Medicamento para câncer é excluído de cobertura mínima da ANS

Jornal GGN – O medicamento quimioterápico Everolimo, utilizado para o tratamento do câncer de mama, será retirado da lista de cobertura mínima obrigatória dos planos de saúde, na revisão do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplmentar (ANS). A agência argumenta que, segundo a avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), o remédio não garante o ganho de vida e, portanto, não deveria ser fornecido na rede pública.

É a primeira vez que a ANS remove um item da lista de cobertura mínima, o que poderia ser um precedente para a equiparação dos tratamentos de saúde pública e particular, algo que é visto como um retrocesso por pacientes, juristas, entidades médicas e de defesa do consumidor.

Enviado por Luciana Mota

Do O Globo

Especialistas criticam proposta da ANS de igualar lista de tratamentos obrigatórios dos planos com a do SUS. Um medicamento, para tratamento de câncer, já foi excluído

RIO – A revisão do rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) vai tirar da lista de cobertura mínima obrigatória dos planos de saúde o quimioterápico oral Everolimo para tratamento do câncer de mama com metástase. A medida entra em vigor em 2016. É a primeira vez que a ANS exclui um item dessa lista, o que abre precedente para uma possível equiparação dos tratamentos da saúde pública e da particular.

O argumento da ANS para restringir o uso do quimioterápico foi a avaliação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) de que o medicamento não deveria ser fornecido na rede pública, porque não garantiria o ganho de sobrevida. No site da agência, está sob consulta pública, até sábado, a inclusão de 11 terapias, exames e um medicamento de um total de 109 apresentados pelas entidades médicas.

A equiparação entre os procedimentos cobertos pela saúde pública e privada é considerada um retrocesso por pacientes, entidades médicas, de defesa do consumidor e juristas. Eles consideram a integração nos moldes propostos pela ANS como um nivelamento por baixo. O motivo? A demora para a incorporação dos procedimentos mais avançados, e geralmente mais caros, pelo serviço público. Os especialistas também consideram que a mudança pode aumentar o número de processos judiciais sobre saúde, porque mexe no que consideram direito adquirido.

OPÇÃO POR AÇÕES JUDICIAIS

A economista Marília de Almeida Dantas, diagnosticada em 2012 com câncer de mama em metástase nos ossos e fígado, usa, há dois meses, a medicação riscada da lista. Teme que a doença, hoje sob controle e restrita à mama e ao fígado, volte a se espalhar por outros órgãos, e custa a acreditar na decisão da ANS. Ela já pensa em recorrer à Justiça para garantir o acesso ao remédio, que custa cerca de R$ 6 mil, caso ele deixe de ser fornecido pelo plano.

— Fiquei chocada e indignada com a notícia. Não é porque um remédio não acaba com a doença que ele não é importante para o paciente. Qualquer um ou dois anos a mais na vida da pessoa são válidos, até porque a esperança é de que neste meio tempo surja alguma outra droga melhor. Não se pode mensurar custo-benefício quando o assunto é vida de pessoas.

O médico oncologista Gilberto Lopes, da Universidade da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) e diretor- médico e científico do Grupo Oncoclínicas do Brasil, estranha a decisão da ANS de se sobrepor às prescrições médicas.

— Quando o medicamento é aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), se observa a efetividade do remédio. Não há motivos para se indagar isso. Considerar como o único resultado favorável o ganho de vida global (prolongamento) é algo que já foi ultrapassado por agências internacionais como a do Estados Unidos e a Agência de Medicina Europeia. Controlar por mais tempo a doença também é um ganho, assim como garantir a melhoria da qualidade de vida do paciente — diz.

O oncologista estima que novos medicamentos e terapias devem demorar até dez anos para serem oferecidos no país, caso a regulamentação sobre os planos obedeça o ritmo das decisões do SUS.

— Hoje, leva em média dois anos para um remédio receber a aprovação pela Anvisa, e a revisão pelo rol da ANS ocorre a cada dois anos. Se a agência esperar a apreciação e avaliação da Conitec, esse processo pode levar até uma década.

Advogado especialista em saúde, Rafael Robba considera o aumento de ações judiciais como certo, caso a equiparação seja adotada.

— Essa avaliação, que muda as regras do jogo no meio, compromete a atuação médica. Os pacientes quimioterápicos vão perder a garantia. A ANS não tem de lidar com política, mas com mercado e regular o setor, garantindo os direitos dos consumidores. Não compete a ela querer interferir na política pública, algo que a Conitec também considera.

SEM CURA E FORA DO ROL

A produtora de eventos Rosane Amaral convive há 13 anos com o Lúpus, doença reumatológica autoimune e, portanto, sem cura, que acomete cerca de 200 mil brasileiros. A cortisona é um dos medicamentos recomendados aos pacientes para diminuir as dores incapacitantes nas articulações. Mas a longo prazo, a droga traz uma série de outras implicações clínicas que podem levar até à morte.

— Eu quase tive um infarto por conta da cortisona. Foi quando o meu médico quis iniciar um tratamento com o Benlysta, um medicamento que a substitui e já é usado nos Estados Unidos e Europa. Como a droga não estava prevista no rol de procedimentos da ANS, tive de apelar ao Poder Judiciário para garantir que o plano me fornecesse — conta.

O argumento que garantiu o ganho de causa foi o de que o rol da ANS lista os procedimentos mínimos cobertos.

— Isso não exime o convênio de saúde de oferecer os procedimentos mais modernos, cabendo exclusivamente ao paciente e ao médico escolherem o procedimento mais apropriado com foco na manutenção e melhora da vida — explica o advogado de Rosane, Leonardo Reis Pinto.

O médico cardiologista Emilio Cesar Zilli, diretor de Defesa Profissional da Associação Médica Brasileira (AMB), destaca que a equiparação proposta pela ANS ao longo dos últimos anos, deixou fora da obrigatoriedade os tratamentos mais caros. Isto porque, procedimentos essenciais garantidos pelo SUS não são incluídos ou sequer discutidos no rol:

— A avaliação do Conitec é criteriosa e obedece a normas rígidas. Queremos, sim, a integração da saúde pública e da particular, mas de forma a melhorar a qualidade, e não depreciá-la. Ninguém explica, por exemplo, porque transplante cardíaco é coberto pelo SUS e não é pela saúde suplementar. A obrigação da ANS como órgão regulador era de intervir nesse tipo de situação.

PARA ANS, INTEGRAÇÃO É FUNDAMENTAL

A advogada especialista em Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Joana Cruz, bate na tecla de que o próprio conceito de saúde suplementar reforça a ideia de ir além do oferecido pelo SUS:

— Em uma consulta pública passada, a agência já havia entrado com uma proposta de exclusão, e o Idec se manifestou contra. Não faz sentido querer retroceder em algo que já foi conquistado.

Em nota, a ANS informou que “o medicamento Everolimo não será excluído do rol. Permanecerá na lista de cobertura obrigatória para tratamento de tumores avançados no pâncreas. A proposta de retirar a indicação para tratamento de outro tipo de tumor é baseada em avaliação técnica segundo a qual não há comprovação de ganho para o controle da doença e a sobrevida dos pacientes. Autoridades de saúde de países como Reino Unido, Canadá, Austrália e Escócia também não recomendam ou estão reavaliando o uso do medicamento no tratamento de câncer de mama.”

Segundo a ANS, a integração dos planos de saúde com SUS é fundamental. “Ao fortalecer a integração da saúde suplementar com o SUS, a ANS busca assegurar a prestação de serviço adequado às necessidades da população, com a assistência efetiva e de qualidade e que complemente, de forma harmônica, o Sistema Nacional de Saúde. São três os pilares que sustentam esse objetivo: a defesa do interesse público, a proteção do consumidor e a sustentabilidade” diz a nota.

 

Redação

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