Categories: Brasilianas.org

Juiz relata ameaças e pede afastamento

Juiz responsável pela Monte Carlo relata ameaças de morte e pede afastamento

Magistrado diz ter sido alertado sobre possibilidade de sofrer represálias nos próximos meses

BRASÍLIA – O juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima, que comandava a Operação Monte Carlo, relata ser alvo de ameaças de morte, revela que homicídios podem ter sido cometidos por integrantes do esquema do contraventor Carlinhos Cachoeira e pede para ser tirado do caso.

Veja também:
Justiça considera legais provas obtidas pela PF contra Cachoeira
STF adia votação sobre cassação de Demóstenes
Justiça do DF mantém Cachoeira preso

Em ofício encaminhado no último dia 13 ao corregedor Geral do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Carlos Olavo, o juiz federal afirma não ter mais condições de permanecer no caso por estar em “situação de extrema exposição junto à criminalidade do estado de Goiás”. E para evitar represálias, revela que deixará o país temporariamente. No documento, a que o Estado teve acesso, o juiz relata que segue esquema rígido de segurança por recomendação da Polícia Federal, mas revela que sua família foi recentemente abordada por policiais e diz que foi alertado da possibilidade de sofrer represálias nos próximos meses. “Minha família, em sua própria residência, foi procurada por policiais que gostariam de conversar a respeito do processo atinente a Operação Monte Carlo, em nítida ameaça velada, visto que mostraram que sabem quem são meus familiares e onde moram”, diz no documento.
Lima indica que investigados pela Operação Monte Carlos podem estar relacionados a assassinatos cometidos recentemente, o que configuraria queima de arquivo. “Pelo que se tem informação, até o presente momento, há crimes de homicídio provavelmente praticados a mando por réus do processo pertinente à Operação Monte Carlo, o que reforça a periculosidade da quadrilha”, relata. Nas cinco páginas em que explica o pedido para deixar o caso, Lima elenca os recentes processos polêmicos que comandou. À frente da Operação Monte Carlo, 79 réus foram denunciados, sendo 35 policiais federais, civis e militares. E por ter determinado o afastamento dos policiais de suas funções, afirma que não pôde ser removido para varas no interior do Estado “por não haver condições adequadas de segurança”. Em setembro, Lima afirma que tirará os três meses de férias que teria acumulado e sairá do país por “questões de segurança”. Mas mesmo assim afirma que ficará marcado por sua atuação neste caso. “Infelizmente, Excelência, Goiânia/GO é uma cidade pequena, onde todos se conhecem, e terei que conviver com as consequências da Operação Monte Carlo e dessas outras operações por muito tempo, principalmente porque nasci e fui criado nesta cidade”, afirma o juiz.
Suspeição. O juiz federal titular da 11ª Vara em Goiás, Leão Aparecido Alves, deve herdar o comando do processo. Mas suas relações pessoais podem colocá-lo sob suspeita. Alves admitiu, recentemente, ser amigo há 19 anos de um dos investigados – José Olímpio de Queiroga Neto, suspeitado de ser o responsável pela escolha de pessoas que poderiam integrar as atividades do grupo e de repassar porcentagem dos lucros das casas de jogos a Carlinhos Cachoeira.   Abaixo entrevista com o Juiz federal Paulo Augusto Moreira Lima a Revista Eletronica Fato Tipíco do Núcleo de Persecução Criminal do Ministerio Público Federal em Góias.
  Mestre em Ciências Penais pela Universidade Federal de Goiás, Paulo Augusto Moreira Lima é juiz federal substituto da 11ª Vara Federal de Goiânia e professor do curso jurídico Emagis. Ex-Delegado de Polícia Federal. Foi aprovado também nos concursos para Promotor de Justiça e Defensor Público. Em seu gabinete, o magistrado recebeu a equipe da revista Fato Típico. Na conversa, o juiz falou sobre os principais problemas que envolvem o sistema prisional brasileiro.

 

No Brasil, o que é mais difícil: prender os acusados, condená-los ou mantê-los presos?

As dificuldades encontradas pelo Ministério Público, pela Polícia e pela Justiça são praticamente as mesmas, mas em momentos diferentes. Todos temos várias reclamações a respeito da nossa estrutura, das leis, do orçamento e da falta de investimento e de capacitação. A investigação e a prisão dos acusados são difíceis de serem feitas porque esses criminosos acumularam um know-how para praticar os crimes, o que vem nos surpreendendo a cada dia. Depois, o desenrolar do processo e a esperada sentença condenatória encontram um ambiente jurídico extremamente arcaico como o nosso, com uma série de interpretações distorcidas a respeito das garantias individuais e um sem-número de recursos.

 

Quais os fatores que mais dificultam a investigação e a aplicação de pena em réus que atuaram no tráfico internacional?

Um dos grandes problemas é a popularização da interceptação telefônica. A divulgação realizada pelos grandes telejornais trouxe um medo generalizado entre os traficantes de serem apanhados em diálogos telefônicos comprometedores. Então, eles se utilizam cada vez mais de linguagem cifrada, de MSN, de Skype e de outras tecnologias. Além disso, as proporções continentais do nosso país, as inúmeras estradas e aeroportos clandestinos impedem que a polícia faça um acompanhamento mais próximo deles, até porque não tem efetivo para tal.

 

O senhor acredita que as interceptações telefônicas sejam largamente utilizadas por ainda serem convenientes ou por serem mais fáceis de usar?

No que se refere ao efetivo policial e ao custo, com certeza a interceptação telefônica contribui bastante. Grandes provas ainda são coletadas a partir dessa técnica. Entretanto, a Polícia, o Ministério Público e a Justiça têm que se preparar para novas técnicas de coletar as provas, pois os diálogos criminosos são cada vez mais raros.

 

Quais as principais deficiências existentes no sistema prisional brasileiro?

O sistema prisional brasileiro não tem nenhuma eficiência, com raríssimas exceções. Tudo começa com o tipo de edifícios que são planejados, que têm capacidade para milhares de pessoas. Esse sistema é completamente ultrapassado. Deve-se buscar prédios menores, com capacidade para não mais que 250 presos. Outro problema são os agentes prisionais, que precisam ser mais bem remunerados, em contrapartida a uma política severa de punição para aqueles que fizerem o leva e traz de celulares, drogas, armas e documentos para presidiários.

 

O sistema penitenciário falha ao administrar infiltração de aparelhos celulares?

A entrada dos celulares é facilitada pela própria estrutura carente do sistema prisional e pelo número diminuto de agentes penitenciários para cobrir a entrada numerosa de familiares. É humanamente impossível que os agentes procedam a uma busca adequada em tudo o que entra no presídio. Isso sem contar que não contam com equipamentos básicos, a exemplo de detectores de metal e aparelhos de raios x. Além disso, há também alguns maus agentes que utilizam essa estrutura precária como desculpa para justificar algumas falhas que venham a cometer.

 

O senhor acredita na efetiva ressocialização dos presos?

Em relação aos líderes das organizações criminosas, sinceramente não. Para estes urge um tratamento mais severo. A experiência demonstra que essas pessoas não abandonam a prática criminosa. Alguém que se acostumou a ganhar milhares de reais por semana não quer trabalhar depois ganhando um salário mínimo. Nesse caso, o presídio deve ser usado para a neutralização do criminoso contumaz. Por isso, a legislação não pode ser a mesma para o criminoso ocasional e para o líder da organização criminosa.

 

Qual a opinião do senhor sobre a privacidade mínima a que os presos têm direito?

Os direitos de intimidade devem ser preservados. Mas eu entendo que, conforme ocorre em países como Estados Unidos e Itália, alguns presos têm que ter isolamento total. Qualquer contato com o mundo exterior deve ser filmado e gravado. Não concordo, nesses casos, nem com o direito à visita íntima, porque nessa visita o preso pode transmitir planos criminosos para a companheira repassar para seus comparsas que estejam em liberdade.

 

Mas isso teria que estar claro na legislação penal brasileira?

Sim, tem que ser aperfeiçoado. A Lei do Crime Organizado (lei nº 9.034/95) é muito tímida para vários desses assuntos.

 

Pela legislação, é proibida a prisão de usuários de qualquer droga. O senhor concorda com essa determinação?

O nosso sistema não tem uma separação por grau de periculosidade e classificação de acordo com o crime praticado. Então, se admitirmos a prisão do usuário, ele será encarcerado com o traficante, com o assaltante de banco. Daí, ele tende a ser explorado e arregimentado por algumas facções criminosas. Por outro lado, se tivéssemos espaços adequados, poderíamos até admitir pelo menos tratamento compulsório, o que a atual Lei de Drogas não permite. Se o usuário quiser descumprir todas as medidas impostas fica sujeito, no máximo, a uma pena de multa.

 

O senhor concorda que o réu o qual comete o tráfico privilegiado tenha pena restritiva de direitos em vez de prisão?

Não concordo. Esse réu que comete tráfico privilegiado, via de regra, é explorado pelo médio traficante que, sabedor que o transporte de grandes quantidades de droga atrai bastante a atenção das polícias e pode resultar em apenações mais altas, opta por fazer “tráfico-formiga”, em quantidades pequenas. Ao prevalecer esse entendimento, nenhum traficante que faz a venda para o consumidor final vai portar nas ruas mais que poucos gramas de droga. A “mula” não vai sentir tanto receio em ser presa ao se deparar com o assédio de traficantes. Então, eu entendo que a pena restritiva é um estímulo a essa prática, e os traficantes agradecem.

 

O interessante é que, com o objetivo de encontrar brechas nas leis para agirem, os próprios criminosos se informam muito bem sobre a legislação, não é?

Tão bem quanto nós. Na última operação que julguei, por exemplo, eu recebi três petições elaboradas por alguns presos com um alto grau de perfeição técnica. O estilo de escrita era bem técnico, com qualidade tão boa quanto a de renomados advogados.

 

Analisar a quantidade e o tipo da droga apreendida é o suficiente para aplicar a pena?

A Lei de Drogas prevê a aplicação de acordo com vários traços: conduta, personalidade, questões objetivas e subjetivas. Mas a preponderância é da quantidade e da qualidade da droga. Eu entendo que esse padrão é até razoável. A nossa problemática com as drogas é muito mais ampla que eventuais falhas na legislação. Exemplo disso, tem que ser redefinida nossa política internacional em relação à Colômbia, Bolívia, Peru e Paraguai, principais exportadores de droga para o Brasil. Sinceramente, não vejo propostas de sanções ou qualquer pressão nesse sentido, apesar da nossa pseudo-condição de país líder da América do Sul. Temos uma fronteira seca com mais de 17 mil quilômetros, em sua maior parte sem fiscalização.

 

O embate diplomático que essas sanções causariam não seria bem mais prejudicial do que a falta de repressão?

Então como ninguém quer discutir isso da maneira como deve ser feita, os traficantes continuam produzindo; as pessoas continuam consumindo; e a Polícia, o Ministério Público e os juízes se desdobram para prender menos de 1% da droga que corre no mundo. É o mesmo raciocínio que se faz em relação aos paraísos fiscais. Poucos tributos, contas numeradas ou em nome de empresas de fachada, nenhuma fiscalização. A quem estes países servem?

 

A legalização resolveria parte do problema?

O tráfico é uma questão interminável. Se houver a legalização do uso das drogas, quem vai passar a ser alvo dos traficantes? Os menores de idade, que não podem comprar. Ou se vai para uma nova substância ou se vai para um público que não pode adquirir aquela substância. O proibido é inerente à sociedade. Você fecha uma porta e abrem outra.

 

O senhor defende a criação de presídios com alas específicas?

Alas específicas; presídios menores; agentes penitenciários mais bem pagos, estimulados e melhor vigiados; aparelhos de raios-X nos presídios; e bloqueadores de sinais de celulares. Tudo isso precisa ser feito. E eu não observo investimentos no sistema penitenciário conforme o que seria adequado.

 

Em relação ao Brasil, qual a posição do estado de Goiás na rota internacional do tráfico de drogas?

Goiás tem uma posição importante, pois está situado justamente entre São Paulo (que é o principal destino final ou a última porta até a saída para a Europa) e as fronteiras com Bolívia e Paraguai – que são as maiores portas de entrada de drogas no Brasil. Dessa forma, o estado é utilizado como entreposto de drogas ou mesmo como destino final. Além disso, temos grandes fazendas. Por esses fatores, é necessária atenção especial a esse fator.

 

O modelo de Cantaduvas seria o ideal?

A sistemática dos presídios federais vem dando certo. Tanto é verdade que ainda não há caso de fuga em nenhum desses presídios. É um sistema adequado e o sistema estadual teria que seguir essa tendência.

 

A delação premiada é um benefício bastante utilizado nos julgamentos de tráfico de drogas?

Não é tão utilizado quanto gostaríamos, pois é um instituto novo. Uma das dificuldades em aplicá-lo é que, no mundo do crime, impera a “lei de silêncio”. É muito difícil fazer com que um preso colabore com a Justiça, mesmo em troca de uma extinção de punibilidade. Mas o Estado já está se aparelhando para isso, com programas de proteção dos familiares e do réu colaborador.

 

As “leis” criadas pelas próprias organizações criminosas dificultam bastante…

É muito comum o preso não ter interesse em confessar o crime ou delatar alguém. Ele acha que vai “perder o respeito” que terá na cadeia. Então, ele prefere receber uma punição mais alta e dizer que não falou nada.

 

Até porque para eles é difícil confiar no Estado…

Concordo que as condições não estão ideais para os presos se sentirem 100% à vontade, mas, pelo que sei, os que aderem ao programa tem a integridade física resguardada. A questão é que se trata de uma personalidade formada dentro do crime; é o código deles. É difícil mudar isso na cabeça do preso, que não quer ser chamado de “cagueta” ou de “traidor”.

 

Nas grandes operações já deflagradas, ficou evidente o quanto os traficantes acumulam riquezas. Qual fim é dado aos bens apreendidos?

São realizadas alienações. Esses processos estão sendo feitos da maneira mais rápida possível, para aproveitar o valor que esses bens ainda têm. O valor é revertido em prol da sociedade: é direcionado para a União e para fundos específicos. Em tese, ele tem a previsão de ser revertido em aparelhamento.

 

A Lei do Crime Organizado prevê a possibilidade de infiltração de agente nas organizações criminosas mediante prévia autorização judicial. Quais são os pontos positivos e negativos dessa medida?

Essa lei precisa ser mudada, pois não adianta prever a infiltração se não houver garantias àquele policial que vai participar da medida. Quais atos ele poderia praticar? Ele poderia praticar algum ato criminoso? Há a previsão de alguma aposentadoria especial, remoção para outro estado ou mudança de identidade? Imagine um policial civil de um estado pequeno que participa de uma infiltração. O que ele vai fazer depois disso? Ele poderá ser removido, será aposentado, ganhará uma pensão? Ou vai ficar lá, aguardando a retaliação do crime contra ele? O Estado não pode colocar seu policial em risco. Essa infiltração sem regulamentação é um faz-de-conta.

 

Quais medidas devem ser tomadas para combater eficientemente o narcotráfico?

A prevenção é o básico. A demanda de drogas vem sendo crescente a cada ano. Isso alimenta o tráfico. Mas não adianta trabalhar só na questão da prevenção se a repressão for deficiente. Não podemos ser simplistas e dizer que uma é mais importante que a outra. As duas frentes são importantes e têm que ser igualmente trabalhadas.

 

Redação

Redação

Published by
Redação

Recent Posts

Dois meses após transplante, morre o primeiro paciente a receber rim de porco

Procedimento representou marco na medicina e foi comandado por brasileiro; em 2021, transplante foi testado…

10 minutos ago

Das 441 cidades em calamidade no RS, só 69 pediram recursos federais

Para municípios de até R$ 50 mil habitantes, o governo adianta R$ 200 mil em…

33 minutos ago

Rio Grande do Sul tem previsão de mais chuva forte no domingo

Avanço intenso de massa polar vai provocar queda nas temperaturas, que pode chegar a 0°C…

57 minutos ago

Morre Amália barros, deputada federal do PL, aos 39 anos

Vice-presidente do PL Mulher, Amália era próxima de Michelle Bolsonaro e foi eleita pelo MT…

1 hora ago

Comunicação no RS: o monopólio que gera o caos, por Afonso Lima

Com o agro militante para tomar o poder e mudar leis, a mídia corporativa, um…

18 horas ago

RS: Por que a paz não interessa ao bolsonarismo, por Flavio Lucio Vieira

Mesmo diante do ineditismo destrutivo e abrangente da enchente, a extrema-direita bolsonarista se recusa a…

19 horas ago