Seu dedo apertou o gatilho: o sonho acabou, por Alcidesio Júnior

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do PSOL Carioca

Seu dedo apertou o gatilho: o sonho acabou

por Alcidesio Júnior

Professor da Escola Municipal Jornalista Daniel Piza

Hoje foi executada com três tiros, pela Polícia Militar, um na cabeça, um na nuca e outro nas costas, uma menina de 13 anos. Dentro da escola, em aula. Não é a primeira e não será a última. Morreu com black na cabeça, camisa e bermuda do uniforme da prefeitura do Rio de Janeiro, e um tênis rosa. Sem mochila ou celular, pois estava indo beber água. Jogava volei, ganhou por isso uma bolsa para ir para um colégio particular como aluna atleta, como diversos outros alunos do colégio conseguiram. Fruto de um trabalho maravilhoso dos professores de Educação Física, a menina começou a ter sonhos. O colégio foi o melhor da CRE, venceu jogos e campeonatos contra colégios particulares, trouxe 9 medalhas das 10 modalidades que participou no ano passado. Foi o destaque. Ela era da equipe. Mas, morreu.

Com ela morreu seus sonhos e a esperança de diversas outras crianças, que experimentaram hoje o ódio e o desejo de vingança pela covardia sofrida. Todo trabalho de 6 anos do colégio na comunidade, todo o trabalho de 3 anos da equipe de Educação Física e Direção, toda credibilidade que tinham, morreram ali.

Eu sairia as 16:20, estava com a turma de 6 Ano. Ouvi três tiros de pistola. Coloquei todos sentados e em silêncio em local seguro. Ouvi mais rajadas de fuzil. Gritos. Controlando a turma, boatos vinham, diziam: menina baleada. Disse a turma que iria averiguar e eles esperassem. Concordaram. Um funcionário, pai de aluna, que veio três vezes a turma pra ver a filha e pedir que não saísse dali, estava no corredor. Perguntei a ele o que realmente havia acontecido, ele pegou no meu braço e disse: quer ver o que aconteceu? Olhe ali embaixo. Vi o corpo e a poça de sangue. Morta. Voltei a turma. Confirmei o boato. Vi ainda na quadra o professor de E.F. com os outros alunos abrigados e abaixados. Na primeira pausa do tiroteio, que não acabou durante toda a tarde e noite, os alunos foram liberados para casa. Mas a troca de tiros, não parou. Alunos, pais, familiares, curiosos, vizinhos e bandidos queriam ver o corpo, entrar na escola. Uma multidão que nunca vi ali, e sempre se renovava. Uma multidão. Muita dor, revolta, desespero, ajuda… gás de pimenta, coquetel molotov, tiros, fogos, gritos…muitos gritos. Muita gente desesperada, muita gente desmaiando. O inferno. Fogo na rua, barricadas, ônibus e carros queimados. Tiros. Execução sumária. Revolta. Justa revolta. E nós, professores e funcionários, ali. Muito ódio. Justo ódio. E ela, morta.

Esta política de “combate às drogas”, mata. Morre policial, morre traficante, morre inocente. Lucrando com ela, uma minoria de Políticos e “Empresários” da “boa sociedade”, que fornecem armas e drogas para os dois lados. Vendem a ideia de que vivemos em uma “guerra”, para atuarem livremente. Encontram eco nos discursos conservadores que dizem que “bandido bom é bandido morto”, que “favelado é criminoso”, que “direitos humanos só servem pra proteger bandidos”, que a “polícia deve ser justiceira contra bandidos”… Se você defende isso, parabéns!, seu desejo foi realizado: seu dedo ajudou a puxar o gatilho do fuzil que matou Maria. Ela virará estatística: mais uma preta, pobre e favelada que morreu. Junto com ela o humano deste ser. Nesta lógica do olho por olho, ficamos todos cegos.

O ódio classista, o ódio contra a favela, o ódio contra o pobre, voltará. A favela dará o retorno. A indiferença, o descaso, o descompromisso com ela, terá volta. Não terá controle. Não há paz sem justiça social. Não há sossego possível, com esta omissão estrutural e esta política de extermínio. Ou mudamos tudo, ou nada mudará.

A família gritava: “a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro matou minha irmã “; “a favelada que estuda, tá aqui morta, enquanto isso, aquela criminosa foi solta pra cuidar do filho dela”; “queria ver se fosse na Zona Sul, se isso aconteceria, se as pessoas seriam tratadas assim”. O que dizer? Justo. Muito justo e lúcido.

Muitas coisas me doeram hoje: a menina que morreu; a dor de cada membro da família que chegava – cada grito de desespero era uma nova morte; o desespero e perplexidade dos alunos vendo o corpo, deitados no chão, e não sabendo o que fazer; a insensibilidade dos policiais militares que, nem ao lado do corpo da criança, pararam de rir, zombar e atiçar a dor da população; o despreparo e, ao mesmo tempo, o amor e empatia dos professores e funcionários para lidar e ajudar na situação; a impotência diante desta estrutura asfixiante e imobilizante. Mas nada se comparou a dor sentida ao ler a mensagem que recebi do professor que mudou o colégio com sua nova forma de organizar a Educação Física, dando esperança a dezenas de alunos-atletas, que até então eram apenas “péssimos alunos” ou “projeto de marginais”: “Obrigado, Júnior. Mas a minha pergunta é: do que adiantou eu ajudar ela a sonhar?”

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Mais uma vítima inocente, e a sociedade brasileira?!

    Já disse inúmeras vezes, tem que acabar com a PM e a justiça militar(em minúscula mesmo).

  2. seu….

    Esta Gestapo Ideológica Tupiniquim não nos levará a lugar algum. Como não nos levou até hoje. Para começar não é possível neste momento acusar à Policia pela tragédia. Em segundo lugar 3 décadas inteiras de ConstituiçãoEscárnioCaricaturaCidadã redigida por todas as figuras da Esquerda Brasileira nos trouxeram até esta tragédia,. em muito alavancadas pelas desastrosas politicas de Leonel Brizola. Mais um medíocre da esquerdopatia tupiniquim que tinha solução para tudo e passou pela história colhendo e plantando fracassos. Tais lideranças politicas aceitaram, se omitiram, até deram certo apoio a esta indústria do tráfico. Nenhuma politica social implantada poir esta gente tirou ou diminui a entrada de nossa juventude no crime. E nossa esquerda burra e seus apoiadores não conseguem mudar o discurso, acusando à Policia da incompetência sistemática destes politicos.   

  3. Assassinato de crianças

    Não existe possibilidade de nos tornarmos uma nação se deixarmos policiais matarem nossas crianças e adolescentes.

    Esta é uma das maiores tragédias brasileiras.

    Ou reagimos, ou não poderemos mais sonhar.

  4. O SONHO ACABOU

    Junto daquela poça de sangue da inocente Maria, um clarividente poderia ver com nitidez os logotipos da Rede Globo, Rede Band, dos jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, das revistas Veja, Isto É, etc. Nossa mídia assassina e bandida ajudou a derramar o sangue daquela jovem. Nossa imprensa bandida, diuturnamente estimula o ódio contra os políticos, contra a política e entre irmãos. A questão central é: Pobre não deve ter direitos, trabalhadores são pagos, portanto são escravos deles que constitui nossa elite burra e gananciosa. Pobre não pode ter esperanças, por isso Lula deve ser preso e, se necessário, deve ser assassinado. Com essa mídia que temos, o Brasil não tem chances de ser um país decente e de ter uma sociedade progressista e justa. Acho que já é muita falta de sorte, uma pessoa nascer no Brasil, o país da Rede Globo e seu cartel criminoso. 

  5. Que tragédia.
    Mais uma vida

    Que tragédia.

    Mais uma vida injustamente interrompida.

    Hannah Arendt acreditava que cada ser humano é único e traz em si o potencial de um novo começo. Ela acreditava, com razão, que o mundo se renova a cada pessoa que nasce.

    No Brasil a renovação está sendo abortada a tiros.

    Não, esta moça não foi morta pelo ódio e ou pela ignorância.

    Ela foi mais uma vítima dos 517 anos de total separação entre os “donos do Estado” e os “outros”.

    Cá o mal banal não é um fenômeno excepcional (como o nazismo durante a vida de Hannah Arendt) ele é uma permanência histórica duradoura. E respeitável segundo os jornalistas que clamam por mais sangue na TV.  

  6. Sob o calor da emoção

    Sob o calor da emoção muitos afobados estão pedindo o fim da Polícia Militar.

     

    Só pra lembrar: O Espírito santo em poucos dias sem Polícia Militar teve quase 150 mortes por bandidos.

    A Líbia, teve suas forças Armadas extintas e após a morte de Khadafi, entrou para um caos e uma barbárie nunca vistas naquele país onde dezenas de grupos para militares disputam o poder a tiros de fuzis nas ruas de Trípoli.

     

    ———————

    Extinguir a Polícia Militar, não vai acabar com a violência, só vai trocar a violência da Polícia pela violência de outros grupos.

    Eliminar a Polícia de um país só irá criar um vácuo de poder, e sabemos muito bem que todo vácuo de poder é rapidamente absorvido por algum grupo mais violento ou mais sórdido ainda.

    Foi sob este calor de emoções que durante a redemocratização, descentralizaram quase todos os poderes do presidente da República e distribuiram estes poderes para o Congresso ( que votou o impeachment ) e para o Ministério Publico, que hoje preside a conhecida lava jato, e a quebradeira de empresas desta operação. O vácuo do poder que foi tirado do presidente da República foi absorvido pelos grupos de mídia que passaram a pautar o MP. Vácuo de poder é perigoso, perigosíssimo. 

    O negócio é regulamentar. Proibir Polícia de dar tiros próximo de escola, municiar Policiais com armas não letais, tranquilizantes, treinar Políciais em técnicas de abordagem não violenta, aikido, meditação, etc.

    Ou na pior das hipóteses obrigar a Polícia a dar uma sirene de alerta bem alto próximo às escolas antes de surgir um tiroteio, para que todos tenham chance de se abaixar, coisas assim. E o principal, escolher os Policiais com base em exames psicológicos e não apenas concursos, assim é nos países desenvolvidos.

    Mas sabemos que este tipo de regulamentação  jamais acontecerá no governo ultradireitista de Temer.

     

     

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