Do Brasilianas.org
Debate Brasilianas.org: Censura na Internet – II
Por Bruno de Pierro, Dayana Aquino, Lilian Milena, Luiz Henrique Mendes e Wilian Miron
Da Agência Dinheiro Vivo
A segunda parte da conversa entre o sociólogo Sérgio Amadeu, o advogado Marcel Leonardi e a equipe do Brasilianas.org abordou a questão dos crimes na Internet e como a legislação brasileira se coloca diante dos novos desafios que surgem no ambiente virtual.
A posição que o mercado ocupa na Internet e a neutralidade da rede também foram temas abordados durante o debate. “A Internet é um commons. É um espaço comum, onde o mercado existe, mas não apenas ele. E a questão da neutralidade da rede enfrenta a questão da livre iniciativa”, afirmou Amadeu.
Leonardi, por sua vez, dedicou-se a uma explicação sobre como funciona um processo envolvendo crime na Internet. “Muita coisa você resolve, especialmente com relação a saber se algo é certo ou errado – você não precisa de novas leis. Se o cara consegue fraudar sua conta bancária, seja porque na rua ele falou que tinha um bilhete de loteria premiado, e você caiu no conto dele, seja porque ele fez isso pela Internet, a essência do crime é a mesma, furto mediante fraude”, disse.
Acompanhe a continuação deste Debate Brasilianas.org: Censura na Internet.
Para ler a primeira parte, clique aqui.
Brasilianas.org – Essas tensões são um pouco controversas, porque se você entra com essas regulações sobre a Internet, você tira o caráter colaborativo dela. E se você dá a liberdade, ela vira “terra de ninguém”.
Sérgio Amadeu – A internet não é terra de ninguém na verdade ela é uma rede cibernética; é uma rede de comunicação e controle. Se usa essa sensação para se aprovar medidas que, em minha opinião, são completamente autoritárias. A Internet é, ao contrário, a mídia de maior controle que já se viu. E é simples de se perceber isso. Por exemplo, tem um cabo da Rede Globo no prédio da Gazeta, na Avenida Paulista, quantos aparelhos estão conectados nessa antena, captando o sinal analógico? Não sabemos, pois os aparelhos de TV não tem que se identificar perante a antena para pegar o sinal. Na Internet, para eu abrir um site, tenho que pedir autorização. Você manda os algoritmos para o browser, então, pelo menos em um momento, eu preciso me identificar.
Mas pensando na questão da inclusão digital, você tem “catracas”, barreiras tecnológicas que impedem o usuário que não tenha “alfabetização digital”.
Marcel Leonardi – Por um lado, isso é verdade, mas, por outro, a lógica mudou, no sentido de que os serviços mais famosos e mais utilizados são justamente as plataformas abertas, que permitem, aos usuários, falar o que quiserem para o mundo inteiro. Lembrando que, ter algo a dizer, não significa que você mereça ser ouvido.
Sérgio Amadeu – A Internet não é o mercado. As melhores aplicações, os sites mais visitados, o próprio Google, que é uma empresa e, portanto, mercado, mas também está na Internet meu blog, que não é mercado, o negócio dos Quilombolas, que não é mercado. A maioria dos sites não é de mercado, e tem muito sites de mercado. Se você estabelece a regra do mercado, então é legítimo que qualquer operadora fale “bom, para passar aqui na minha via, se você paga mais, você anda mais rápido; se você não pagou, anda mais devagar”. Isso é mercado, e é legítimo. Para os internautas pioneiros, isso não é legítimo, pois a Internet é um commons. É um espaço comum, onde o mercado existe, mas não apenas ele. E a questão da neutralidade da rede enfrenta a questão da livre iniciativa. Não que somos contra a iniciativa, mas no sentido de que o controlador da infraestrutura tem um papel quase que de controlador das vias públicas. Não há vias públicas transnacionais, mas no mundo da Internet ela existe de fato. Na verdade, não é pública no sentido estatal.
Marcel Leonardi – Eu gosto do termo que os norte-americanos usam de utility, que é usado para água, luz, energia elétrica. Já imaginou se aquela tomada, ali, decidisse que o liquidificador da marca X não vai funcionar nela, só da marca Y? Que a sua TV não aceitasse energia elétrica? É um absurdo esse conceito, mas é mais ou menos isso que poderia acontecer se levássemos a ferro e fogo em relação a não ter autoridade de rede.
E a proposta do marco civil é o de garantir a neutralidade.
Marcel Leonardi – Esse é só um dos artigos.
Quando se discute uma lei específica para a Internet, vamos pegar o caso brasileiro, será que o que já prevemos no Código Civil, no Código Penal, não daria conta de punir eventuais crimes na Internet?
Marcel Leonardi – Muita coisa você resolve, especialmente com relação a saber se algo é certo ou errado – você não precisa de novas leis. Se o cara consegue fraudar sua conta bancária, seja porque na rua ele falou que tinha um bilhete de loteria premiado, e você caiu no conto dele, seja porque ele fez isso pela Internet, a essência do crime é a mesma, furto mediante fraude. Agora, o que exige pequenas pinçadas em relação à legislação? Existe, no Brasil, um problema seriíssimo que é a questão do intermediário, que é quem fornece as plataformas de que estávamos falando – o WordPress, o Google, com lucros bilionários, ou mesmo empresas que acabaram de ser criadas, numa garagem, a partir de uma idéia genial. O que acontece? Vem alguém e diz o seguinte: “olha, você tem um blog e você usa a plataforma do WordPress. Então o WordPress é responsável também por tudo o que é postado”. Aceitava-se isso com base na seguinte idéia: “A sua plataforma, deixando-a aberta, sem controle, é um risco, e você, empresário permite que o conteúdo seja aberto sem controle prévio nenhum. Então, você assume o risco de que isso será mal utilizado”. E o absurdo disso é, pensando em termos de escala: o WordPress publica 1,2 milhão de posts por dia em cem idiomas diferentes; o YouTube tem 35 horas de vídeo produzidas por minuto (a Rede Globo produz 16 horas por dia) – quer dizer, não existem advogados no planeta Terra, e olha que não faltam advogados no planeta, capazes de analisar esse conteúdo e previamente dizer o que pode ou não ser publicado. No caso de pornografia infantil, um dos quatro cavaleiros do apocalipse digital, é mais fácil de constatar; mas se você escreve um texto crítico, suas conclusões sobre essa entrevista aqui, e você diz que o Marcel é isso ou aquilo, você exerceu sua liberdade de expressão? Não sei talvez um juiz saiba, mas não sou eu nem você nem um provedor intermediário que poderá dizer isso. E no Brasil, pasmem a gente ainda enfrenta esse problema. Não podemos culpar o mediador por aquilo que o usuário faz, pelo menos não automaticamente.
E a Lei Azeredo, o AI-5 digital? Ele trata disso.
Marcel Leonardi – Não exatamente. O que o PL 84, ou AI-5 digital, como dizem, não tratava dessa responsabilidade. Trata mais de acesso e log. Nesse ponto de responsabilidade, o marco civil resolve pelo seguinte; perceba que você pode pensar que isso que falo interessa ao Google, a Microsoft, ao Yahoo, às grandes empresas do setor. De fato, isso interessa a eles, mas isso interessa a qualquer desenvolvedor, qualquer um que tenha uma boa idéia. Tem um blog que faz resenha de hambúrgueres, aí vem um e comenta, dizendo que foi no mesmo restaurante e diz que foi muito mal atendido – de repente, vai alguém mais maluco e xinga, passa dos limites, o que é muito comum e por isso a moderação é recomendada…
Sérgio Amadeu – Mas é porque as pessoas falam assim na rua. As pessoas falam “essa casa é uma porcaria”, só que na hora que se escreve isso, tem-se uma conseqüência jurídica. Quando você coloca na rede, vira crime; e, na verdade, se alguém fala que um determinado serviço ou um lanche é uma droga, ele tem que dar conta dessa acusação. Esse que é o ponto, o excesso. Um exemplo, que inclusive envolve juiz. Dois jovens criaram um fake, de humor, da Folha de S. Paulo, chamado de Falha de S. Paulo. A Folha foi no judiciário, pediu a cassação do domínio no Comitê Gestor da Internet (CGI) tiraram a Falha com o argumento principal, estapafúrdio, que é o de uso indevido da marca. Tudo indica, pelo que li, os desembargadores, os juízes vão dar ganho de causa para a Folha. Então, eles vão ter que depositar, em juízo, vai haver uma mobilização para conseguir recursos para pagar. Mas ainda vamos recorrer, pois essa decisão está equivocada. Vamos até o último recurso, porque se prevalecer isso, coloca-se em discussão a questão do humor, qualquer cartum. É ridícula essa questão. O próprio argumento da advogada da Folha agente recorta e cola e vê que foi usado para defender o José Simão, no caso da [atriz] Juliana Paes. Você entra no site da Falha e vê, claramente, que é um site de humor e claramente crítico sobre a postura política do jornal Folha de S. Paulo.
Marcel Leonardi – E o incentivo dos portais, hoje, é tirar sempre do ar, porque perceba o seguinte: eu sou provedor de hospedagem, por exemplo, e tenho cem mil clientes; tem um site que devo tirar do ar, se eu tirá-lo cumprirei o pedido da Justiça e não terei problemas. Qual a hipótese remota? O usuário que teve o site retirado me processar, dizendo que violei alguma coisa, mas se estou cumprindo uma ordem judicial, eu tenho toda a salvaguarda. Mas hoje, se eu adotar a postura contrária como titular da hospedagem, qual risco atraio para mim automaticamente? “Olha, você se recusou a cumprir a notificação, então você foi avisado e não tomou providência; você foi omisso e pode ser responsabilizado”. Então, a perversidade do modelo que temos hoje, na ausência do marco civil, ou qualquer outra norma, incentiva tirar tudo do ar.
Sérgio Amadeu – E no caso de provedor de acesso, isso também beneficia – a Lei Azeredo era confusa em relação a isso. O marco civil parte de um pressuposto, graças às pessoas que colaboraram e o próprio Ministério da Justiça. Estamos fazendo uma regulação nacional para garantir a liberdade de expressão; mas não uma regulação para impor restrições, ao contrário, ela é para garantir que a Internet continue livrer. O foco do marco civil é direitos e cidadania na rede. Talvez a lei não saia do jeito que todo mundo gostaria, porque é uma negociação, mas na idéia básica, por enquanto – não estou dizendo que ela irá prevalecer, porque ainda vai passar pelo parlamento -, deve-se entender que o espírito da lei é garantir a universalidade de acesso, a diversidade cultural e a liberdade diante de controles, como, por exemplo, o princípio da neutralidade. É diferente da regulação da Venezuela, que fez uma regulação para impor restrições à Internet.
Marcel Leonardi – Muita gente ainda não conseguiu se acostumar à idéia de que, antes, tudo tinha controle editorial prévio, você não aparecia num jornal, numa revista ou numa rádio sem ter alguém que estivesse lá para dizer se o conteúdo seria publicado ou não. A internet, por sua vez, abre as possibilidades. Agora, e os crimes, e os problemas, como resolvê-los?
– Para entender como ocorrem as investigações de crimes cometidos na Internet, clique aqui.
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