil reais ) Temos um código penal comprido e não cumprido e cheio de brechas. Aqui se um bêbado atropelar e matar alguém, ele saiu antes dos parentes da vítima da delegacia; mas se esse mesmo bêbado for pego derrubando uma árvore no dia seguinte, vai em cana na hora.Há cidades, creio que o Rio é uma dessas, em que urinar em púbico dá multa. Ou seja,  um calhorda ejacular no pescoço de uma mulher não acontece nada, mas se ele for pego urinando num muro no Rio. ele pode ir em cana. Esse país é um hospício. 

    1. a….

      A resposta do Poder Judiciário Paulista foi tão nefasta quanto à atitude deste criminoso. Mas conhecenfo o Judiciário Paulista, o mesmo onde um Juiz assassinou a própria esposa e não perdeu nem o Cargo nem o salário, você esperaria o que? Para todos lados que olhamos começamos a ver a farsa de Estado que construimos em 40 anos de redemocratização. Nossa Cleptocracia não passa de tábua de salvação para alguns milhares de canalhas. 

  6. Juro que não entendo. Todo

    Juro que não entendo. Todo mundo aqui fica metendo o pau no STF, por ele ter decidido pela prisão após julgamento em segunda instância e  quando acontece um crime em que a tipologia tá toda tronxa, em que o juiz nem soube enquadrar ação na lei que define a prática de estupro, sem nem ter havido julgamento, etc, etc, os queridos colegas legalistas querem que o tarado aí – que no meu tempo assim era identificado – seja enviado incontinenti às nossas masmorras medievais? Tá difícil manter a coerência, né?

  7. Bom…

    … a situação é ruim, a lei um lixo desatualizado. Poucas palavras.

    Mas a indignação neste caso em particular não chega aos pés da constatação de como está a estrutura do sistema judiciário-policial brasileiro.

    A indignação é justa, mas qual a ação necessária, então?

    Quando vejo a situação particular à luz do contexto do sistema judiciário-policial, começa a não ficar absurdo.

    E não impressiona que um batedor de panela fique indignado com o ocorrido.

    Afinal, o batedor de panela não acha que aquilo que pensa leva ao ocorrido. A História é algo que, em termos de liberdade, também nos escapa.

    Faltam, como sempre, as malfadadas mediações.

  8. Creio que…

    os dois canalhas tarados e estupradores, se estivessem com uma camiseta escrito PT, certamente seriam presos “preventivamente” por tempo indeterminado.

    O problema é que os nossos ‘juizes” aplicam as leis segundo às suas conveniências.

    Nos dois casos descritos aqui, parece que os “magistrados” não queriam perder tempo com ‘gente insignificante”…

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