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A retórica planilheira

Coluna Econômica – 17/05/2007

A discussão sobre o câmbio entrou no campo dos dogmas sagrados. Acho que é efeito da visita do Papa. Confira as verdades intocáveis.

1. A apreciação cambial era algo inevitável, e os líderes industriais que não prepararam seus associados para esse quadro ainda irão ser cobrados por sua omissão, como coloca meu amigo Celso Ming em sua coluna de ontem no “Estadão”.

Ora, inevitável para quem? Apreciação ou desvalorização cambial não é um dado absoluto, que afeta todas as moedas. Se uma moeda está se apreciando, é em relação a outra moeda que se desvalorizou. É evidente que desvalorizar ou valorizar moedas depende basicamente da maneira como a política econômica atua sobre os fatores de influência no câmbio.

2. Essa história de que medidas de controle de capitais “seria como explodir a panela de pressão, com o feijão indo parar no teto”, como diz o economista Paulo Leme em entrevista ao “Estadão”, faz parte dos clichês que comovem, e não tem base factual.

Há diversas maneiras de conter o fluxo de dólares: fixar tempo de permanência para o capital especulativo, reduzir o diferencial de juros, criar fundos de exportação para produtos primários. Se há excesso de dólares, como que a redução de parte desse fluxo iria explodir a panela de pressão? Pode explodir o negócio do Paulo Leme, que consiste em trazer dólares pelo mercado financeiro para obter ganhos fáceis no país. Mas explodir o país? Trata-se de uma caricatura para enganar trouxa. E tem trouxa para tudo.

3. O dólar vai obrigar a economia a ser competitiva, em uma forma benfazeja de “darwinismo” econômico, como foi dito ontem em evento do ABN-Real.

O que caracteriza a competitividade? Ter produtos de igual ou melhor qualidade que o estrangeiro, a um preço menor ou igual. Se uma empresa nacional tem 30% de ganho de produtividade, isto é, ficou 30% mais eficiente, e o real se valorizou em 30%, todo o aumento de eficiência foi anulado pelo câmbio. E a empresa voltou ao nível de competitividade anterior, comparado ao seu rival estrangeiro. Como dizer, então, que a apreciação do real vai tornar a economia mais competitiva?

4. Com o real apreciado só perdem os setores ineficientes, como diz a primeira página do “Globo” de ontem.

É falso! Perdem todos os fabricantes nacionais em comparação com seus concorrentes importados. Os menos eficientes morrem. Os mais eficientes perdem eficiência. Uma ou outra empresa pode melhorar individualmente, recorrendo à importação. Mas será à custa de seus fornecedores internos, destruindo sua cadeia produtiva e os empregos que gera.

Essa idéia do “darwinismo” econômico é uma das facetas mais cruéis desse financismo que tomou conta do país. Como é de extrema miopia a idéia de que o país passa por uma “reestruturação competitiva”. Setores nascem, crescem a duras penas, se consolidam, treinam seus trabalhadores, aprendem a inovar, a exportar. Quando ganham escala, conseguem investimentos.

No Brasil de hoje, assim como no das três primeiras décadas do século, esse processo natural está proibido. Quando os moveleiros, o setor têxtil, o de calçados conseguiu crescer, veio o câmbio de 1994 e quase os destruiu. Depois, anos para serem reconstruídos. Quando começam a respirar, outro golpe cambial. É a eterna sina do subdesenvolvimento e dos interesses específicos se sobrepondo a um projeto nacional.

Para incluir na lista Coluna Econômica

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Prezado Luís
    Prezado Luís Nassif,

    concordo em parte com o que diz, entretanto, o dólar desvalorizou-se fortemente frente a todas as moedas das 20 maiores economias do mundo, menos o real. Concordo que a baixa de juros, evitaria a compra de dólares pelo Banco Central, tornando caro o controle do câmbio, contudo, a pouca disposição do governo em enfrentar o problema fiscal, gera insegurança nos agentes econômicos. A gerência fiscal brasileira é péssima, atrasada, burocratizada, permissiva à burlas (elisões e etc.), e nenhum governo quer enfrentar o problema, empurrando com a barriga sempre para o próximo governo a batata quente da reforma tributária. Sem isso, fica difícil o Banco Central cortar os juros com segurança.

  • Concordo com o Luis Nassif.
    Concordo com o Luis Nassif. Mas como já havia comentado ontem no IG as pequenas empresas como a minha em uma escala em cascata da própria economia em geral perde faturamento se não tiver condiçoes de crescer e investir principalmente. Lá na frente a bolha vai explodir sobre nós. O universo econômico que o câmbio atinge não esta limitado aos que importam ou exportam ou medidas de aumento de alíquotas ou inflação. Os preços não aumentam porque o consumo geral é baixo. O país não está crscendo realmente nesta conjuntura. Esses dólares que estão entrando mascaram surrealismos que interessam ao governo e enganam os leigos. Muitos economistas vivem no imaginário dos seus lucros!!! Isso não vai dar certo lá na frente. Concordo com o Luís: é preciso reavaliar logo pois se não o estrago vai ser feio!!!

  • Já que deu nome a alguns bois
    Já que deu nome a alguns bois ai no seu texto, vou falar hein, esqueceu de citar a sua compatriota virtual aqui do ig, Maria Clara do Prado, veja o post dela Cambio e Competitividade, nesse post até eu que sou leigo percebi a incongruencia.
    Não queria estar na pele de um exportador nesse momento !

  • Eu tenho acompanhado essa sua
    Eu tenho acompanhado essa sua cruzada contra a valorização cambial, respeito e concordo contigo.
    Mas quando isso vai se refletir a ponto de alarmar a sociedade? O que terá que ocorrer para o BC admitir que errou: desemprego, queda arrecadação, seria isso ??

  • Se o dolar pode cair para
    Se o dolar pode cair para abaixo dos 2 reais e não há problemas, então por que o juros da Selic não poderm cair para 6%, qual é o problema?

  • Na década de 80, com a
    Na década de 80, com a reserva de mercado, quanto nosso país cresceu!!? Agora querem repetir erros que logo ali atrás foram cometidos. Acho uma tremenda burrice o governo intervir para beneficiar a ineficiência. Choque de eficiência já.

  • No liberalismo econômico,
    No liberalismo econômico, todas as galinhas são livres. As raposas também.

    E se nosso "puleiro" é comandado só por raposas do setor financeiro, fica difícil não voar penas para todo lado...

    Mas a culpa é das galinhas.

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