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Por que os pobres financiam os ricos?

YOSHIAKI NAKANO, na “Folha” de 25/02/2007

A TEORIA econômica convencional proclama que os capitais fluem dos países ricos, onde são abundantes, para os países pobres, onde são escassos e, portanto, mais bem remunerados. A restrição ao crescimento está do lado da oferta, e só a elevação da poupança total, recorrendo à poupança externa, poderia acelerar o crescimento.

Nós, “pobres latino-americanos”, tendemos a acreditar que, para acelerar o crescimento, precisamos atrair recursos externos, pois a poupança doméstica é escassa. Portanto países como o Brasil precisam se endividar para crescer. Nada mais longe da verdade.

Os dados empíricos contrariam essa crença e, há muito tempo, os economistas encontraram uma correlação quase perfeita entre taxa de investimento e poupança doméstica. É óbvio. Quem faz dívida tem de pagar. Portanto o país que recorre à poupança do exterior para consumir mais, em algum momento, terá de aumentar a poupança doméstica e consumir menos. E quem só pode se endividar em moeda estrangeira terá de pagar com moeda estrangeira. Daí a nossa história ser uma sucessão periódica de crises cambiais.

O único país que pode crescer indefinidamente expandindo o consumo -portanto poupando menos- é o país que emite moeda com valor de reserva internacional, tem um mercado financeiro desenvolvido e pode atuar como o banqueiro do mundo, pagando taxa de juros menor por seus passivos emitidos na sua moeda do que rendem seus ativos no exterior, em moeda estrangeira. Esse é o caso, há muitas décadas, dos Estados Unidos. Daí o espantoso déficit dos EUA em transações correntes, financiado, em grande parte, por superávits dos países emergentes, inclusive do Brasil. Ou seja, países pobres financiando o consumo e o investimento do mais rico do mundo!

Essa perversa e paradoxal situação tem uma lógica financeira da qual os países pobres, que queiram crescer sustentadamente e com estabilidade, não têm como escapar.

Países pobres, ao contrário dos desenvolvidos e ricos, têm mercado financeiro restrito e pouco profundo e, portanto, têm poder muito limitado de emitir ativos financeiros com aceitação no mercado. Quando emitem, pagam juros mais altos e emitem em moeda estrangeira, e as variações da taxa de câmbio podem trazer impactos negativos. Assim, os países pobres não têm o mesmo acesso às poupanças externas e, quando a elas recorrem, tornam-se muito vulneráveis a variações na taxa de juros internacional, de câmbio ou ainda à mudança na aversão ao risco dos investidores. Dessa forma, mesmo países com situação financeira externa e interna saudável podem, de uma hora para outra, sofrer forte restrição de liquidez internacional, tornando suas economias sujeitas a instabilidades e a crises.

E esse é exatamente o quadro global. Países emergentes que crescem rapidamente poupam mais, têm enormes superávits em transações correntes e financiam o déficit dos EUA, que têm taxa de poupança declinante e passivo externo líquido crescente. Esses emergentes, quando recorrem ao mercado financeiro internacional para contornar seu ineficiente e pouco desenvolvido mercado financeiro doméstico, constituem garantias em forma de reservas internacionais e, dessa forma, contornam as instabilidades e pagam taxas de juros baixas. O Brasil tem de aprender essa lição.

YOSHIAKI NAKANO , 62, diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

Comentário

Um dos temas do meu próximo livro, “Os Cabeças de Planilha” é esse mito do crescimento com poupança externa.

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • O texto do Nakano, apesar de
    O texto do Nakano, apesar de algumas verdades, não passa de um grande e perigoso equivoco. O Nakano há bastante tempo tenta de entender o Ben Bernanke's speech, (The Global Saving Glut....), mas não o compreende. (O super criativo Ben Bernanke mostra toda a sua inteligência, habilidade e sutileza). Portanto ele acaba escrevendo coisas elementares e triviais. E errôneas. Sem lógica concreta e útil.
    (De facto muitos outros comentadores som ainda piores e mais limitados, assim a sua contribuição resta valiosa).
    Não tenho tempo nem vontade agora per argumentar de forma mais extensiva , mas per o Brasil entrar na mesma dança, (alias continuar na mesma dança), não representa alguma perspectiva de progresso.
    A China tem um controle dos movimentos de capitais, fato q ajudou bastante, mas apesar disso, enfrenta problemas enormes. O PCC vai enfrentar grandes problemas. E com uma população daquele tamanho qualquer desequilíbrio vira um grande problema.
    Contrariamente a o q Nakano pode pensar "Países emergentes que crescem rapidamente poupam mais...," isso não é verdade. Não tem sentido em poupar acumulando papel de carta americano e exportar riqueza material. O sentido é q som forcado a fazer isso. É o segredo q Ben Bernanke sabe muito bem mas não pode explicar.
    A conclusão portanto deve ser exatamente oposta: "O Brasil tem de aprender essa lição." O Brasil tem de aprender a verdadeira lição (o não dito de Bernanke).
    O Brasil é um pais com enormes recursos e uma população de 200 milhões de habitantes, pelo 80% pobres.
    Pode se desenvolver a uma taxa do 10% anuo, sem poupança externa e capitais especulativos, mas tem q aprender a verdadeira lição não a errada aprendida pelo Nakano. E aplicar as medidas corretas. Per não cair num buraco sem fundo (desastroso per o 90% da população, boa per o 10% no max).
    Esse governo tem uma grande responsabilidade.
    A poupança externa é um mito perigoso e desastroso.
    E

  • Ora ,os pobres financiam os
    Ora ,os pobres financiam os ricos,da
    mesma maneira que a vaca da leite:
    Ela não dá ,é que tiram o leite dela.
    Estou com NAkano e não abro (nem
    fecho).Taí o exemplo dos EU que
    praticam o livre mercado, apoiado
    no seu poder de convencimento,
    pois não? O Iraque não nos dexa
    mentir... Depois ,a vaca ainda vai
    andadndo para o matadouro.O mais
    cruel é que tem tanto boi ,amigo e
    a serviço do açougueiro !

  • Só tem um pacote :
    1- Colote
    Só tem um pacote :
    1- Colote geral e irrestrito de todos os emergentes.
    2- Confronto universal sem arredar pé um milimetro.
    3- Fechamento das fronteiras, chamando todos os homens e mulheres às armas.
    4- Produção interna de alimentos para o pôvo determinado e unido.
    5- Pena de morte (sem apelação)a todos os que tentarem trair a nação.
    6- Morte a todos os juizes, politicos e advogados que não quiserem trabalhar na roça (cabo da enxada).
    Ou continuar sendo vaquinha de presépio dos Americanos do norte.

  • Caro Elwood, gostaria de
    Caro Elwood, gostaria de algumas dicas suas sobre adegas, importadoras de bebidas. Ou, simplesmente, sobre bares com bons estoques de cervejas geladas e legítimas cachaças. Dispenso qualquer recomendação de drogas ilícitas. Obrigado.

  • O Lord Saurn quer reinventar
    O Lord Saurn quer reinventar o Mao.
    A revolução Cultural chinesa fez boa parte disso. E fez muito mal para a China. A sorte dele é que o Deng pôde frear aquela sandisse.
    Muito Mau, Sauron, muito Mao...

  • Em outras palavras
    Em outras palavras ...

    nossos juros (paises pobres) altos tem enriquecido os capitais especulativos (dos países ricos).

  • Creio que a manutenção das
    Creio que a manutenção das reservas são fundamentais.

    Se você tem divergências com o o país dominante , você pode adotar outro padrão monetário,mas não passará de ilusão pois o EURO e Yen são aliados do país dominante.

    Você ainda pode optar pelo ouro, minério de ferro, petróleo, soja, etc, mas é complicado, depedendo do tamanho da reserva pode afetar os preços...

    O fato é que pela primeira vez o Brasil tem uma situação favorável na Balanca Comercial, devemos aproveitar para criar mecanismos que garantam uma estabilidade cambial duradora.

    O preço do cambio devemos discutir com todas as partes interessadas, pois um dolar demasiado forte deve elevar ainda mais os saldos da Balança Comercial, obrigando a autoridade monetária a enxugar pare dos reais resultantes da conversões.

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