Os ciclos e o financismo

Artigo de Cesar Benjamin, na Folha, sobre os ciclos econômicos (clique aqui) . Passa pelos ciclos de Kondratiev, de Schumpeter até chegar a Ignácio Rangel, que escreveu sobre os ciclos sem conhecer a obra de Kondratiev.

É uma discussão importantíssima, porque sobre fenômenos que estão acontecendo agora, sob nossos olhos.
Rangel dizia que períodos de crise, inflação, desequilíbrios, criavam as condições para acumulação de capital nas mãos de grupos mais dinâmicos – que passariam a comandar o ciclo seguinte.

Não me lembro se, nas suas obras, ele analisava as ferramentas que permitiam essa acumulação. Em “Os Cabeças de Planilha” e nas pesquisas que estou fazendo para meu próximo livro, fica claro que os movimentos de acumulação se davam em torno de títulos da dívida externa, sejam títulos soberanos, de estados ou de empresas.

A crise derrubava o preço. Investidores mais espertos (ou com mais ligações com as autoridades rerguladoras) adquiriam na bacia das almas. Depois revendiam com um deságio menor para ou o Estado ou a estatal, ou então convertiam em moeda local pelo valor de face ou com pequeno deságio.

É o que está por trás do mais escandaloso episódio contemporâneo: a possibilidade aberta pelo então Ministro Maílson da Nóbrega no final do governo Sarney, de que dívida externa fosse convertida em cruzados. E em toda atuação do Banco Central, do meio do governo Collor em diante, acentuando-se no pós-Real. O Delegado Protógenes avança um pouco nesse tema na entrevista concedida ao Caros Amigos.

Em geral esses jogos são mais disfarçados e, pela complexidade, menos acessíveis à opinião pública. Nos arquivos de Getúlio Vargas no CPDOC, por exemplo, há um relatório de um informante seu, sobre as jogadas do presidente do Banco do Brasil, Guilherme da Silveira (da Tecelagens Bangu) com títulos da dívida do governo de São Paulo.

O ponto fora da curva foi Daniel Dantas, o banqueiro alucinado, que acabou permitindo expor os porões desse financismo.

São esses banqueiros e gestores de fundo que comandarão o próximo ciclo de investimento.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • E se a crise for justamente o
    E se a crise for justamente o fim do ciclo financista?

    Dentro daquela alternância entre expansão material e expansão financeira, será que o próximo estágio seria expansão material? Sobre que modelo? Ainda o norte-americano, ou em algum lugar está surgindo outro, outros?

    Ou será que a era dos ciclos se foi (possibilidade que Arrighi aventa: este teria sido o último Kondratiev).

    Abs.

  • Nassif,

    O último parágrafo é
    Nassif,

    O último parágrafo é uma afirmação ou uma interrogação?

    abraços

    Tato de Macedo

    Afirmação.

  • Para além de toda e qualquer
    Para além de toda e qualquer consideração político-ideológica, a economia capitalista repousa em um paradoxo lógico emanado de seus pressupostos básicos da livre-iniciativa. Não estou falando das contradições imanentes entre capital e trabalho enunciadas por Marx em "O Capital" - ainda que se consiga identificá-lo implicitamente na sua obra, pois ele foi, sem dúvida, quem mais me inspirou - mas de um paradoxo lógico e formalmente enunciável. Não vou enunciá-lo aqui, evidentemente, mas há como provar matematicamente que o modo de produção capitalista (com ou sem a presença do estado) desemboca em crises em função de suas contradições internas, não muito diferentes das que levaram ao colapso do sistema econômico soviético. Não obstante haver a propositura de novas ferramentas anti-crises, mesmo com o incentivo ao cooperativismo que tanto defendo, somente a planificação econômica é capaz de suplantar o paradoxo. Creio que, como conseqüência do que já li e tive contato, as condições técnicas vigentes já são capazes de satisfazer tal solução, com muito mais eficiência do que na experiência soviética. Mas duvido muito que a humanidade concordaria com que estou dizendo... então... é esperar para ver o desenho dos acontecimentos.

  • A menos que sejam contidos.
    A menos que sejam contidos. A continuidade da política de saneamento ético do governo Lula, via PF, o aperfeiçoamento da máquina pública na administração e controle , e, o congresso e suas comissões permanentes,são instrumentos de contenção dos históricos cacoetes das elites em relação a coisa pública.

  • Nassif,

    Quando comecei a ler
    Nassif,

    Quando comecei a ler este post, não pude deixar de pensar sob o ponto de vista macroeconômico:

    "Rangel dizia que períodos de crise, inflação, desequilíbrios, criavam as condições para acumulação de capital nas mãos de grupos mais dinâmicos - que passariam a comandar o ciclo seguinte."

    O mundo está passando por um momento de crise.

    Será que o Brasil não tem condições de assumir a posição de um dos grupos mais dinâmicos, que passarão a comandar o ciclo seguinte?

  • Completando a questão: "Será
    Completando a questão: "Será que o Brasil não tem condições de assumir a posição de um dos grupos mais dinâmicos, que passarão a comandar o ciclo seguinte?"

    Governo Lula perdoa montante de dívidas no valor de US$ 448,4 mi

    Documento enviado pela SAI (Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda) à Câmara revela que o montante de dívidas perdoadas pelo governo Lula é de US$ 448,4 milhões. Os três países beneficiados com o cancelamento total ou de grande parte de seus débitos são Bolívia (US$ 48,7 milhões), Moçambique (US$ 315,1 milhões) e Nigéria (US$ 84,6 milhões).

    Os valores constam de memorando enviado à Câmara em resposta a requerimento de informação do deputado Mendes Thame (PSDB-SP). Segundo o documento, de 23 de julho, outros 13 países tiveram dívidas trocadas por títulos da dívida externa brasileira negociados no mercado secundário --operação conhecida como "swap".

    Também foram beneficiado com "swap" Angola, Cabo Verde, Costa Rica, Egito, Gana, Guiana, Honduras, Jordânia, Paraguai e Suriname. O total de dívidas assim negociadas é de US$ 352,3 milhões que, somados aos perdões, chega ao montante de US$ 800,7 milhões.

  • Nassif,

    Considerando, então,
    Nassif,

    Considerando, então, sua afirmativa "São esses banqueiros e gestores de fundo que comandarão o próximo ciclo de investimento",

    Diga-me, por favor, seriam mesmos esses "banqueiros e gestores de fundos" que dominarão a cena político-financeira de eventuais ciclos de investimentos futuros?

    Por que pergunto isso? Lembro-me ao final de 2002 de uma palestra que assisti com o ex-presidente do Banco Central do Brasil (atual sócio do atual governador José Serra numa empresa de consultoria econômica), na qual ele prospectava três possíveis cenários econômicos para o país.

    O irônico é que ele não conseguia disfarçar seu inconformismo com aquele "estado de coisas" que se abatera nas fileiras ditas "liberais" do grupo ao qual pertencia, e ainda pertence (inclusive o atual governador).

    Para não me alongar por demais, devo-lhe confessar que, ao término na palestra proferida no prédio de uma famosa e centenária Corretora de Valores de São Paulo situada na Líbero Badaró, percebi o comportamento incrédulo da maior parte da platéia que fora selecionada ou convidada para assisitr, composta majoritariamente por investidores do mercado de capitais.

    O desânimo entre eles era notável, mas eu, particularmente, encarava aqueles fatos e tinha convicções pessais de um quarto cenário não desenhado, não previsto e que veio a se confirmar.

    Conclusão: Tinha conseguido, com muito esforço, trabalho e abdicações de pequenos prazeres juntar algumas economias. Saquei essas economias das pífias aplicações bancárias e montei uma carteira de ações nessa mesma corretora. Ao cabo de dois anos, tripliquei os valores investidos.

    Não. Não pense que sou ingênuo a ponto de achar que seria eu assim como milhares de pequenos investidores em renda variável venhamos a nos beneficiar ou mesmo tirar qualquer proveito de um eventual ciclo financeiro futuro. Mas, não posso deixar de considerar que há um abismo entre o que foi, o que é e o que muitos gostariam que fosse o mercado financeiro.

    Por fim, é como se quiséssemos, hoje, um estadista que comprasse todos os automóveis empoçados nos pátios das montadoras e incinerasse. Impensável, não?

    abraços

    Não consta que o governador José Serra seja sócio de nenhuma empresa de consultoria econômica.

  • ""E se a crise for justamente
    ""E se a crise for justamente o fim do ciclo financista?""

    E depois do ciclo financista o que virá?

    será o ciclo FIDELISTA?

    Ou vc tem outra alternativa?

    Se voltarmos ao ciclo FIDELISTA,aguns finacistas até se darão bem.

    Afinal,pra aqueles que colecionam carros fabricados nos anos 50,que adoram TV preto e branco e que a máquina de lavar roupa é um tanque,e que o microondas é uma espiriteira,terá muito que comemorar:

    RELÍQUIAS TEM UM PREÇO ALTO PRA COLECIONADORES.

    E eu sou obigado a ler isso?Não sou,mas leio.

  • Esse vídeo ajudará a
    Esse vídeo ajudará a esclarecer esse assunto.
    Abaixo citação de José Fernandes Neto.

    Zeitgeist - O Espírito do Tempo.
    É, de certo modo, uma compilação da história da civilização e dos mitos sobre os quais ela foi construída. Nele é possível perceber como funciona a dinâmica das crises, da mídia, do comportamento humano. É um relato muito interessante que deve ser assistido com alguns “filtros”.
    Considero “Zeitgeist” uma obra extremamente complexa e esclarecedora.
    Desde já aviso que pessoas mais suscetíveis podem sofrer um baque violento, pois muito do que acreditamos a vida toda é duramente criticado no filme, mas tudo com muito fundamento.
    Para quem quiser ver, segue o link.
    http://video.google.com/videoplay?docid=-1437724226641382024

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