Categories: História

A ação da URSS no levante comunista

Folha de S.Paulo – Carta de Prestes mostra ação da URSS – 13/12/2010

Carta de Prestes mostra ação da URSS

Às vésperas da Intentona de 1935, líder comunista pede envio de agente soviético e prevê levante de massas

Em documentos obtidos pela Folha, Prestes vê oportunidade de tentar derrubar Vargas, então debilitado por greves

GRACILIANO ROCHA
DE PORTO ALEGRE

Manuscritos do líder comunista Luiz Carlos Prestes (1898-1990) evidenciam a influência soviética na Intentona Comunista, como ficou conhecida a tentativa de derrubar Getúlio Vargas do governo na década de 30.

A Folha obteve cópias dos quatro primeiros documentos de Prestes, guardados em Moscou há 75 anos. Em outubro, o governo russo começou a transferi-los do acervo do Komintern -a 3ª Internacional Comunista- para o Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro.

Num relatório em espanhol, datado de 6 março de 1935 -oito meses antes da eclosão do levante-, Prestes faz um apelo para que Moscou enviasse um agente ao Brasil: “A viagem de Rústico [codinome do agente] é cada vez mais urgente”.

Em esboço de telegrama datado do mesmo dia, ele diz que sua “entrada no país” está “cada vez mais difícil” e que é “necessário” o envio de “aparato” -não é explicado o que seria isso. O local onde Prestes estava quando escreveu esses textos é incerto.

Em carta, Prestes relata ao Secretariado Executivo do Komintern, em Moscou, que Vargas se debilitara com a “ofensiva do proletariado e empregados do governo por melhora de salário”. A reação às greves, escreve ele, viria na forma de uma “nova lei contra os “extremistas'”.

Aprovada pelo Congresso e sancionada por Vargas em abril, a Lei de Segurança Nacional criminalizou greves do funcionalismo público, agitação nas Forças Armadas e a propaganda subversiva.

ANTIFASCISMO

A carta de Prestes integra um conjunto de comunicações entre o Komintern e agentes na América do Sul entre o final de 1934 e 1935. Parte dos documentos foi revelada no livro “Camaradas” (Cia. das Letras, 1993), do jornalista William Waack. Waack teve acesso aos papéis após o fim da URSS.

Ainda no manuscrito de 6 de março, Prestes propôs que o PCB explorasse ao máximo o seu nome, famoso desde a Coluna dos anos 20, para orientar politicamente a ainda incipiente ANL (Aliança Nacional Libertadora). O comunista já vislumbrava o programa da era pós-Vargas.

O surgimento da ANL, um consórcio de opositores a Vargas, ajustava-se à política do Komintern de estimular a formação de frentes populares em todo o mundo para combater o fascismo.

“As condições atuais no país nos dão a perspectiva de um grande movimento de massas em apoio à ANL, a qual poderá mesmo organizar um governo revolucionário provisório”, escreve Prestes no documento.

DERROTA

O objetivo imediato seria “mobilizar as mais amplas massas contra o imperialismo e o feudalismo” a partir de um programa brando, pelo aumento de salários e desarmamento dos fascistas.

A história mostraria que não havia “movimento de massas” disposto a fazer a revolução. No final de novembro de 1935, houve levantes em Natal e no Rio, rapidamente debelados. Prestes foi preso em 1936 e no ano seguinte começaria a ditadura do Estado Novo (1937-45).

Folha de S.Paulo – Análise: Chave para entender Prestes permanece em Moscou – 13/12/2010

Chave para entender Prestes permanece em Moscou

 WILLIAM WAACK

 ESPECIAL PARA A FOLHA

Vinte anos atrás, o presidente Boris Yeltsin atendia a um pedido pessoal do então presidente Fernando Collor de Melo e entregava alguns documentos sobre Luís Carlos Prestes.

Não eram muita coisa, mas estavam num acervo sobre o qual pouco se soube: o Arquivo Presidencial. Quem foi dirigente importante de algum partido comunista em algum lugar e época está ali.

Prestes também. Medvedev fez agora o mesmo favor a Lula, mas Moscou continua guardando muito mais coisa.

Quase tudo o que se conhece sobre a atuação do principal líder comunista brasileiro nos episódios de 1935 tem origem em outro arquivo guardado em Moscou, que corresponde ao período de existência do Komintern.

Quando pesquisei esse arquivo, entre 1991 e 1993, ajudado pelo filho caçula de Prestes, Yuri Ribeiro, notei que a pasta pessoal de Prestes (cada comunista brasileiro da época tem sua “pasta pessoal” guardada lá) estava praticamente vazia. Seu conteúdo, observamos, tinha sido transportado para o Arquivo Presidencial.

A fascinante massa de documentos permitiu esclarecer em minúcias alguns dos aspectos centrais da operação de Prestes no Brasil em 1935. Trouxe à luz novos personagens, esclareceu a participação de alguns já conhecidos e os exibiu em sua dimensão humana e destruiu os mitos, especialmente os de Prestes e Olga.

Há, porém, uma importante lacuna: o período em que o dirigente comunista brasileiro viveu na União Soviética entre 1931 e 1934.

Para mim, a frase importante dos manuscritos publicados pela Folha está no final de um deles. É quando Prestes diz que nada do que propunha como linha de ação da ANL “deve diminuir nossa atividade quanto à execução dos planos anteriores”.

Fica bastante claro a partir da documentação do Komintern que Prestes, com a aquiescência e participação dos dirigentes em Moscou, desenvolveu um plano, com o qual embarcou para o Brasil no final de 1934.

Uma das referências surgidas recentemente a esse plano apareceu na biografia de um dos participantes da fracassada tentativa de golpe conduzida por Prestes.

Trata-se de Johnny de Graaf (conhecido no Brasil como Gruber), que era, sabe-se agora, um triplo agente, trabalhando para alemães, soviéticos e britânicos.

Mas o período no qual Prestes fundiu seu destino ao do PC soviético continua obscuro. Assim como permanece sem fortes referências documentais o que vem depois, de 1946 ao golpe de 1964, e seu novo exílio em Moscou.

Prestes foi um mestre em redefinir seus papéis, deixando a culpa de fracassos sempre para subordinados. E habilidoso em criar o próprio mito. Permanece lá em Moscou, nos arquivos presidenciais, a chave para entendê-lo melhor.


 

 

WILLIAM WAACK, jornalista, é apresentador do “Jornal da Globo” e autor do livro “Camaradas”, em que pesquisou os arquivos secretos da ex-União Soviética

Luis Nassif

Luis Nassif

Recent Posts

Restrição das exportações de GNL estadunidense é moderada e provisória

Em meio à corrida eleitoral, a decisão de Biden é questionada pela indústria de energia…

33 minutos ago

“Infelizmente, este será o maior desastre que nosso estado já enfrentou”, diz governador do RS

Sobe para 13 número de vítimas fatais por causa dos temporais. Além disso, outras 21…

45 minutos ago

O 1º de Maio foi um fiasco! Viva o 1º de Maio!, por Gilberto Maringoni

Fiascos são pacientemente planejados e construídos. Logo, o fiasco na comemoração do Principal ato de…

1 hora ago

Repetindo Bolsonaro e Trump, Milei desmantela a imprensa argentina

Ataques e ameaças do presidente da Argentina, Javier Milei, a jornalistas, buscam acabar com a…

1 hora ago

Os primeiros resultados do afastamento do promotor de São João da Boa Vista

Confirmando sua remoção haverá possibilidade de levantar o que foram esses anos em que uma…

2 horas ago

Invasão da Embaixada do México em Quito viola o Direito Internacional

Condenado por corrupção, Glas alega perseguição e, segundo sua defesa, a acusação seria uma forma…

3 horas ago