Senado muda Lei Maria da Penha e organizações pedem veto a Temer

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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A medida foi votada simbolicamente na Casa e anunciada como positiva, mas integrantes do Ministério Público, Defensores Públicos Gerais e organizações feministas criticam as mudanças – Foto:Tânia Rêgo/Agência Brasil

Da ABr

Por Helena Martins

O Senado aprovou, na terça-feira (10), Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher, projeto que altera a Lei Maria da Penha, a fim de permitir ao delegado de polícia conceder medidas protetivas de urgência às mulheres que sofreram violência e a seus dependentes, uma prerrogativa que hoje é exclusiva dos juízes. A medida foi votada simbolicamente na Casa e anunciada como positiva, mas integrantes do Ministério Público, Defensores Públicos Gerais e organizações feministas criticam as mudanças. Elas pedem que o presidente Michel Temer vete a proposta. 

O projeto determina que a concessão de medidas pelo delegado só será admitida em caso de risco real ou iminente à vida ou à integridade física e psicológica da mulher e de seus dependentes. A autoridade policial deverá comunicar a decisão ao juiz e também consultar o Ministério Público em até 24 horas, de acordo com a proposta, para definir pela manutenção da decisão. Entre as medidas que podem ser aplicadas em caso de violência, estão a proibição de o agressor manter contato ou se aproximar da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, vetando-o de frequentar determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da agredida, e o encaminhamento da mulher à rede de apoio às vítimas de violência.

Na justificativa da proposta de autoria do deputado Sergio Vidigal (PDT-ES), consta que ela acelerará a apreciação dos pedidos, a fim de garantir segurança, e que objetiva promover melhorias no sistema de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Nesse sentido, também determina que deve ser priorizada a criação de delegacias especializadas de atendimento à mulher (Deam), núcleos investigativos de feminicídio e equipes especializadas para o atendimento e investigação de atos graves de violência contra a mulher; estabelece que a vítima de violência deve ser atendida, preferencialmente, por outras mulheres; e fixa diretrizes para a escuta de vítimas e testemunhas, como a garantia de que sejam ouvidas em local isolado e específico e de que não haverá contato com investigados ou suspeitos.

A mudança, contudo, está longe de ser consensual. Antes mesmo da aprovação da proposta, várias instituições manifestaram-se contra, entre as quais o Grupo Nacional de Direitos Humanos e a Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União; a Comissão Especial para Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, bem como as organizações que elaboraram o anteprojeto de lei Maria da Penha (Cepia, Cfemea, Cladem e Themis) e outros grupos feministas, de mulheres e de defesa dos direitos humanos.

Diante das mudanças, Leila Linhares Barsted, diretora da ONG CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação e uma das redatoras do texto da Lei Maria da Penha, antecipou a Agência Brasil que organizações que atuam em defesa dos direitos das mulheres pedirão que o presidente Michel Temer vete a proposta.

 

Ela explica que, em vez de significar avanços, o projeto aprovado subverte a lógica da Lei Maria da Penha e seu foco em garantir acesso das mulheres à Justiça e à rede de apoio, como instituições de acolhimento e de atenção à saúde. “Nós, mulheres que trabalhamos na proposta original, queríamos realmente garantir às mulheres o acesso à Justiça, que é uma garantia prevista não apenas na Constituição, mas especificamente no caso das mulheres, em convenções internacionais das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos [OEA]”, relembra Leila.

Acesso à Justiça

Ela explica que a norma em vigor prevê a competência do Judiciário na determinação de medidas, dando à polícia o dever de orientar a vítima sobre medidas protetivas e outras questões, como registro de ocorrência, além de apoiá-la para buscar pertences em casa. Para Leila, além do direito das mulheres de ter acesso ao Judiciário, isso é importante porque é neste momento que a vítima é acompanhada pela Defensoria Pública, recebe apoio e informações sobre seus direitos. “É uma maneira de fortalecer essas mulheres, sabendo dos seus direitos e requerendo, de forma eficaz, as medidas protetivas, e de afastar mecanismos de conciliação tão comumente utilizados”, diz, relatando que, nas delegacias, as mulheres costumam ser discriminadas.

Questionada sobre a eficácia do Judiciário nesse combate, já que 900 mil processos sobre violência doméstica tramitam na Justiça brasileira , a advogada e representante brasileira no Mecanismo de Acompanhamento da Implementação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a Mulher da OEA afirma que “a concessão de medidas protetivas é um ato rápido, enquanto o processo criminal tem que obedecer ao rito de ampla defesa” e destaca que os problemas existentes não pode levar à substituição do Judiciário pelas delegacias de polícia.

A Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) alertou, em nota técnica, que ela pode impedir que as mulheres violentadas apresentem seus pleitos à Justiça. A proposta, para o Conamp, abole a “capacidade postulatória direta da vítima para o juiz para as medidas protetivas de urgência, pois agora apenas se o delegado de polícia entender necessário ele é quem representará ao juiz para a aplicação de outras medidas protetivas”.

Direitos do acusado

O órgão defende que a alteração é ilegal. Apontando que a decisão por medidas protetivas de urgência “é uma grave ingerência nos direitos fundamentais do investigado”. “A proibição de aproximar-se dos parentes da vítima pode importar, inclusive, na supressão do direito de visita regulamentado por decisão judicial, criando a situação absurda de um despacho policial revogar decisão judicial. E restringir o direito fundamental à liberdade do cidadão”.

Opinião semelhante é exposta por Leila Linhares Barsted. Ao mesmo tempo que o Estado tem o dever de punir agressores a fim de que as mulheres sejam protegidas e possam viver sem violência, diz, ele não pode negar direitos aos acusados. “Não podemos ampliar o poder de polícia de limitar a liberdade de indivíduos”.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

8 Comentários

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  1. não entendi nada…

    Ao que despreendo o PT, rede, PCdo B apoiaram a iniciativa ao deixar ser voto de liderança, me parece que é uma medida que agiliza e muito a proteção a vítima, já que pode, em tese, ocorrer de imediato na chegada do policial na ocorrência.

    Eu acredito que precisa ser melhor explicado o que seria ruim pensando do ponto de vista de salvar vidas.

    1. Ufa!!!!
      Um que entendeu o

      Ufa!!!!

      Um que entendeu o projeto e fugiu do preconceito “puliça malvada” e do discursinho do MP…..

      Qualquer pessoa que saiba somar 2+2 percebe que o projeto é EXTREMAMENTE BENÉFICO às vítimas, pois proporciona um IMEDIATO ATENDIMENTO E CONCESSÃO DA MEDIDA PROTETIVA… Delegacia de Polícia fica aberta 24 horas, vá voce procurar um juiz hoje, feriado, às 23:50, porque seu companheiro te deu uma surra e ameaça te matar….

      Mas as tais “ONGs” e “feministas” preferem que as mulheres sigam apanhando, sendo mortas e saindo das delegacias com um B.O. que nada vale nas mãos, assim elas (ONGs e feministas) podem seguir reclamando e se apresentando com únicas “defensoras” das mulheres…

      INACREDITAVEL ser contra esse projeto

  2. Maior prova de que a ONGs,

    Maior prova de que a ONGs, feministas etc só estão preocupadas em fazer militância política, e não com as vítimas (no caso, a mulher agredida). 

    Hoje, a mulher vai à delegacia e alega que o companheiro a está ameaçando de morte. O Delegado pouco pode fazer além de registrar um B.O. Por isso, muitas mulheres não registram ocorrência, pois sabem que ao sair da delegacia, terão de dividir o teto com seu algoz.

    Com a nova lei, o delegado poderá decretar imediatamente a medida protetiva, submetendo-a em seguida ao juiz, para confirmação ou não.

    Como ser contra tal lei???

    Simples, esses ditos movimentos são totalmente pautados pelo MP, e o MP quer tornar a polícia sua subordinada, por isso é contra qualquer projeto que a empodere, ainda que tal seja benéfico ao povo.

    Inacreditável que as pessoas nao se deem conta disso, e se declarem contra o projeto sem sequer o ler…

  3. afinal, a mulher ainda vai poder recorrer ao judiciário?

    Este é o grande centro pra saber se a mudança é boa ou ruim:

    Se a mulher agora não tem direito garantido e livre a recorrer ao judiciário, e agora ela tem como opção única ir na delegacia, e só poderá recorrer ao judiciário se e apenas se o delegado permitir, então a mudança é negativa.

    porém, se o acesso ao judiciário continau o mesmo, não importando se houve e o que houve em opcional passagem anterior na delegacia, então se trata de mudança positiva, pois aumenta os níveis de proteção, não lhe tira o qeu já tinha.

    No texto uma mulhera afirma que  acesso ao judicário esta agora preso á indicação do delegado. É isto mesmo, ou ela falou bobagem?

    1. é bobagem.

      É bobagem o comentário que alguém não pode demandar no judiciário, só ler o artigo 5, inciso XXXV: in verbis:

      ” a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;”

      O que aparece contrário a lei é muito ruim no texto, talvez exista argumentos melhores, por causa disso que lá embaixo qual seria a vantagem de manter o “status quo” para  a vítima, eu não encontrei argumento no texto apenas lobby da pior espécie.

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