Crise

Marcos do Val: atirador distraído, sorrateiro ou míope?, por Hugo Souza

do Come Ananás

Marcos do Val: atirador distraído, sorrateiro ou míope?

Toda a, digamos, estética da “narrativa” de Marcos do Val com Bolsonaro no proscênio do golpe coloca, ao mesmo tempo, ardilosamente, Alexandre de Moraes movimentando-se de forma embaraçosa no fundo do palco republicano.

por Hugo Souza

Marcos do Val parece tonto, literalmente: nas mil e uma entrevistas que deu ao longo desta quinta-feira, 2, disse não saber ao certo se foi no Palácio da Alvorada ou na Granja do Torto onde participou de algo inesquecível no dia 9 de dezembro de 2022. Para começar, como alguém pega o carro, sai dirigindo rumo a destino que ignora e – tcharam! – chega certinho numa reunião com o presidente da República sobre um plano de golpe de Estado?

Marcos do Val parece tonto, parte 2: parece mirar em Jair Bolsonaro e a denúncia é muito grave, mas, afinal, minuta de golpe, quem sabe equipamento de arapongagem, essas coisas, “todo mundo tinha em casa”. Ao fim e ao cabo, Marcos do Val, aparentemente distraído outra vez, provavelmente sorrateiro, coloca em cena um só estreante em ter que dar explicações. É Alexandre de Moraes.

Toda a, digamos, estética da “narrativa” de Marcos do Val com Bolsonaro no proscênio do golpe coloca, ao mesmo tempo, ardilosamente, Alexandre de Moraes movimentando-se de forma embaraçosa no fundo do palco republicano.

O senador pinta o ministro assim: Moraes recorrendo aos serviços de Marcos do Val – “trabalho de inteligência” – para fazer “ponte” com o Ministério Público do Espírito Santo; Moraes saindo às pressas de sessões plenárias para sussurrar com do Val nos corredores do Palácio do STF; Moraes orientando do Val a ir como infiltrado ter com o chefe do Poder Executivo; Moraes dando de ombros ao saber detalhes da urdidura de uma conspiração golpista dentro do Palácio do Alvorada, ou da Granja do Torto…

Ainda não está claro em quem exatamente Marcos do Val mirou com, nesta ordem, sua entrevista à Veja, sua live da madrugada e seu périplo, nesta quinta, por estúdios de TV. Não há muita dúvida, porém, sobre o alvo dessa história que Marcos do Val tinha na mira, e a serviço de quem, há meses e até horas antes de a história explodir.

Aqui e ali, no noticiário político do fim do ano passado, encontra-se a informação de que coube a Marcos do Val, a serviço do bolsogolpismo, começar a movimentação no Senado para a criação de uma CPI sobre a história das inserções de propaganda eleitoral nas rádios, bola levantada por Bolsonaro às vésperas do segundo turno das eleições 2022.

Consta também que a expectativa de do Val era conseguir viabilizar a CPI agora, em fevereiro, com a posse dos 17 novos senadores bolsonaristas e com a expectativa do bolsonarismo de alijar Rodrigo Pacheco da presidência da casa.

Na mira, Alexandre de Moraes.

Pacheco, porém, foi reeleito na noite desta quarta-feira, 1º, deixando o clima no Senado, por enquanto, interdito para CPIs arruaceiras, mesmo com algum do Val da vida conseguindo amealhar o número necessário de assinaturas.

A entrevista à Veja já estava gravada, é certo. Mas, ato contínuo à vitória de Pacheco, coincidentemente logo após assistir ao enterro da sua última quimera, Marcos do Val vai à internet dizer não apenas que o ex-presidente da República, no crepúsculo de seu mandato, tentou cooptá-lo a embarcar em uma tentativa de golpe de Estado, mas também que apresentou denúncia, a Moraes, da tentativa de cooptação.

Marcos do Val parece tonto, parte 3: nas últimas horas, do Val repetiu várias vezes que não faz ideia, nem imagina como Bolsonaro e Daniel Silveira tomaram conhecimento de que ele mantinha algum contato com Alexandre de Moraes, contato este atribuído pelo senador, nas entrevistas, ao tal “trabalho de inteligência”. Dupla mentira.

Bolsonaro e asseclas sabem de contatos recentes entre Alexandre de Moraes e Marcos do Val porque o próprio bolsonarismo escalou do Val para tentar reverter o que fosse possível do revogaço, pelo governo Lula, dos decretos armamentistas de Jair Bolsonaro.

Foi, aliás, de uma audiência pública no Senado para supostamente “discutir a fiscalização das inserções de propagandas politicas eleitorais”, mas que foi um verdadeiro ato golpista em pleno Congresso Nacional, foi dessa audiência que, no dia 3o de novembro, Marcos do Val saiu mais cedo para ir tratar da pauta armamentista com Alexandre de Moraes.

Antes de sair, Marcos do Val comentou assim a proposta do deputado Marcel Van Hattem de uma CPI Mista de “Abuso de Autoridade do TSE e do STF”:

“Eu acho que a ideia da Comissão Mista é fantástica, porque cabe ao Senado a solicitação do impeachment, e, com a Câmara dos Deputados fazendo esse levantamento, acho que o Congresso tem um protagonismo que a sociedade vai querer. Não fica nem para os Senadores, nem para os Deputados. Assim, a gente mostra a união do Congresso, a união por um único objetivo”.

E chorou pitangas sobre como é difícil a vida de quem pratica, além do “tiro esportivo”, o esporte de pedir impeachments de ministros do Supremo:

“Em 2019, o meu primeiro pedido de impeachment foi contra o Gilmar Mendes, e eu lembro que um Senador que foi Governador de Minas Gerais disse o seguinte: ‘Do Val, eu gostaria muito de subscrever esse pedido de impeachmentmas, como eu fui Governador em Minas Gerais, e, quando eu passei pelo Executivo, a oposição fazia denúncias sem fundamento nenhum, vindo tudo agora para o STF, eu tenho receio de subscrever e acabar me prejudicando’. Era um Senador íntegro, honestíssimo, mas a oposição acabou atrapalhando o exercício dessa função, dessa prerrogativa que têm os nossos Senadores”.

De modo que, se não mirou em Alexandre de Moraes, o CAC Marcos do Val parece mais Schofield Kid, o pistoleiro míope de “Os Imperdoáveis” que vaga pelo Velho Oeste contando histórias truncadas de tiros certeiros, e que, sem enxergar um palmo, diz assim ao comparsa William Munny na hora de dividir um pagamento: “eu confio em você”.

No que responde o mais infame assassino do Wyoming: “não confie muito em mim”.

Hugo Souza é jornalista.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para dicasdepauta@jornalggn.com.br.

Hugo Souza

Hugo Souza

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  • Marcos CAC do Val deu um tiro no escuro mas não acertou o Xandão: só pautou a imprensa, como se costumava fazer no governo bozo. O máximo que vai conseguir é se passar por mentiroso. Sabe que o galo cantou, mas não sabe em que quintal foi. Xandão no momento, mais que indispensável é imprescindível. O estrago que os terroristas bozonarentos fizeram é grande demais para justificar qualquer acusação contra o STF ou TSE. Está na hora desse povo se recolher à sua insignificância estúpida.

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