Categories: EconomiaTecnologia

Os investimentos chineses no setor aeroespacial

Do Uol

China investe em setor aeroespacial em busca de crescimento

Keith Bradsher
Em Tianjin (China)

Quando executivos da Airbus chegaram aqui há sete anos, à procura de um local para montar jatos de passageiros, o espaço plano e amplo ao lado do Aeroporto Internacional Tianjin Binhai, na China, era um campo verdejante.

Agora, a Airbus, a gigante aeroespacial europeia, tem 20 prédios grandes e está produzindo quatro jatos A320 por mês principalmente para companhias aéreas estatais chinesas. A empresa também conta com dois novos vizinhos –uma ampla fábrica de foguetes e um complexo de fabricação de helicópteros– ambos produzindo para os militares chineses.

A rápida expansão da manufatura aeroespacial civil e militar em Tianjin reflete as ambições mais amplas da China.

Enquanto os líderes em Pequim tentam encontrar novas formas de investir os US$ 3 trilhões em reservas de moeda estrangeira, o país tem expandido agressivamente em setores com forte potencial econômico. O governo chinês e as empresas estatais já fizeram grandes avanços em serviços financeiros e recursos naturais, adquirindo participação acionária no Morgan Stanley e na Blackstone, e comprando campos de petróleo e gás por todo o mundo.

O setor aeroespacial representa a mais recente fronteira para China, que está de olho em fabricantes de peças, produtores de materiais, empresas de leasing, companhias de transporte de carga e operadores de aeroportos. O país atualmente rivaliza com os Estados Unidos como mercado para aviões de passageiros, que a China espera começar a produzir domesticamente. E a liderança nomeada no Congresso do Partido, em novembro, enfatizou publicamente mísseis de longo alcance e outros programas aeroespaciais em seu esforço para modernização das forças armadas.

Se as dificuldades da Boeing com seu avião recentemente impedido de voar, o Dreamliner, pesam no setor, elas também criam uma oportunidade. As empresas chinesas, que contam com capital abundante, foram bem recebidas por algumas empresas americanas como forma de criar empregos. Wall Street também se mostra ávida, em um momento em que outras atividades de fusão estão fracas.

Washington está tentando descobrir o que fazer a respeito dos negócios da China. “Muitas dessas transações levantam questões importantes de segurança para nosso país”, disse Michael R. Wessel, um membro da Comissão de Revisão Econômica e de Segurança Estados Unidos-China, que foi criada pelo Congresso para monitorar o relacionamento bilateral. “O interesse da China em promover esses investimentos não é necessariamente consistente com nossos interesses, e é apropriado examinar meticulosamente as transações.”

No setor aeroespacial, os negociadores chineses têm laços profundos com os militares, levantando questões adicionais junto aos reguladores americanos. A principal fornecedora da força aérea do país, a estatal China Aviation Industry Corp., conhecida como AVIC, criou um fundo de private equity para compra de empresas com o chamado uso duplo de tecnologia, com aplicações civis e militares, com a meta de investir até US$ 3 bilhões. Em 2010, a AVIC adquiriu direitos de licenciamento no exterior para a pequena aeronave fabricada pela Epic Aircraft de Bend, Oregon, usando compostos leves e fortes de fibra de carbono –um material usado para caças de alta performance.

As agências de governo locais e provinciais na província de Shaanxi, um centro de produção e teste de aeronaves militares chinesas, criaram outro fundo de tamanho semelhante para aquisições. No mês passado, um consórcio de investidores chineses, incluindo o fundo de Shaanxi, fechou um negócio de US$ 4,23 bilhões com o AIG (American International Group) para a compra de 80% da International Lease Finance Corp., que é dona da segunda maior frota de jatos de passageiros do mundo.

“Sempre houve uma fertilização cruzada óbvia de ideias, perícia e dinheiro entre os civis e militares”, disse Martin Craigs, um antigo executivo aeroespacial na Ásia, que atualmente é presidente do Aerospace Forum Asia, um grupo sem fins lucrativos em Hong Kong. Ele acrescentou que as empresas chinesas estão contratando ativamente engenheiros aeroespaciais americanos e europeus experientes, de modo que as preocupações de segurança nacional poderiam ser debeladas por meio da contratação das pessoas certas.

O esforço no setor aeroespacial coincide com as crescentes preocupações no Ocidente e por toda a Ásia com as reivindicações territoriais cada vez mais assertivas da China, incluindo o envio de navios de guerra chineses para águas patrulhadas pelo Japão, Filipinas e Vietnã.

Coincidentemente, horas depois do anúncio do acordo com o AIG, dois destroieres da Marinha chinesa e duas fragatas apareceram em águas disputadas patrulhadas pelo Japão. China e Japão intensificaram as críticas públicas um ao outro desde então. E o governo Obama deu início a um “deslocamento” estratégico, movendo forças militares do Oriente Médio de volta ao oeste do Pacífico, uma decisão que as autoridades chinesas criticaram como sendo uma tentativa de conter seu país.

Esses confrontos na região estão chamando atenção para os acordos de negócios da China.

Em outubro, uma oferta de US$ 1,79 bilhão feita por uma empresa ligada à prefeitura de Pequim para a compra de operações de aviões e jatos corporativos da falida Hawker Beechcraft, em Wichita, Kansas, foi rejeitada devido às preocupações de segurança nacional em Washington. Os executivos encontraram dificuldade em separar as operações civis dos negócios militares da empresa.

Mas muitos especialistas aeroespaciais preveem que as empresas e investidores chineses encontrarão formas de apaziguar os reguladores americanos. “Sem dúvida haverá preocupações e algumas válidas, mas os imperativos comerciais são tamanhos que as pessoas encontrarão formas de contorná-las”, disse Peter Harbison, o presidente do CAPA-Center for Aviation, uma consultoria aeroespacial global.

A venda da divisão de leasing do AIG deverá ser analisada pelo Comitê de Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos, um painel governamental que analisa as implicações de segurança nacional de negócios envolvendo compradores estrangeiros.

Os clientes do grupo incluem muitas das maiores companhias aéreas americanas e o governo federal há muito conta com a possibilidade do uso de jatos de passageiros civis para transporte de tropas para o exterior durante uma emergência nacional. Quando Saddam Hussein enviou o exército iraquiano para o Kuwait em 1990, o Departamento de Defesa fez uso da mobilização de emergência de aviões de passageiros civis para transporte de 60% dos soldados enviados e trazidos do Oriente Médio durante a primeira Guerra no Golfo Pérsico e um quarto da carga, segundo um estudo da RAND.

Henri Courpron, o presidente-executivo da International Lease Finance Corp. da AIG, disse não acreditar que os Estados Unidos devam se preocupar com a possibilidade da aquisição impedir o uso de aeronaves civis em uma crise. Apenas 8% das aeronaves da empresa são cedidas por meio de leasing às companhias aéreas americanas, e a maioria delas carece de autonomia para transporte de tropas para o exterior.

“Realmente não é um problema –nós temos mais de 900 aviões em nossa frota e apenas 11 grandes” cedidos por leasing para companhias aéreas americanas, ele disse em uma entrevista por telefone. Ele acrescentou que as companhias aéreas têm controle sobre as aeronaves durante o leasing. Os executivos do consórcio que comprou a participação acionária na empresa de leasing recusaram repetidos pedidos de entrevista.

Os interessados chineses na indústria aeroespacial entendem as preocupações. Em parte, eles observaram a experiência no setor de recursos naturais. A China National Offshore Oil Corp. fracassou em sua oferta em 2005 para aquisição da Unocal, após intensa oposição política. Depois disso, as gigantes de energia chinesas têm se mostrado mais cautelosas, buscando participações acionárias minoritárias nos Estados Unidos e limitando suas aquisições.

As empresas chinesas estão agindo de modo semelhante no setor aeroespacial, buscando joint ventures e acordos de cooperação técnica ao lado das aquisições. Por exemplo, a AVIC está trabalhando com a General Electric e outras empresas aeroespaciais americanas na produção de um jato civil, o C919. Pequim prevê o corpo estreito do C919 como o próximo passo para construção de um negócio aeroespacial doméstico, capaz de competir com a Boeing e a Airbus.

As empresas ocidentais e seus conselheiros dizem estar cientes de que as transferências de tecnologia poderiam ajudar a China a fortalecer suas forças armadas e desenvolver aviões civis mais competitivos, e estão adotando precauções para proteger segredos comerciais e a segurança nacional. “Você transfere a parte que pode sofrer engenharia reversa mais facilmente, ou que pode ser facilmente dissecada”, disse um advogado com conhecimento detalhado das transações.

Mas muitos no setor aeroespacial são mais céticos de que o Ocidente possa evitar perder o controle da tecnologia. “A mentalidade é: eles vão encontrar um meio de chegar lá, e nós podemos chegar lá com eles”, disse Harbison, do CAPA-Center for Aviation.

Os executivos da Airbus dizem estar sendo prudentes. Eles acrescentaram que há poucos segredos comerciais no A320 fabricado aqui, uma aeronave que foi projetada em 1986. “O A320 é conhecido em todo o mundo”, disse Jean-Luc Charles, o diretor geral das operações da Airbus.

Uma visita à principal área de montagem, um hangar com paredes cinza de aço e grandes guindastes vermelhos no alto, sugere que pode ser possível proteger a tecnologia. Os assentos são instalados aqui e a aeronave é pintada, mas a fábrica em grande parte monta os aviões com kits importados da Europa. Fuselagens inteiras, com revestimentos protetores verdes, são trazidas de navio de Hamburgo, Alemanha. Até mesmo as escadas e elevadores de carga apresentam limites de peso em alemão e as caixas de ferramentas são rotuladas em inglês.

Charles disse que 95% das partes ainda são importadas e que seriam precisos muitos anos para uma redução dessa quantidade. “Uma a uma, nós começamos a lhes dar as partes”, ele disse. “Mas cada submontagem é um projeto complexo -leva cinco anos.”

Luis Nassif

Luis Nassif

Recent Posts

Eduardo Leite cobra soluções do governo federal, mas destruiu o código ambiental em 2019

Governador reduziu verbas para Defesa Civil e resposta a desastres naturais, além de acabar com…

10 horas ago

GPA adere ao Acordo Paulista e deve conseguir desconto de 80% dos débitos de ICMS

Empresa soma dívida de R$ 3,6 bilhões de impostos atrasados, mas deve desembolsar R$ 794…

11 horas ago

Lula garante verba para reconstrução de estradas no Rio Grande do Sul

Há risco de colapso em diversas áreas, devido à interdição do Aeroporto Salgado Filho, dos…

11 horas ago

Privatizar a Sabesp é como vender um carro e continuar pagando o combustível do novo dono

Enquanto na Sabesp a tarifa social, sem a alta de 6,4% prevista, é de R$…

12 horas ago

Al Jazeera condena decisão do governo israelense de fechar canal

O gabinete israelense vota por unanimidade pelo encerramento das operações da rede em Israel com…

14 horas ago

Chuvas afetam 781 mil pessoas no RS; mortes sobem para 75

Segundo o Ministério da Defesa, foram realizados 9.749 resgates nos últimos dias, dos quais 402…

14 horas ago