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Criança diz cada uma

Dia desses saí com a neta Clarinha e a caçula Dodó. Cacá contava a história de um desses filmes trash em cartaz. No  banco da frente, Dodó ouvia de modo compenetrado.

– Aí, sabe, Dodó, os dois irmãos nasceram grudados.
– Irmãos siameses, completou Dodó.
– Mas você não entende: o cientista grudou a cabeça no traseiro do outro (o nome dessa excrescência é “Centopeia humana”.
– Irmãos siameses em posição estranha.
– Aí a cara do outro ficou amassada.
– Cara levemente deformada.
Aí interrompi a conversa para alertar que se ousassem me propor o filme, haveria imediato rompimento da nossa amizade.
Espaço liberado para pais e avôs ridículos como eu contarem a gracinha da cria.

 

Da Folha de S. Paulo

Por Rosely Sayão

OUÇA BEM

Ouvi uma avó lamentar, recentemente, o fato de não ter registrado por escrito as coisas que seus filhos, hoje adultos, falaram quando crianças.

É verdade: um bom ouvinte é capaz de reconhecer frases sensacionais criadas por crianças e histórias simplesmente encantadoras que elas nos contam.

É impressionante como elas são capazes de expressar o que sentem e pensam de maneira genial, criativa.

Devo concordar com essa avó: é uma pena termos perdido a memória de muito do que já ouvimos de filhos, alunos, netos e outras crianças com quem convivemos.

Uma professora de educação infantil tem o costume de escrever em um caderno tudo o que escuta de seus alunos e julga digno de nota. De vez em quando, ela relê esse material e se emociona com tudo o que já testemunhou.

Essa é uma dica para quem tem filhos pequenos: anotar as frases que merecem ser lembradas e, mais tarde, presentear o filho com esse caderno de registros.

Uma das histórias que essa professora me contou merece ser compartilhada com você, caro leitor. Alguns anos atrás, ela acompanhava uma classe de crianças de quatro anos. Um dos aluninhos, peralta ao extremo, costumava morder seus colegas quando esses o atrapalhavam. E isso era motivo para muitas reclamações das mães dos colegas de sala e da própria professora, que nem sempre conseguia se antecipar ao garoto para impedir a mordida.

Pois bem: um dia em que a professora estava com a paciência um pouco curta, o garoto foi lá e soltou uma bela mordida no colega que recusou a companhia dele em uma brincadeira. 

A professora não teve dúvida: sentou ao lado do garoto e soltou um longo discurso a respeito do que podia e não podia acontecer na sala, de que colega precisava ser respeitado etc. e tal.

Ela só se deu conta de que a sua fala fora exagerada ao ouvir a resposta do menino: “Professora, eu mordi pouco, mas você falou muito!”.

Pensando bem, um ouvinte atento não apenas grava na memória frases incríveis como essa, mas também reflete sobre o que escuta e aprende muito a respeito de si mesmo e de como se relaciona com o mundo infantil e com as próprias crianças.

Essa professora, por exemplo, disse que aprendeu a ser uma professora melhor depois de dormir muitas noites com a frase do menino na cabeça. “Falar menos e agir mais com as crianças é o que de melhor podemos fazer por elas”, relatou.

Verdade, não é?

Uma leitora escreveu uma vez para contar a dificuldade que tinha de se comunicar com o filho de modo que ele entendesse o que ela queria expressar. 

É: de pouco adianta falar com a criança tendo como referência o mundo adulto e a sua linguagem. E hoje, quando a infância está desaparecendo, fica bem mais difícil para o adulto encontrar uma via de comunicação com os pequenos.

Essa leitora passeava com seu filho de cinco anos pelas ruas da cidade quando cruzaram com um grupo de anões (pessoas de baixa estatura, segundo a linguagem politicamente correta).
O garoto demonstrou perplexidade frente a essa situação por não conseguir entendê-la.

Como aquela imagem não encaixava em seu referencial, ele pediu a ajuda da mãe para dar um sentido ao que via. A mãe bem que tentou, mas não conseguiu ajudar o garoto.

Foi então que ele sintetizou sua dúvida: “Mãe, eles são gente grande ou gente pequena?”.
Foi dessa maneira genial que o garoto fez a mãe entender o que ele precisava saber.

Ouvir as crianças, pensar no que dizem, ficar atento à maneira como elas combinam sentimentos, imagens e pensamentos e traduzem isso em palavras é um ótimo recurso para se comunicar verdadeiramente com elas.

Luis Nassif

Luis Nassif

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