Do Valor
O consenso de George Washington
David Kupfer |
08/12/2010
Após anos e anos divididos, os economistas brasileiros finalmente parecem ter convergido para a conclusão de que há algo de errado com o valor do dólar e que as medidas cabíveis de política econômica devem ser tomadas para reverter ou pelo menos interromper a trajetória de valorização da moeda nacional. Pena que essa unanimidade que, em alusão à conhecida figura que estampa a face da nota de um dólar, bem que poderia ser chamada de “O Consenso de George Washington”, embora certamente bem-vinda, pode ter sido tardia, pois a margem de manobra para agir sobre o câmbio se reduziu muito nos últimos meses.
Que a atual taxa de câmbio de R$ 1,70 por dólar está aquém do nível adequado não é um fato difícil de constatar. Basta observar a velocidade com que os componentes do balanço de pagamentos brasileiro estão mudando de valor e, pior, de sinal. Após alguns anos no azul, o déficit em transações correntes está novamente negativo, tendo alcançado 2,5% do PIB no período de 12 meses encerrado em outubro último. Embora ainda se mantenha dentro de uma faixa considerada macroeconomicamente saudável, é impossível não demonstrar preocupação com a velocidade do processo: em 2004, quando do início da atual rodada de apreciação do real, o registro era positivo em 1,7% do PIB. Em valores, o dado ganha um significado mais concreto: nesses seis anos, a conta corrente despencou de um saldo de US$ 10,9 bilhões para um déficit de US$ 47,9 bilhões.
DentDentre os diversos componentes da conta corrente, interessa aqui destacar aqueles que, por envolverem processos de mercado, tendem a revelar mais diretamente o desempenho competitivo da produção nacional. Primeiro, a balança comercial. Independentemente das oscilações para cima do valor das exportações, em grande parte decorrente do comportamento favorável dos preços internacionais de commodities e que ainda irão assegurar um saldo previsto de cerca de US$ 16 bilhões para 2010, a tendência de longo prazo das exportações brasileiras é declinante. Já pelo lado das importações, ainda são nítidos os indícios de que a fase de aceleração ainda está longe de acabar, haja vista a expansão de 46% das compras totais feitas ao exterior, esperada para esse ano. Uma forma de comprovar a piora estrutural da conta comercial é observar o resultado comercial gerado exclusivamente pela indústria tradicional: nos 12 meses encerrados em 30 de setembro de 2007, o saldo comercial do grupo de setores foi de US$ 5,514 bilhões; agora, computando-se os doze meses completados no final de setembro de 2010, esse número transformou-se em um déficit de US$ 2,798 bilhões. Esse resultado acende um sinal amarelo pois a indústria tradicional reúne setores como têxtil, calçados, móveis, artefatos plásticos e similares, que são exatamente os menos propensos a ciclos de preços e que, comparativamente às indústrias de commodities ou de maior conteúdo tecnológico, apresentam competitividade internacional mais sensível ao nível da taxa de câmbio efetiva.
O real valorizado também está impactando negativamente a conta de serviços, como previsível. Nesse caso, nos dez primeiros meses de 2010, o déficit já acumulado pela conta de serviços é de US$ 55,7 bilhões, ante déficits de US$ 34,3 bilhões e US$ 19,9 bilhões em iguais períodos de 2007 e 2004, respectivamente. Interessa ressaltar que mesmo sendo o Brasil pouco presente no mercado internacional de serviços empresariais, os déficits estão começando a se avolumar, como provam os resultados negativos de US$ 2,7 bilhões para serviços de informática ou de US$ 11,1 bilhões para aluguel de máquinas e equipamentos. É essa tendência de incremento do déficit em serviços que faz do superávit no comércio de bens um elemento ainda mais estratégico para a boa evolução das contas externas brasileiras.
O problema é que se o câmbio apreciado está produzindo os efeitos previstos, aprofundando o déficit na conta corrente, o contrário não está funcionando como o esperado. No regime de câmbio flutuante, o déficit crescente deveria provocar a necessária desvalorização da taxa cambial, ao contrário do que vem ocorrendo. A razão para isso, que é de conhecimento geral, é a entrada maciça de dólares pela conta financeira e de capital, que nos dez primeiros meses de 2010 já chegou a US$ 89 bilhões. É evidente que, na lógica do câmbio flutuante, deveria caber à conta corrente o papel de boia de nível da flutuação. A conta financeira deve ser vista como uma intercorrência, que pode amplificar ou restringir os efeitos do mecanismo básico de controle. E aí que o problema deve ser atacado pela política econômica.
Talvez se tivesse sido alcançado antes, o Consenso de George Washington pudesse ter ajudado a manter a taxa de câmbio, que havia espontânea e convenientemente se desvalorizado logo após o estouro da crise financeira global no final de 2008, em um patamar melhor para enfrentar a guerra cambial que agora está no centro da preocupação dos economistas. Resta saber qual será o custo de tempo perdido. Feliz ano velho para todos nós.
David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade
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