Xadrez do dilema: impeachment ou morte, democracia ou golpe

Vamos a um cenário bem esquemático para tentar acordar os poderes sobre as ameaças que pairam sobre o país.

Peça 1 – a estabilidade política com Bolsonaro

A estabilidade política do governo Bolsonaro depende de três poderes: Supremo Tribunal Federal, Congresso e Forças Armadas.

Para manter o seu apoio – ou a não oposição – há dois instrumentos de cooptação.

Forças Armadas e Congresso são comprados com cargos e verbas.

Há um segundo foco de cooptação que é o Mercado, os grandes negócios da privatização, sustentados por Paulo Guedes, como pressão adicional sobre o Congresso e sobre o Supremo.

Trata-se de um arranjo provisório. Obviamente o modelo político perseguido por Bolsonaro é o poder absoluto, com apoio armado preferencialmente das milícias e das PMs e FFAAs passando por cima da hierarquia militar.

Esse desejo já foi expresso em vários tuites dos familiares. E todos os atos de governo vão nessa direção. Atingindo seus objetivos, não haverá mediação nem do Alto Comando sobre as FFAAs, nem do Mercado sobre a política econômica. A parceria atual é puramente de ocasião.

Peça 2 – a economia

A Economia é peça central nessa engrenagem, por ter influência direta na questão social e na entrega prometida por Guedes. Um aprofundamento da crise diluirá a base de apoio eleitoral, política e social e impedirá Paulo Guedes de entregar os negócios da privatização.

A economia depende de dois fatores centrais: o comportamento da economia mundial e a política econômica de Guedes.

Em ambos os casos, os sinais são os mais negativos possíveis. A segunda onda da pandemia se espalhou pelo mundo, possivelmente trazendo uma segunda onda de crise econômica mais grave, pois em cima de organismos nacionais combalidos.

Há alguns contrapontos, como o plano Biden, de recuperação econômica, mas esbarrando no avanço da segunda onda da pandemia.

Internamente, a política econômica de Guedes vive uma sinuca, fruto do extremo amadorismo com que foi conduzida.

Com o corte da renda básica e a sujeição à Lei do Teto, mais a Segunda Onda, a crise econômica vai se ampliar. A estagflação já está no horizonte, com aumentos expressivos de alimentos e insumos, por influência do dólar e das exportações, e queda radical do consumo, pelo fim da renda básica. É a fórmula clássica da estagflação (estagnação com inflação).

A enorme ignorância institucional da frente MMS (Mercado, Mídia, Supremo) jogou para segundo plano questões mais urgentes, de recuperação da economia, do emprego, da saúde, da construção de redes sociais mínimas, ante um cataclisma social no horizonte.

Guedes vive sua escolha de Sofia. Para salvar a economia e a hecatombe social, terá que fugir dos livrinhos de manual. Fugindo, perde seu trunfo perante o mercado e não terá mais serventia a Bolsonaro. E também não conquistará credibilidade para dar uma injeção de ânimo nos agentes econômicos.

Peça 3 – o cataclisma social

Pode-se ter algum refresco com o início da vacinação, mas não haverá como deter a escalada das duas crises, a econômica e a social.

Enquanto Guedes vive seu dilema, o cataclismo social chegou. O fim da renda básica está jogando nas ruas uma multidão desesperada, espremida entre a fome e a pandemia, atrás de emprego, bico, esmola, e, em breve, recorrendo a saques para garantir o sustento da família.

Além disso, a crise sanitária está crescendo exponencialmente. O episódio de Manaus foi impactante e irá se repetir. Há sinais nítidos de que a crise sanitária, que até agora poupou a classe média, com acesso a hospitais privados, será muito mais ampla. Baterá na classe média, aí, a caixa de ressonância será outra.

Os episódios de Manaus já explicitaram o papel genocida de Bolsonaro, sua ampla incapacidade de controlar as duas crises e a necessidade fundamental de se ter um comando racional no país.

Haverá um aumento da pressão das bases políticas sobre deputados e senadores. E, provavelmente, cairá a ficha das Forças Armadas sobre o desgaste fulminante da imagem, decorrente do apoio a Bolsonaro.

Entra-se em tempos de ebulição social e política.

Peça 4 – a crise política

Já há condições objetivas para abrir o processo de impeachment.

O primeiro passo será a convocação do Congresso. Havia muito receio de uma convocação para discutir o impeachment. Mas há dois temas que poderão ser invocados para a convocação: a crise do Amazonas e a questão das vacinas. O tema do impeachment será decorrente.

Não faltam motivos políticos e jurídicos para o impeachment. Mas, neste momento, tem-se o motivo maior e mais urgente: a tragédia sanitária e social que se desenha, com a absoluta incapacidade de Bolsonaro de implementar uma política de saúde eficaz.

Além disso, há uma escalada do pessimismo que levará, em breve, a conflitos muitos graves. No front econômico, Guedes já cometeu todos os erros possíveis e não desperta credibilidade sequer junto ao mercado.

A única maneira de dar uma parada, de reorganizar as expectativas, será com um novo comando, especialmente se for fruto do grande pacto nacional.

Peça 5 – o ponto de ebulição

Assim que Bolsonaro se vir ameaçado, antecipará sua estratégia convocando suas milícias armadas – as milícias propriamente ditas e os grupos de tiro e caça. E, provavelmente, lançará acenos às bases das polícias estaduais e das Forças Armadas.

Daí a necessidade de duas iniciativas em paralelo. A primeira, a articulação do impeachment no Congresso. A segunda, as conversas entre os poderes, visando garantir o movimento contra as milícias de Bolsonaro.

Não adianta se esconder debaixo da cama com receio das milícias. A cada dia que passa, seu poder aumentará. Se não cortar a cabeça da cobra agora, não haverá condições mais adiante.

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • ...E se continuar perdendo a luta cultural por w.o., já era.

    É impressionante! A esquerda textao adora citar Gramsci, Escola de Frankfurt, Foucault, teoria critica, pos moderna, etc: tudo isso pra quê, santo deuxxx?!

    • Comigo você não está dizendo nada.
      Sou da esquerda textinho,e o máximo que adoro citar é Lula V,o único detém o essencial para ganhar eleições:Votos.Talquei uma propaganda do tempo que Nassif era menino em Poços,Lula V é igual a pão,ainda não inventaram nada igual.
      Você sabia que algum tempo atrás,um raro fã daqui,ousou comparar minha escrita com a de William Faulkner.Poiszé,imagine que tolo.
      Depois que a indigência mental e intelectual capturou a Blogosfera,e transformou-a no maior ponto de prostituição do País,eu simplesmente aposentei os dedos.
      Para passar o tempo,em consonância com o novo regulamento do Blog,eu uso o dedo médio ou do meio para situações emergenciais.

  • O fator geopolítico.
    Tudo vai ficar mais claro depois do dia 20 de janeiro de 2021.
    Caso o novo governo americano exerça forte pressão contra o Brasil por questões climáticas, o atual presidente será afastado, com aval de seus atuais aliados, ainda no primeiro semestre.

    A posição do governo da Índia em relação a vacina, pode ser um reflexo da derrota de Trump nas eleições de novembro de 2020 e dos acontecimentos da invasão do congresso americano.

    Para seus eleitores, Trump poderia ter saído como herói, se saísse apenas gritando, mais os acontecimentos da invasão do congresso jogaram tudo por água abaixo.

    Tudo indica que vai sobrar para o atual presidente do Brasil.

    É o fator geopolítico, a menos que mude tudo e abrace os chineses.
    Está numa sinuca de bico.

    • Isso sem contar a irresponsabilidade brasileira que está fazendo a "água" do Covid subir muito com essas novas variantes. O mundo vai cobrar caro e isolar o Brasil cada vez mais.

  • Diariamente se caminha, até mais rápido que Bolsonaro esperasse, muito mais para o lado do caos com o uso das milícias armadas, que para o lado da estabilidade.

  • Nao tem grande acordo nacional sem o supremo,.parafraseando Juca, e o supremo não tem coragem de enfrentar Bolsonaro

    Mandaram abrir os gastos do cartão, não abriu

    O gabinete do odio continua a todo vapor

    TSE e inquérito das rachadinhas não andam

    O STF nunca jugou nem o mérito do golpe contra Dilma nem a parcialidade de Moro!!!

    Restará pais quando o supremo acordar? Penso que não

    • Bruno: uma perspectiva otimista indica que o Supremo está esperando a hora política adequada para dar sequência a todos os processos. Talvez... quem sabe... Ou não ?

  • KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK.
    Eu e Pai Ambrósio,amigo irmão de Nassif,conjecturamos ontem,após mensagens espirituais,que Jair cairia em agosto,se cair antes,melhor concluímos.
    Hoje,Nassif arrisca no máximo até o Carnaval sem povo.
    Estão vendo,vocês vão ter que me engolir.A mim e ao Pai Ambrósio.

  • Bem.
    Impedir o coiso e empossar o vice?
    Por qual agenda política passaria um novo governo?
    Anti-coiso muita gente agora é: o sejumoro, o governador-camarote de SP, e até o Botafogo.
    Que venha a convulsão social.
    Chega de sublimar conflitos.

    • É o previsto e a luta não é política, é:
      materialidade x Espiritualidade
      civilização x Humanidade
      inteligência artificial x Inteligência Espiritual
      povos do deserto x Povos das Águas
      abrâmicos x Holisticos

    • Toda vez que houve convulsão social no Brasil o resultado foi sempre o mesmo: o Exército massacrando o povo. Acho que Canudos é o melhor exemplo disso, mas houve tantos outros, o Contestado, um dos maiores e menos estudados massacres de pobres da história do Brasil; Cabanagem; Balaiada e muitos outros que eu não me lembro agora, mas a cada levante popular, SEMPRE o mesmo resultado: um monte de pobres massacrados e a classe dominante reiterando seu controle do país.
      Por que seria diferente agora? São ELES lá que tem as armas, até com milícias agora; os pobres não tem nada, nunca tiveram. Essa é e sempre foi a história do nosso país.

      • Se houver uma convulsão social esse ano por causa dessa situação pavorosa que estamos vivendo, o governo federal decreta Estado de Sitio e os bravos soldados do Exército brasileiro sairão dos quartéis para exercer pela enésima vez na história do Brasil a sua maior especialidade: atirar em trabalhadores, em estudantes, em camponeses, enfim, atirar em pobres; contando agora com a ajuda de 27 polícias militares e também, hoje e doravante, de milícias armadas.

      • Vale a pena uma promessa chapa 4 Cruzes.
        Se Ciro Pau de Fogo Gomes passar dos dois dígitos,passar para o segundo turno,e vencer as eleições presidenciais,você,de joelhos,sobe as escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim,e pede a ele em ato de fé,que descongele os pés de Cae Veloso,e tire duas cruzes de suas costas.As outras duas não tem como sair.Uma é das Escrituras Sagradas,a outra do seu nome.Mas tu vais ficar um pouco mais leve,e parar de encher meu saco.

    • Concordo. E o barbudo russo - que sabia muito das coisas - já disse que a paixão pela destruição é uma paixão criativa. Claro que haverá muita convulsão, sangue. Bolso por Mourão é seis por meia dúzia. E o mesmo vale para o Doria ou outro neoliberal qualquer. Caso contrário, salve-se quem puder. Bom domingo a todos

  • Em aditamento ao comentário anterior.
    Uma pergunta a quem de direito,quem sabe o Senhor Luís Nassif:
    Joe Biden vai dá uma mãozinha para empurrar Jair e sua Máfia ladeira abaixo?
    Por óbvio,quem cala consente,reza a prima lenda.

  • Não há impedimento de presidente sem que o vice faça parte do processo de impedimento. Tanto em 92 quanto em 16 os vices fizeram parte da articulação que levou ao impedimento do presidente. Nassif não trata disso em seu esquema. É claro que Mourão quer o cargo. Mas ele significaria uma saída desse imbroglio? Ou o endurecimento maior do atual regime político?

    • Mourão deu entrevista à folha dizendo que não haverá impenchiment.
      Sendo assim,pode não ser todos, ele ainda tem o apoio das FFAA.

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