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Caymmi, a alma da Bahia

02 ANOS SEM DORIVAL CAYMMI

Saudades da Bahia com Tom Jobim e Dorival Caymmi e suas famílias em um ensaio na casa do Tom Jobim no Jardim Botanico – RJ

Dorival Caymmi (Salvador, 30 de abril de 1914 — Rio de Janeiro, 16 de agosto de 2008) foi um cantor, compositor, violonista, pintor e ator brasileiro.

Compôs inspirado pelos hábitos, costumes e as tradições do povo baiano. Tendo como forte influência a música negra, desenvolveu um estilo pessoal de compor e cantar, demonstrando espontaneidade nos versos, sensualidade e riqueza melódica. Morreu em 16 de agosto de 2008, aos 94 anos, em casa, às seis horas da manhã, por conta de insuficiência renal e falência múltipla dos órgãos em consequência de um câncer renal que possuía há 9 anos. Permanecia em internação domiciliar desde dezembro de 2007. Poeta popular compôs obras como Saudade de Bahia, Samba da minha Terra, Doralice, Marina, Modinha para Gabriela, Maracangalha, Saudade de Itapuã, O Dengo que a Nega Tem, Rosa Morena. 


As canções de Caymmi

LUÍS NASSIF, de 25 de julho de 1999

Meu primeiro contato com a música de Dorival Caymmi veio por meio do meu tio Léo. O tio tinha um violão Di Giorgio pretinho, que ainda hoje é o som mais doce que já ouvi de um violão. Aprendera as canções praieiras da Caymmi e cantava em toda reunião. “É doce morrer no mar / nas ondas verdes do mar”, “a jangada saiu com Chico, Ferreira e Bento / a jangada voltou só”. “Saudades da Bahia” já era muito balançado para ele. Só passamos a tocar depois que a bossa nova ensinou a pegar as cordas simultaneamente com quatro dedos.

Meu pai Oscar me apresentou à “Dora, rainha do frevo e do maracatu”. Confesso que era uma harmonia mais sofisticada, que meus ouvidos de criança levaram um tempinho a mais para assimilar.

A fonte de ambos foi um LP com Caymmi na capa, com seu violão e uma camisa xadrez de homem de bem com a vida, que espalhou a música do mestre por todo o país. O tio fazia tanto sucesso que durante um bom par de anos as praieiras de Caymmi se constituíram em seu repertório principal.

No início dos anos 50, antes do advento da era Tom Jobim, ao lado de Ary Barroso, Caymmi era o mais internacional dos compositores brasileiros.

A música brasileira das décadas seguintes foi moldada na segunda metade dos anos 40. Garoto passou a sofisticação harmônica do violão brasileiro, Luiz Gonzaga traria de volta o regionalismo mais rico e transbordante, e Caymmi daria o toque de modernidade que resultaria depois na bossa nova, com seu violão balançado, sintético e preciso.

A música de Caymmi foi o combustível básico dos conjuntos vocais que impregnaram o ouvido de João Gilberto, preparando-o para o salto da bossa.

Meu sonho de conhecê-lo esboroou-se quando meu pai organizou um congresso nacional de farmácia em Poços, lá por 1963, eu com 13 anos. O Congresso incluía uma programação musical à noite, no Palace Cassino. Foi contatado o Manuel Lázaro, grande empresário da época, e apresentada uma relação dos artistas que papai adorava, entre os quais Caymmi e Inezita Barroso.

Quando o congresso começou, o empresário ligou dizendo que ambos tiveram problemas. Indicou para o lugar deles Morgana, a Fada Loira, e uma vedete de rebolado.

Por conta da mancada do seu Lázaro, a primeira vez que vi Caymmi ao vivo e em preto-e-branco foi em uma entrevista a Elis Regina, no antigo “O Fino da Bossa”, da TV Record. Ele acabara de retornar de uma excursão aos Estados Unidos, onde dera uma entrevista a um programa de TV muito popular, acho que do Andy Williams ou coisa que o valha. Virou herói nacional.

Cá para nós, Poços sempre se orgulhava da naturalidade com que encarava personalidades nacionais e internacionais. Meu pai costumava brincar que se a deusa Ava Gardner desembarcasse em Poços, seria devidamente reconhecida pelo dono do carrinho de pipoca, mas tratada com toda naturalidade e educação, tipo “bom dia, dona Ava, como passou a noite?”.

A prova dessa naturalidade foi com outro divo, muito mais famoso que dona Ava, Cauby Peixoto, no auge do sucesso. Foi recebido no Campo da Viação por uma comitiva de cidadãos locais. E incorreu no risco de beijar a mão de dona Tereza Nassif, linda nos seus 29 anos, uma praga de sarcasmo, que lhe disse com o ar mais sincero do mundo: “Vou ficar uma semana sem lavar minha mão”.

Cauby abriu aquele seu sorriso Colgate mais agradecido, todo desarmado e lampeiro, despediu-se, deu as costas e aí deu um clique no seu cérebro. Ele se voltou vagarosamente, como quem teme a confirmação de suas suspeitas. O olhar divertido de dona Tereza confirmou: era gozação. E o pessoal, em volta, continha o riso como quem dizia, “mais um que caiu no trote da dona Tereza”. Ainda bem que Cauby tinha bom humor.

A celebração nacional pela entrevista de Caymmi ao Andy Williams confirmava o que já sabíamos: o Brasil era mais provinciano do que Poços. Mas se Caymmi viesse a Poços, seria recebido de joelhos pela melhor parte da cidade, por ser Caymmi, e até o perdoaríamos pelo deslize do programa.

De 1985 ao início dos anos 90, confesso que andei meio afastado da música. Trabalhava demais e nem me lembrava de comprar discos ou mesmo de ligar o aparelho de som. Sentia-me em falta com minhas filhas, por não ter passado a formação musical que meus pais e tios me passaram.

Até o dia em que fui a Poços visitar uns amigos e a Luizinha de Rodinha, a caçula de 8 anos, pediu para ficar no carro, ouvindo a “sua” fita. Curioso, perguntei qual era. E ela, com sua vozinha de criança: “A do “Ita no Norte””. Era uma fita da família Caymmi. Uma a uma, Luizinha desfilou o repertório de Caymmi. E nem teve muito tempo de convivência com os avós.

Aí eu entendi de modo mais claro como a música brasileira é esse liame que une as gerações, como um componente genético, a cor de olhos, o gingado, e esse modo doce de ser que caracteriza a nação Brasil. 

Luis Nassif

Luis Nassif

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