O estupro de Clara Averbuck no Uber, a culpa é sempre da vítima e o feminismo cada vez mais necessário, por Matê da Luz

O estupro de Clara Averbuck no Uber, a culpa é sempre da vítima e o feminismo cada vez mais necessário

por Matê da Luz 

Faz dois dias e, na velocidade que a internet leva e traz informação, este pode parecer um artigo atrasado. Peço, então, que se coloquem no lugar de alguém que escreve com o coração nas mãos e, no mais, pretende levatar diálogos muito mais do que noticiar. Hoje, depois de duas noites em claro, uma delas chorando e cogitando voltar pra São Paulo para superproteger minha filha (sim, entendo como superproteção querer abrir mão da minha vida individual apenas para ser trasporte de uma marmanja que já está na faculdade, mas confesso que cogitei porque a Clara estuprada é minha amiga e, por mais que a gente saiba que isso acontece, quando é com alguém conhecido o impacto é tenebroso), bem, hoje consigo sentar e lidar com o tema de forma menos irracional. 

A notícia é: Clara Averbuck, escritora e representante ativa do feminismo na cena brasileira, foi estuprada após sair de uma festa num Uber. Segundo relatos da própria, não foi uma tentativa de estupro, como costumam chamar, talvez pra amenizar os arredores, mas uma enfiada de dedo na vagina porque, ainda segundo ela, o motorista decidiu que ia “ajudar” a bêbada de saia curta e calcinha pequena. Ela fez um post nas redes sociais declarando, ainda, que estava em seríssima dúvida quanto a r numa delegacia registrar o boletim de ocorrência porque sabia que aquilo não levaria a nada a não ser a questionamentos e impulsos fortes por parte das autoridades no sentido de relevar, deixar pra lá, esquecer aquilo tudo e não efetivar a reclamação formal. Pois é, é exatamente isso o que acontece quando a gente vai numa delegacia da mulher, mesmo com o olho roxo: a gente tem que provar que é vítima. 

O diálogo proposto é: até quando a sociedade vai seguir num caminho que julga a vítima? Ainda mais em casos como este, que passa longe de linchamento coletivo (a escritora nunca publicou o nome do rapaz nem foto, ou seja, teve a intenção somente de relatar o que aconteceu com ela?). 

Além das dores morais, físicas e psicológicas trazidas pelo abuso, Clara foi agredida seguidas vezes nos comentários de sua postagem. Teve gente quesitonando o grau alcoólico da moça, como se mulher não pudesse beber porque, então, que esteja preparada para ser assediada. Teve quem questionou a veracidade dos fatos já que ela questionou o BO e, pasmém, estes questionamentos não vieram só dos homens, não – um número assustador de mulheres também escreveu coisas como “sempre falo pra não andar de saia curta, por que não pegou carona com um amigo ou coisa assim?”, como se a responsabilidade por não ser estuprada estivesse nas mãos da mulher, e não na do homem que “decide” cometer o estupro. Isso dá nó na minha cabeça, sabe, aperta o coração e enjoa a barriga – como é que uma mulher não entende que ela é um alvo potencial pelo simples e intransponível fato de ser mulher, e não por conta de escolhas que tampouco dizem respeito à ninguém, como comportamentos e vestimentas? Sei lá, dá vontade de descer mesmo… 

Um dos relatos feitos por Clara está aqui na revista Claudia.

Só que não… eu tenho a minha vida, eu tenho a vida da minha filha e eu tenho a crença e o compromisso de que se eu desistir, serei mais uma cansada e, ao contrário, se escolher continuar na batalha, serei um potente elo no movimento pela transformação. Assim sendo, colocando a mão na massa a invés de sentar e sucumbir, disponho aqui uma lista de aplicativos de transporte e táxis feitos por mulheres e para mulheres que, se hoje não têm muita procura e, portanto, a oferta é ainda baixa, amanhã serão a salvação individual pra um problema coletivo que ainda leva tempo pra ser sanado – mas, pelo menos, que a gente se mantenha segura enquanto esse tempo não vem de vez. 

(a lista foi obtida no perfil da jornalista Flavia Durante no Facebook)

Vou de 99 (SP, Rio, Santos) – O 99 tem opção de motorista mulher. Só clicar em opcionais e na florzinha. E tem parceria com o Vamos juntas? no treinamento de motoristas
www.vamosjuntasde99.com.br

Update: A 99 tem um 0800 também (0800-888-8999). É uma central exclusiva, 24 horas x 7 dias, para passageiros e motoristas de todo o Brasil para que possam pedir apoio imediato em casos de assédio, por exemplo, ou assalto ou sequestro; enfim, qualquer situação de risco ou que a mulher se sinta vulnerável. O opcional Motorista Mulher funciona pra POP, Táxi e também Top – isso em SP, no Rio e em Santos.

Lady Driver (SP e Rio)
www.ladydriver.com.br

FemiTaxi (SP, Rio, BH, Campinas, Santos, Goiânia)
www.femitaxi.com.br

Venuxx (SP, Porto Alegre)
www.venuxx.com

Femini Driver (Porto Alegre)
www.feminidriver.com.br

Divas For (Fortaleza) 
www.divasfor.com.br

Lady’s Taxi (Belém)

Yet GO (SP, Manaus, Belém)
www.yetgo.com.br

Taxi Rosa (Rio)

Taxi Rosa (Maringá)

Vale compartilhar, usar e fortalecer por aqui e acolá, até a gente ter e ser #nenhumaamenos. 
 

 

Mariana A. Nassif

14 Comentários

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  1. Se não fez b.o. ….
    Não fez b.o. não há crime. Não quer escracho do estuprador? Vai colaborar com que ele continue a estuprar passageiras. Se fosse com alguém do meu conhecimento, a solução seria bem prática, se é que me entende.

    1. Seu posicionamento corrobora o que a escritora disse

      “Quem vive na fantasia de que “é só ir à Delegacia da Mulher”, certamente jamais esteve em uma.”
      Mesmo sem BO o crime ocorreu sim. E o estuprador foi banido do aplicativo. É pouco, eu sei, mas é um pequeno passo, mas a escritora não silenciou sobre o fato.

  2. A mentalidade é ainda primaria

    Como mulher sempre tive pavor de poder ser estuprada. Poucos homens devem saber o que é nascer e crescer com esse medo. E o abuso ou estupro pode vir de qualquer parte, de onde, até, menos se espera. Presto solidariedade a Clara Averbuck pelo duplo estupro. O primeiro concreto, o segundo daqueles que colocam em duvida seu comportamento e sua historia. Varias vezes tenho argumentado que as mulheres são tão e por vezes mais machistas que homens. Esta tão entranhado nelas o machismo, que nem se dão conta de que educam os filhos, meninos e meninas, também para virem a ser estupradores e vitimas.

    Não conhecia os taxis “rosas”. Bom saber que, enquanto não mudam as mentalidades, podemos contar com serviços que nos levam e tragam com segurança.

  3. 99 e Uber no Brasil não vai

    99 e Uber no Brasil não vai pegar. Os motoristas de táxi convencionais já aprontam, imagine algo solto, sem quase vínculo profissional, apenas uma porcaria de app entre você e o sujeito? Já fui lesado de várias maneiras por esses pilantras do futuro. É muita picaretagem.

    Estrupro é a culminância da ctz da impunidade.

    1. Já pegou…

      Não conheço virtualmente ninguém mais que ainda use táxi. Aqui em Brasília o Uber nada de braçada, principalmente depois que passou a aceitar pagamento em dinheiro. Fez recentemente uma campanha monstra no aeroporto daqui e deu um senhor prejuízo para os taxistas de lá.

      O maior atrativo do Uber não é oferecer água, balinha, pagar com cartão, nada disso: é você saber quanto vai pagar. Como o preço é fechado pela corrida, não adianta o motorista ficar dando volta para te enrolar. Tive um único problema uma vez, mandei uma reclamação pela app e fui prontamente ressarcido.

  4. Denúncia
    Acho que ela deveria denunciar à polícia o que aconteceu, não tem outra forma de combater isso. Se não for pela polícia, que é o nosso representante do estado para atuação em crimes, como será? Justiceiros? Ainda mais agora que já está tudo exposto nas redes sociais e na mídia, denuncie.

    Se o motorista é um estuprador tem que ser punido e/ou tirado da sociedade para não termos o risco de outro estupro cometido por ele. É a polícia e a justiça que podem investigar e punir, enquanto não houver uma denúncia a única certeza que temos é que ele está solto; se ele for suspenso pela Uber ainda poderá trabalhar nas concorrentes ou em outros trabalhos. Isso é um risco grande para a sociedade, que poderia ser evitado através da denúncia.

    Acho muito errado também ficar falando que todos nós homens somos estupradores, isso só faz proteger os reais estupradores.

  5. Não acredito nela.

    Claro, vão joigar pedra.

    Mas não acredito nela.

    Nos últimos dias, viu-se na imprensa que duas mulheres deram a cara a tapa e foram até à delegacia, expuseram a si mesmas e a seus abusadores. Que o sistema judiciário seja conivente ou faça pouco caso, é algo a ser colocado de modo veemente, mas, de modo algum, não deixar de confrontá-lo. A História deu exemplos políticos maiores, com tanta gravidade, nem preciso esmiuçar.

    Agora, ela diz que sofreu estupro. E o que ela fez? Fez uma exposição pessoal e, a partir disso, criou-se um efeito midiático. Ela não expõe o agressor. Suas fotos apareceram em sites como o The Guardian. Ela parece muito afeita à exposição. No mesmo momento em que ela tece suas digressões a respeito de sua vertente do feminismo, mostra-se alheia a qualquer ação de cunho prático em torno da questão. E este ponto é bastante importante: por qual motivo ela troca o fato e a ação pelo discurso?

    Isto cria um interessante efeito. Não se discute mais a situação concreta, ela já desapareceu no meio de uma discussão em torno de um feminismo (qual deles?, pergunto aos meus botões) necessário. Mas cria capital, credibilidade.

    Disto decorre que o Uber não seria seguro. Bom, pessoalmente, não acho que seja, conheço histórias e dicas a respeito de como tomar Uber, de como não tomar Uber, de como pegar caronista (passageiro?). Quer dizer, dilema para ir à delegacia e dar sequência à questão; se vai ganhar ou não, deveria importar menos do que fazer a boa política, a política de combate, e não de realizar uma exposição puramente pessoal.

     

     

     

     

  6. Não tem essa de ficar em

    Não tem essa de ficar em dúvida sobre denunciar na polícia. Não deu em nada, denuncia a polícia. No caso dela tem todo o registro do motorista e dá para pegar esse safado.

    Tenho certeza que todas as mulheres em situações diversas sofreram algum espécie de abuso por parte de homens. Seja na passada de mão ( eu fui vítima várias vezes desse tipo de agressão) ou em agressões gravíssimas como sofreu Clara. Só denunciando, levantando bandeiras é que vamos enfrentar esses bandidos machistas que acham que tem direito sobre o corpo de qualquer mulher.

    Num país como o Brasil, onde a discussão sobre o corpo da mulher como no caso do aborto,  é entregue ao Estado e à Igreja é consequência que os homens nos agridam e se considerem com direito aos nossos corpos. Cunhas, felicianos, bolsonaros, maltas e temers decidem pelo nosso corpo.

    Quanto a Matê da Luz, acalme-se. Pode parecer que não mas a luta e resistência que nós, feministas, temos são transmitidas aos nossos filhos. Sua filha sabe se cuidar e se defender, tenho certeza.

     

    1. Na questão da mulher o mais

      Na questão da mulher o mais grave é a omissão das mulheres no poder. A violência contra as mulheres em geral conta a cumplicidade de mulheres que tem poder mas que para não arriscar seu posicionamento social ou dos maridos se calam frente a violência que sofremos. Dona Rute Cardoso era intelectual e feminista e com todo o poder no marido no stablishment nunca tratou da questão do aborto. Lembra da Monica Serra chamando a Dilma de aborteira. E essa Marina “setubal” Silva? Temos agora uma mulher presidindo um dos poderes da república e que se diz feminista. Alguém ouviu alguma palavra de solidariedade com relação ao caso da Clara? Alguma frase  de efeito? E as jornalistas medalhadas da imprensa como as leitões, lo pretes, catanhedes, bérgamos etc. Houve algum movimento para levantar a questão do estupro?

      Esse silêncio só dá mais poder ao abuso masculino. 

       

  7. Deveria fazer o BO

    Hoje mesmo uma usuária de ônibus de São Paulo apareceu em notícias, dizendo que fez questão de registrar o BO e “virar estatística”, mesmo achando que pode dar em nada, mas ela entende que faz parte do não aceitar a situação e não se calar. Ela foi apalpada por um sujeito num ônibus, denunciou na hora e outras passageiras, a cobradora e o motorista a ajudaram a prender o tarado e o entregar à polícia. 

    Além do que o BO é porta de entrada para outras ações que podem render, sim, punição ao agressor. Como uma indenizatória por danos morais. Com um BO por estupro o cara vai penar pra achar emprego. E no mais, certíssima a Vera Lucia Venturini: não deu em nada, denuncia a polícia! Mas sem fichar o agressor não pode ficar.

  8. Transporte “rosa” (táxi, metrô etc.)

    O problema é que usar esse tipo de “solução” dá margem a outra culpabilização: o dia em que a mulher, por qualquer motivo, usar um transporte “masculino” será também culpada: “Por que não usou o transporte ‘rosa'”?

    Sobre a divulgação do fato, por mais que eu ache a Clara Averbuck muito “estrelinha”, entendo perfeitamente o desânimo dela em denunciar. Mais um ponto importante: esse foi o desabafo dela NO DIA DO ACONTECIDO. Ela pode mudar de ideia e resolver denunciar depois… mas o “tribunal da internet” não perdoa ninguém…

    1. Eu responderia o seguinte

      “Por que não usou o transporte ‘rosa'”? Porque não é obrigada, obrigado é o motorista a respeitar a passageira. Errado é o agressor. E de qualquer forma é bom pra mulher ter alternativa. O mundo ideal é aquele em que independente do tipod e transporte a mulher seja respeitada, mas enquanto isso não vem vale a pena poder se precaver.

      1. Concordo, mas…
        Alan, infelizmente a maioria das pessoas não pensa assim. Também acho importante ter opções mais seguras, mas quando se é mulher numa sociedade machista não se tem para onde correr…

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