A metáfora do farol amarelo

   A eleição passada apresentou-se como um farol amarelo para o PT. O que Dilma fez foi acelerar o carro para não perder a vez. Comportamento questionável, mas é bom ressaltar que alguns assaltantes a aguardavam na esquina. Enfim, com um frio na barriga, ela passou o farol. Acontece que o fluxo de veículos nunca foi muito intenso nas ruas em que trafega e chegou a hora de brecar. Há um desconforto, os passageiros sentem o tranco, reclamam da inabilidade da motorista. Os assaltantes indignados correm atrás com seus revólveres em punho, mas estão a pé. A viagem é longa, helicópteros jogam pregos no asfalto, a motorista segue desviando. Aos poucos, o carro retoma seu ritmo normal, com as costumeiras rajadas de vento, devagar e sempre. Tentarei explicar esta metáfora.

   Sou mais otimista do que a maioria. O governo Dilma tem um projeto de país consubstanciado no PAC e nos programas sociais. O que alguns veem como voluntarismo da presidenta, para mim é propósito e virtude. Por força da disputa política acirradíssima, este projeto de governo nem sempre avança, mas isto não quer dizer que seja inconsistente. Para tocá-lo adiante, as principais variáveis econômicas e políticas estão dadas.

   No campo da política, a bolha do impeachment se esvaziou. A grande ameaça representada por Eduardo Cunha foi afastada. Temer e Renan (este também nas cordas) fazem jogo dúbio, mas qual a novidade nisso? O PMDB também engole seus sapos. Confusões no Congresso existirão sempre, mas o importante é que grandes jogadores do mercado tiraram o time de campo em relação ao golpe e tudo indica que o Cabo das Tormentas foi cruzado.

   Na economia, temos vários sinais positivos. Para vê-los, é preciso analisar o contexto sem as miudezas temporais do noticiário. O ajuste cambial segue em curso e a balança comercial, ainda que inicialmente fruto da queda das importações, registrou seu melhor valor desde 2012. E mesmo com esta necessária alta do dólar, a inflação tem viés de baixa para 2016. Não poderia ser diferente, pois os quase 10% deste ano são resultado da contenção dos preços administrados praticada no período pré-eleitoral, fato que não se repetirá. Em agosto, por exemplo, houve deflação de preços dos alimentos, segundo dados recentes da FGV. O considerável investimento estrangeiro direto, na casa dos US$ 60 bilhões, seguirá financiando parte importante de nosso deficit em contas correntes, uma vez que a crise econômica é grave em muitos países e, por mais que escondam, o Brasil parece promissor aos olhos da economia real estrangeira. Resta saber como se comportarão os juros, porém tudo leva a crer que a trajetória ascendente terá inflexão em sentido contrário a partir de agora. Com os juros caindo e o dólar subindo, o setor industrial deve sair dessa pasmaceira. Os empresários tenderão a realocar recursos estacionados no sistema financeiro para programas de investimento e, quem sabe, inovação. Com isso, os excelentes níveis de emprego anteriores se restabelecem.

   Dilma deve preservar ao máximo suas políticas sociais e fincar pé na educação. O pré-sal alcançou a casa de um milhão de barris diários. Embora os preços do petróleo estejam em baixa, a destinação dos royalties para educação será permanente a partir do ano que vem. Acredito que o mundo ainda vá consumir muito desta comodity chamada petróleo, mesmo que isto não seja tão maravilhoso sob outros aspectos.

   Tudo isso pode significar polianismo de minha parte, principalmente aos olhos de quem anda intoxicado com a fumaça ácida expelida pela midiazona, todos ressentidos com a derrota eleitoral. Aceito a pecha sem dor, afinal a todo ponto cabe um contraponto. Não espero um mar de rosas, pois persiste uma gravíssima crise mundial lá fora e aqui dentro o combate é renhido. De todo modo, tragédia é que não haverá. Enquanto isso, acompanho o final arrastado e melancólico deste terceiro turno eleitoral, ouço o ranger de dentes, vejo corpos que se estrebucham. Sigo tudo a uma certa distância, fora da caverna platônica, tudo na perspectiva de tempo mais largo que constrói a nossa história.

 

Redação

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