As reações desiguais do caso Waack e da tragédia do reitor, por José Augusto Ribeiro

Por José Augusto Ribeiro

Caro Nassif

     Acabo de ler seu artigo de ontem e de encontrar  e também ler o anterior sobre o caso do William Waack. Eu já concordava intuitivamente com o que você viria a escrever e agora concordo esclarecidamente. Não sei se cruzei pessoalmente com o William depois de conhecê-lo na Alemanha em 1976, quando participava de um grupo de jornalistas brasileiros  convidados pelo governo alemão para acompanhar as eleições daquele ano no país. Faziam parte do grupo, entre outros, o Castelinho e o Oliveiros Ferreira. O William era enteado do Oliveiros, estudava na Alemanha e frequentemente estava conosco. Já tinha o ar atrevido de quem sabe que sabe muito – menos, porém, que o Oliveiros, a quem dedicava uma afeição maior que a que um filho biológico pode dedicar ao pai que o fez parir.  

     Eu já admirava muito o Oliveiros,  depois de o ter detestado à distância, mais por suas posições contra o governo Jango, no qual eu trabalhara num quinto escalão, do que por suas convicções ideológicas de direita. Aos poucos, em leituras e encontros ocasionais, fui descobrindo o grande brasileiro e grande ser humano que era o Oliveiros, e também os pontos de vista que nos aproximavam e acentuavam ainda mais os que nos separavam. 

     Nunca tive pelo William do Jornal da Globo a menor admiração, nem por sua obsessão contra o que chamava de populismo e enfiava no mesmo saco de pancadas tanto a demagogia mais descarada quanto políticas reformistas mais sérias. Gostei, porém, de seu livro Camaradas, sobre o levante, a tal Intentona Comunista de 1935, livro linchado pela ortodoxia corporativista do velho “Partidão”. E gostei de algumas edições de seu programa Painel, no qual ele conseguiu abrir espaço  para manifestações como a do Ministro Carlos Veloso, ex-Presidente do Supremo, sobre uma das flechadas com que o ex-Procurador Geral Rodrigo Janot tentava derrubar o que naquele momento nos restava de legalidade constitucional. Gostei especialmente de um programa no qual um diplomata brasileiro (não guardei o nome) discutia o crescimento da desigualdade econômica no mundo,tema aparentemente proibido em nossa mídia.

     Como você, não vou discutir a frase racista do William, mas não esqueço que o Oliveiros, de quem ele herdou tanto, ou era mouro ou era afro. Também não esqueço que não tenho o direito de atirar a primeira pedra. Quantas vezes achei e disse que isto ou aquilo era coisa de viado, mesmo convicto de que existem mais viados hetero, machistas e homofóbicos  que viados homo. Se nunca me permiti manifestações de racismo ou antissemitismo, foi certamente por meu DNA afro e cristão-novo. Mas já fui acusado de antissemitismo por ter feito um programa de televisão em que o entrevistado, o ex-Presidente Jânio Quadros,  condenava os massacres de Sabra e Chatila em 1982.

    No passado da Inquisição, Galileu foi obrigado a dizer que a Terra não girava em torno do Sol e Giordano Bruno foi condenado à morte e teve a língua cortada a caminho da fogueira por ter dito e continuar dizendo, aos brados, como um poeta condoreiro,  que Deus estava em todas as coisas, até na menor folha de relva. Hoje, nesse punitivismo que nos conduz à guerra de todos contra todos e a cada um de nós à escolha de ser ou recusar-se a ser o lobo do homem, não posso deixar de considerar que a punição do William e seu linchamento moral foram absolutamente desproporcionais e cruéis.

     Ao mesmo tempo, porém, que o caso William Waack se transforma numa questão nacional, não vejo um centésimo desse rigor no caso e na investigação de responsabilidades pelo suicídio do Reitor Luís Carlos Cancelier, da Universidade Federal de Santa Catarina.   

     Parabéns por sua coragem e serenidade ao enfrentar mais uma vez a onda de  intolerância e rancor que envenena até o ar que respiramos. 

     Grande abraço

     Zé Augusto Ribeiro

 

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • então?

    Mas afinal, o que tem a ver Alemanha, Wilian Waak, OLiveiros e o Reitor, com a declaração imprudente do jornalista? Ninguém vê também a mesma equidistância da imprensa nos assuntos que envolvel Lula, e a seguir nesses argumentos um dia chegaremos a Roma!!! Ou, como se diz, " olho po olho, um dia a humanidade inteira estará cega"

  • Poucos entenderam a grandeza

    Poucos entenderam a grandeza do Nassif. Não há o que discutir a respeito do que disse o Waack. Não vi ninguém que tenha defendido suas palavras. Acredito mesmo que não tenha havido alguém entre os que eu não vi. Pode haver alguém a favor ? Seja racismo, preconceito de cor ou o que for, ele tem que responder pelo dito e arcar com as consequencias, mas no limite da Lei. É necessário o linchamento ? A manada parece acreditar que a morte profissional, moral, talvez até física do Waack é necessaria para acabar com o racismo, com o preconceito. Invocam até o republicanismo do PT com Lula e Dilma para embasar a tese de que sem cacetada a coisa não dá certo. Cacetada é necessária sim, mas contra e para expulsar os vendilhões do Templo, que continuam vendendo e vendendo e são deixados quietos. Não como vingança punitiva contra o pecador, que em tese até pode se redimir. Comportam-se da mesma forma daqueles que combatem a corrupção acreditando que a Lava Jato cumpre esse mister com o linchamento judicial que pratica.

  • O caso Waack e as considerações de Nassif

    Um caso como esse gera comoção, catarse, reações passionais, extremismo por todos os lados. Embora Nassif tenha deixado evidente sua desaprovação ao comentário racista e à visão política reacionária de Waack, mostrou também que o (ex) global não era só preconceito e elitismo, ao menos no período em que conviveram na faculdade.

    Ainda assim isso foi entendido por muitos como uma defesa de Waack ou uma minimização do acontecido. Nassif, certamente sabia disso e sabia que receberia pancada de todo lado, mas seguiu em frente e mostrou (mais uma vez) sua coragem e seu compromisso com aquilo que considera justo. Seguiu sua consciência, fugiu do clima de demonização total da esquerda ou do cinismo cúmplice da direita. É importante reconhecer e valorizar muito pois coragem como essa é artigo raríssimo na imprensa de hoje.

  • As diferenças deste golpe

    As diferenças deste golpe para o último, o de 1964 tem na informação e divulgação o grande diferencial.

    Foi a mídia que praticamente tocou o golpe, tendo a frente assim como em 1964, a rede globo.

    Diferente estão sendo os atores repressores, que em 1964 foram as forças armadas numa hipotética luta contra o comunismo, já neste é o judiciário em sua luta contra a corrupção.....

    Neste episódio do racismo escancarado e cínico do Waack nos deu o grande combatente para o golpe:

    Um vídeo + Youtube + rede sociais!

    Este são os nossos maiores aliados no combate tanto a corrupção, quanto ao autoritarismo dos golpistas, quer sejam eles o governo ou as empresas e bilionários ativos no golpe!

    Que haja mais produção para este trinômio!

    Que mostrem como agem os agentes do golpe com fatos reais, pode ter até interpretação - até enredo, mas que se tenha de forma simples, inequívoca do que fazem os golpistas!

  • Não entendi ...

     

    Desculpem a minha burrice. Mas o que tem a ver o caso do reitor com o caso do Waack? São duas coisas completamente diferentes. O Waack levou uma surra nas redes sociais  por que seu elitismo calhorda foi exposto, não se sabe por que nem por quem, e a Globo resolveu descartá-lo. Que se dane. Já no caso do reitor, houve indignação sim, e ainda há.  Muita. Contra o lavajatismo, o autoritarismo, a ineficiencia da PF, que tem a Globo como parceira, quando se trata de expor e humilhar qualquer infeliz que esteja sendo investigado. Esperam que a Globo tenha alguma decência com a questão do reitor? Claro que não, a Globo é parceira do lavajatismo.No caso Waack resta uma pergunta por que resolveu fritar seu mais fiel empregado?Tem mais caroço nesse angu ...

     

  • Contraditório

    Respeito o site Jornal GNN, o acompanho a uns 2 anos. Concordo com grande parte do que Nassif escreve, e o admiro. Porém não posso ficar calado frente à campanha de relativização de um caso de racismo.

    Vou relembrar o que Waack disse: "é coisa de preto", se referindo a uma atitude, que ao ver de Waack, foi incômoda.

    O apresentador da TV Globo utilizou uma expressão carregada de racismo, que é usada como forma de relacionar os negros a coisas ruins. Lembrando, não foi uma pessoa jovem, humilde, com pouca instrução e pega de surpresa durante uma conversa na sua casa.

    A expressão racista foi dita por um homem maduro, muitíssimo bem instruído e feita em frente a uma série de câmeras no seu lugar de trabalho, que por coincidência é um dos principais telejornais do país.

    Por favor, é óbvio que ele não foi vítima. Waack tinha noção do que estava dizendo e o disse em um lugar onde poderia ser gravado. Isso deve ser ressaltado, a expressão não foi dita em um local reservado, mas em um estúdio de uma televisão!

    Mais uma vez, para ficar claro, Waack não foi vítima. Vítima é o povo negro que vive em um país racista onde os brancos são muito  bem organizados para se defenderem e tem ao seu dispor a mídia (e pelo visto inclusive a mídia alternativa).

    Abraços.

    João Pedro Godoi

  • Afinal de contas: basta não

    Afinal de contas: basta não ser racista, ou basta não aparentar ser racista?

    É isso?

    De que se trata, afinal?

    De condenar a torcedora do grêmio que chamou o goleiro negro de macaco?

    Se a câmera não a tivesse filmado, ninguém teria sabido da existência dela e do seu racismo, digamos, eventual, no calor do jogo.

    Se o José Augusto Ribeiro (que admiro, e a quem vi, brevemente, aguardando no lado de fora da sala de cinema do Cândido Mendes, em Ipanema, para ver - no caso dele, provavelmente, rever - Corações e Mentes, no começo dos anos 80), não tivesse confidenciado suas fraquezas imprecativas contra viados, isso não mudaria o conceito que tenho dele, como a reação do Nassif ao caso do Waack também não diminuiu minha admiração por ele.

    Por que?

    Por acaso a trajetória profissional de ambos tem as mesmas características da trajetória do William Waack?

    Nassif ou Ribeiro algum dia distorceram fatos ou opiniões de terceiros?

    Em suma, algum dia praticaram o jornalixo do Waack?

    Por acaso algum dia o Nassif, ou o Ribeiro, comandaram algum debate em que só um lado tem vez e voz?

    Eu também já disse, cá com meus botões: isso é coisa de viado, isso é coisa de preto, isso é coisa de corno.

    Afortunadamente, não trabalho em televisão, nem câmera nenhuma me filmou, fazendo isso.

    Isso não me torna nem melhor nem pior do que a torcedora do Grêmio, do que o Nassif, o Ribeiro, nem o infeliz do Waack.

    Mas o ponto é: não sou jornalista, não tenho o poder de emitir opiniões que atinjam, instantaneamente, milhões de pessoas, influenciando-as ou não.

    O Waack, o Nassif, e o Ribeiro tem; os dois últimos, até hoje, eu só vi utilizarem esse poder com parcimônia e honestidade.

    O primeiro, não. Durante os últimos anos, pôde utilizar seu púlpito para destilar veneno, ódio, desinformação, parcialidade.

    E agora, pelo  que se sabe, para consumo interno, destilar também seus recalques e preconceitos.

    Para quem trabalha numa empresa gigantesca, que se apresenta ao público como imparcial, justa, frontalmente avessa a qualquer tipo de discriminação, racial ou de qualquer natureza, o mínimo que se pode dizer desse homem é que é cínico.

    Está agora, onde merece estar.

    E francamente, chega de William Waack.

  • muito bem colocado....................lendo arriba e abajo

    o que não acrescentará nada, a meu ver, é seguirmos estagnados em um processo da lamentação pela punição recebida

    lamentação que dificulta o cultivo da ação responsável, obrigatória para a profissão

    e que o erro cometido, para não dizer crime, torne-se um instrumento de aprendizagem

  • Tempos bicudos

    Neste tempos bicudos  e tão cinzas as manifestações são apenas em preto e branco. Nassif menciona uma parte da  personalidade de Waack,  menciona também como outros aqui, que Waack é uma pessoa com conhecimentos sólidos, bem informado, assim como um homem de convicções fortes. Sim , acharia uma tolice não concordar. Dar uma dimensão humana a Waack é apenas  reconhecer a complexidade do ser humano. Reconhecer como ele pode ser cruel  e como  pode compactuar com o mal,  de forma tão intima. As estradas para o inferno são  construidas de boas intenções e também  de homens como estes, tão cultos e tão bem informados. 

     Waack não é um idiota nem um ignorante nem um mal informado. Ele faz o que faz porque tem seus objetivos,  suas crenças e sua ideologia. Mas  discordo dos que dizem  que qualquer crença ou  ideologia é válida. O processo civilizatório nos obriga a tomar posições.  Waack tomou sua posição, e esta é pessoal, mas o que não é pessoal é o papel que assumiu, o poder que deteve  e  o que isto causou na  vida de centenas de pessoas.

    Waack é hoje a imagem  do golpe. Sua figura esta indelevelmente ligada ao golpe. Não há espaço para o seu conhecimento , sua personalidade  ou suas convicções. Waack se transformou num personagem

    Waack com seus rompantes voltados contra o Lulopetismo, ou o populismo de Maduro, ou de Kirchner, não convence como intelectual, não convence como pensador e também não convence como pessoa bem informada e pela dubiedade das suas colocações também não convence como defensor da moral.  Pois se reflexão houvesse, se um pensar houvesse, e com as informações que tem, jamais poderia se manifestar como se manifestou. Junto com seu amigo Sadenberg, manipularam informações, gráficos dados, construiram programas como o Painel, levando sempre os mesmos, para  a construção de uma realidade, cheia de arbítrio convicção e sobretudo interesses, muitos interesses.  E exatamente por sabê-lo inteligente , culto e informado, tudo isto só me leva a concluir  que há nisto tudo muito  cinismo e desfaçatez. Como deixar de compará-lo com Catanhede, Merval, Camarotti, Lo Prete,  Cristiana  ou porque não figuras como Villa,  Mainardi e tantos outros. Não vejo como nenhum de seus atributos o torne melhor do que estas trágicas figuras. De forma consciente ele cumpriu a sua missão de desinformar, mal informar com a maior desfaçatez e cinismo.  No momento,  todas as suas frases morais e moralistas sumiram e não se aplicam a este governo que não é populista nem popular. A satisfação do mercado e de interesses externos sempre esteve em primeiro lugar.

    Portanto a questão de Waack é sim uma questão moral, política e social.  Agora veio a público as famosas fitas com dizeres racistas. Como alguém já disse aqui, isto não me surpreende, embora me pareça que ele dirigiria frases semelhantes a muito mais gente. O que me surpreende é o timing deste acontecimento  que se tornou até capa de Veja. Boris Casoy não mereceu tanta atenção. Mas tudo isto me parece fazer parte do movimento de limpeza de imagem da rede Globo, que já inicia um movimento para desatrelar sua imagem do golpe. Estes jornalistas todos  que foram o retrato do golpe,  vão um a um cair no ostracismo, ou ficarem escondidos . Já cumpriram o seu papel sórdido e agora parecem não serem tão úteis assim. Aliás este é um problema de pessoas espertas  como Waack, que se vendem ao demồnio. Mas isto é literatura.

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