Carta de um ex-jornalista sobre as feras que habitam as redações

Como foi uma carta de cunho pessoal, mas de conteúdo relevante, publico, tirando pontos que possam identificar o autor.

Os dois textos que você publica são comoventes e necessários para qualquer leitor que os leia com ânimo de conhecer a verdade. Mas, para mim, aos 65 anos e jornalista desde os 18, são um soco no estômago e um pito que todos nós que um dia vivemos desta profissão maldita merecemos levar e deveríamos levar de vez em quando, apenas para acordar para a triste realidade.

Enquanto fui militante de esquerda, até os anos 80, era tudo muito simples: a culpa é do patrão, estamos conversados e somos todos vítimas de sua pressão de classe. A vida e, repito, esta maldita profissão, me ensinaram que não é bem assim e não é assim tão simples.

Fui chefe por mais de 20 anos — (aqui os altos cargos que ocupou, e que corto para não identificá-lo)  — e aprendi que os patrões são identificáveis em seus interesses, mas o perigo maior muitas vezes – muitas! – está no “colega” que nos trai, que trai a si mesmo, que trai a profissão, que trai a verdade e que planeja, sugere, elabora e promove as maiores infâmias da imprensa contra fontes, contra adversários, contra inimigos a serem abatidos e – aqui o mais chocante – contra colegas que possam representar risco ou, até mesmo apenas um desconfortável exemplo de honestidade que os canalhas a soldo nunca tiveram mas pretendem fingir ter.

Contra a busca da verdade, sobretudo.

E dói muito ver alguns deles, hoje, se adaptarem com tanta facilidade aos novos tempos — agora temos de ser antifascistas, não é mesmo? — e enganarem gente sem memória e até com preguiça de uma banal pesquisa no Google. Cujos algoritmos, diga-se de passagem, já escondem o que eles assinaram no verão passado.

Deixei de ser  jornalista quando me tornei assessor e consultor. Não considero que sejam funções equivalentes. São lados diferentes do balcão. Mas confesso que abdiquei do título ainda por amor a uma profissão que me abandonou antes que eu pudesse abandoná-la.

Hoje, ainda tenho saudade das redações tradicionais. Mas depois de um infarto, que por minutos nao me levou há pouco mais de uma década, preciso ficar longe destes ambientes.

Você vê a aproximação da destruição do seu meio de vida. Eu vejo perto a morte por absoluta descrença e decepção.

Desculpe o texto muito longo, escrito de um fôlego e provavelmente cheio de erros de digitação.

Um grande e solidário abraço.

Luis Nassif

Luis Nassif

View Comments

  • Feras das redações, não se iludam, eis o que vos espera:
    “Vês! Ninguém assistiu ao formidável
    Enterro de sua última quimera.
    Somente a Ingratidão – esta pantera –
    Foi tua companheira inseparável!
    Acostuma-te à lama que te espera!
    O homem, que, nesta terra miserável,
    Mora, entre feras, sente inevitável
    Necessidade de também ser fera.
    Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
    O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
    A mão que afaga é a mesma que apedreja.
    Se alguém causa inda pena a tua chaga,
    Apedreja essa mão vil que te afaga,
    Escarra nessa boca que te beija!”
    Versos íntimos, Augusto dos Anjos
    Ainda há tempo, vejam o que está acontecendo aos blogueiros bolsonaristas, estão sendo todos jogados aos longos punhais.
    Vocês precisam, certamente, vender sua força de trabalho, como todos nós, mas a consciência de vocês não pode fazer parte do pacote.
    Ainda há tempo!

  • A grande maioria viu uma oportunidade única de ser algo além de quase nada.
    Viram o ônibus passando e, corretamente, vislumbraram oportunidades.
    Os olhos brilham diante de chances que sabem nunca terão por si próprios.
    A chance.
    Para boa parte deles foi bom enquanto durou...
    Alguns vão continuar e até avançar mais.
    Para estes só resta a fuga para frente.
    A maioria tentará se reinventar e esperar pela próxima onda, se tiver.
    Valor, qualquer um, não tem nada a ver com isso...e vai continuar não tendo.
    Poderiam dizer:
    -Não é nada pessoal, é só negócio, mas esta já tem dono.

  • Muito interessante porque é a realidade pura, nua e crua.
    De fato, nós, e sonhadores sempre quisemos impor a ditadura da verdade, da honestidade e até do amor; e acreditamos por breves tempos ser isso possível.
    Mas o homem continua lobo do homem.
    Desistir?
    Nunca!
    Mas é preciso ter em mente que existem ondas. Ora é crista, ora é não.

  • "(...) e aprendi que os patrões são identificáveis em seus interesses, mas o perigo maior muitas vezes – muitas! – está no “colega” que nos trai, que trai a si mesmo, que trai a profissão, que trai a verdade e que planeja, sugere, elabora e promove as maiores infâmias da imprensa contra fontes, contra adversários, contra inimigos a serem abatidos e – aqui o mais chocante – contra colegas que possam representar risco ou, até mesmo apenas um desconfortável exemplo de honestidade que os canalhas a soldo nunca tiveram mas pretendem fingir ter.

    (...)

    E dói muito ver alguns deles, hoje, se adaptarem com tanta facilidade aos novos tempos — agora temos de ser antifascistas, não é mesmo? — e enganarem gente sem memória e até com preguiça de uma banal pesquisa no Google. Cujos algoritmos, diga-se de passagem, já escondem o que eles assinaram no verão passado."

    Não sabemos de qual jornalista partiu o desabafo acima, mas não há dúvidas a quais "colegas" ele está se referindo. Entre tantos, aquele que teve o papel mais calhorda, cafajeste, asqueroso e que hoje posa de valoroso e intransigente defensor dos valores democráticos tem as iniciais R.A.

    Nós sabemos como estes "colegas" (entre os quais R.A.) se comportaram no verão passado. E não nos esquecemos.

Recent Posts

Moody’s muda perspectiva da nota de crédito soberano do Brasil

Agência coloca prognóstico em patamar positivo; caso mudança de nota de crédito se confirme, país…

6 horas ago

“Cuidar da floresta é mais rentável que derrubar árvores”, afirma Lula

Presidente fala sobre temas que interessam ao Brasil e ao Japão às vésperas da visita…

6 horas ago

Presidente Lula sanciona mudanças na tabela do Imposto de Renda

Isenção tributária chega a quem recebe até dois salários mínimos no mês; em SP, presidente…

7 horas ago

Estratégia federal vai aumentar uso da bactéria wolbachia contra a dengue

Soltura de mosquitos infectados está programada para ocorrer em julho; objetivo é reduzir casos a…

8 horas ago

Sindicatos seguem em luta contra privatização da Sabesp

Vereadores discutem mudar legislação para que capital paulista seja inclusa no plano de venda da…

8 horas ago

Em defesa prévia, Moro diz que CNJ está gastando “dinheiro público inutilmente” para investigar seus abusos

Trabalho da Corregedoria do CNJ pode abrir caminho para ação na esfera penal contra o…

8 horas ago