Por Marco Antonio L.
De Carta Maior
Por Saul Leblon
A Cúpula da Terra, a ‘Rio+20’, acontece num divisor histórico que cobra, ao mesmo tempo legitima a busca de novos caminhos para a continuidade da aventura humana no planeta. A singularidade desta reunião, o seu maior trunfo, não pode ser abstraído, tampouco amesquinhado pelas organizações, lideranças e chefes de Estado reunidos a partir desta 4ª feira no Rio de Janeiro: a Rio+20 reverbera o colapso da ordem neoliberal.
Não é um acaso, nem deve ser tratado assim. Se a Rio+20 não associar organicamente a agenda do meio ambiente a um elenco de medidas destinadas a enfrentar a derrocada em curso suas propostas serão contaminadas pelo bafejo da irrelevância. O movimento ambientalista, cuja pertinência está sedimentada em estudos e indicadores científicos que evidenciam o assalto aos recursos que formam as bases da vida na Terra, enfrenta aqui a idade da razão.
Sua responsabilidade é dar consequência política à bandeira do Estado anfitrião desse encontro, ou seja, o futuro sustentável não será conquistado apenas na esfera ambiental.
Novas formas de viver e de produzir, intrinsecamente convergentes na distribuição de direitos e riquezas devem compor o passo seguinte da história.
Neomalthusianos tingidos de verde, alguns até bem-intencionados, podem constatar, ao contrário, que a bandeira da ‘estagnação benigna’ já se encontra em vigor em sociedades da periferia do euro, por exemplo, com os desdobramentos sabidos. Hoje 1/3 da humanidade ainda depende da queima de lenha ou carvão (leia-se, derrubada de florestas) para preparar uma simples refeição. Um bilhão de seres humanos vive no calabouço da fome crônica. Um bilhão no campo, sem acesso pleno a recursos e conquistas da civilização. Nem a estagnação, nem a devastação resolvem o desafio gêmeo do nosso tempo. Qualquer dissociação entre justiça social e equilíbrio ambiental condena o futuro ao desastre, da humanidade e da natureza.
A Rio+20 não pode ser apenas uma versão atualizada do balanço do fim do mundo. Para ser mais que isso precisa ouvir as circunstâncias da história. Nas últimas décadas, a desregulação imposta a todos os níveis da atividade humana agravou os contornos da crise social e ambiental. Se os chamados ‘fundos alfa’ –altamente agressivos e especulativos– conseguem dobrar o rendimento dos detentores de riqueza em um par de meses, todos os demais setores da economia capitalista terão que perseguir idêntica voragem. Do contrário, acionistas insaciáveis fritarão o fígado de gestores empedernidos numa grande queima de ações em Bolsas. A dominância financeira impôs quase 40 anos de aceleração turbinada e predatória em todas as latitudes, do macro ao micro.
Acelerar significa, por exemplo, desregular. O quê? Tudo: do mercado de trabalho à exploração das riquezas naturais. Privatizando e liberalizando o mercado da água, por exemplo. Ou permitindo o plantio e o desmatamento ensandecido nas beiras de rios, como querem os exportadores brasileiros de commodities.
A engrenagem que esfarelou seres humanos e territórios com intensidade inaudita nas últimas décadas está agônica. Mas seus operadores e o poder político que os respalda continuam a dar as cartas da vida e da morte do planeta. O epicentro do jogo nesse momento consiste na brutal determinação desses interesses em validar títulos que lhes dão direitos de saque sobre a riqueza disponível, cujo montante repune um valor de face da ordem de US$ 600 trilhões: 10 vezes a soma do PIB planetário. Fazer valer essa riqueza papeleira que começa a evaporar, requer de seus detentores uma disposição bélica para romper qualquer regra de equilíbrio. Exemplos como o escalpo imposto à Grécia demonstram que eles não são amadores no ramo.Mas a Grécia é só a cabeça do alfinete de uma dança das cadeiras cuja regra é mate nove se quer resgatar tudo o que nunca poderia ter sido seu.
Os encontros da Rio+20 estão emparedados pela matemática desse saque de proporções diluvianas contra direitos sociais, espaços e bens públicos e qualquer resquício da natureza capaz de emprestar valor eetivo a um papelório financeiro que se esfuma.
Assim como é apavorante que o G-7 e o G-20 não incluam o risco ambiental na sua agenda de urgências face ao desmanche financeiro, constitui identica insensatez ambientalistas discutirem o ‘futuro que queremos’, sem assumir que o sistema financeiro atual não cabe nesse futuro. Ou melhor, representa a principal ameaça a ele. E como tal não poderia sair ileso e intocado da Cúpula da Terra, na Rio+20.
Postado por Saul Leblon às 21:14
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