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Desindustrialização, onde?

Atualizado – 9/10/11 – 07:54 horas

Por Miguel do Rosário, em seu blog

Desindustrialização, onde?

Continuo monitorando os índices da indústria brasileira. A acusação de que o Brasil estaria se desindustrializando me preocupou muito, porque, se fosse verdade, então seria um problema sério, que me obrigaria inclusive a rever minha simpatia pelo governo do PT.

Outro dia mesmo li no jornal uma notícia de que a produção industrial havia caído em agosto ou setembro. Essas matérias informam muito pouco, e sempre distorcidamente, porque nunca nos proporcionam uma visão mais abrangente. Até os fatores sazonais são omitidos do leitor. Há meses em que a produção industrial declina, todos os anos, outros em que sobe, por isso é importante sempre você ter em mente um prazo mais longo, para enxergar mais claramente.

Então eu voltei ao IBGE, onde já temos dados históricos consolidados, com atualização até agosto de 2011, para a produção industrial brasileira. Preparei uma tabela cujos dados completos podem ser vistos aqui.

Eis que me deparo com um quadro curioso, mas não surpreendente. Ele é muito bem vindo neste momento, em que os tucanos parecem decididos a fazer um trabalho melhor de “comunicação”, tentando provar aos brasileiros como o governo FHC foi bom. Pois bem, ofereço-lhes – aos tucanos – uma estatística que vai ajudá-los a esclarecer melhor o povo.

Em janeiro de 1995, o índice mensal da produção industrial brasileira de bens de capital ficou em 111,56. A base deste índice, que é igual a 100, é a média de todo ano 2000. Pois bem, repetindo, em janeiro de 1995, este índice estava em 111,56. Passam-se oito anos de governo, e em dezembro de 2002, o índice despencou para 84,47!

Vocês se lembram da imprensa fazendo estardalhaço com esses números à época? Pois deveria ter feito, porque o setor de bens de capital é sempre o mais importante de um país. É a base da indústria. É o setor que produz as máquinas. Tipo: uma fábrica que produz máquinas que serão usadas na indústria de alimentos, ou tecidos, ou automóveis. Quando um governo quer investir na industrialização, ele começa sempre investindo no setor de bens de capital.

Deve-se olhar portanto sempre a evolução do setor de bens de capital para se ter uma ideia clara da situação da indústria brasileira. Problemas pontuais, como os enfrentados pelos setores têxtil e calçadista, sempre vão acontecer, sobretudo enquanto houver anomalias cambiais no mundo, como é o caso da China. É muito difícil para uma indústria brasileira produzir uma roupa a um custo mais baixo que uma chinesa. No longo prazo, porém, com uma economia internacional regulada com inteligência, e corrigidas as anomalias cambiais, esses desequilíbrios vão se resolvendo. Por enquanto, a solução é fazer o que o governo já começou a fazer, embora talvez com excessivo atraso, que é identificar os setores mais prejudicados pela concorrência desleal estrangeira e adotar políticas específicas de fomento.

Fala-se muito do câmbio forte como um fator que estimula a desindustrialização. No entanto, as economias mais industrializadas do mundo há décadas possuem os câmbios mais fortes: Japão, EUA, Inglaterra, Alemanha.

O papo de desindustrialização, aventado inclusive por alguns sindicalistas do ABC paulista, é muitas vezes uma demanda apenas corporativa. Um lobby, melhor dizendo. E o governo muitas vezes se sensibiliza. Há momentos, todavia, em que é preciso deixar que a livre concorrência faça a sua parte. Não se pode culpar o câmbio ou a política industrial do governo em casos em que há simplesmente a incompetência do proprietário de uma fábrica. Não se trata de defender o capitalismo cruel, mas de respeitar um mínimo e necessário darwinismo econômico. Até porque o governo tem recursos limitados, e seria injusto aplicar verba numa empresa falida por incompetência em vez de construir um hospital.

O que o governo pode e deve fazer é gerir uma boa política social, proporcionando aos trabalhadores prejudicados pelo fechamento de uma fábrica um seguro-desemprego com valor digno e cursos de recapacitação, em todo o período que estiver sem trabalho. O absurdo fundamental de um Estado moderno é permitir que uma família não tenha renda. Isso prejudica o próprio capitalismo, porque essas pessoas também não vão consumir nada. Por isso as principais economias capitalistas do planeta são as que possuem os maiores programas sociais. Os EUA, a fortaleza global do capitalismo, tem um programa de Fome Zero desde o final da segunda guerra, com distribuição de tickets de alimentação para dezenas de milhões de americanos.

Voltando aos índices industriais, repare que estes cresceram de 88,41 em dezembro de 2001, para 209,45 em agosto de 2011. Ou seja, enquanto na gestão tucana o setor de bens de capital sofreu um acentuado declínio, nos quase dez anos de governo petista, o mesmo setor mais que duplicou no Brasil (cresceu 140% para ser preciso)! E pode-se constatar facilmente que avançaria ainda mais não fosse o recuo em 2009, provocado pela profunda crise financeira que abalou o mundo.

Nos outros setores da indústria, temos números parecidos: estagnação durante o governo FHC, e forte expansão na era Lula. E o que é melhor: a indústria continua crescendo este ano, com destaque para o setor de bens de capital, que é, como eu já disse, a menina dos olhos quando se trata de industrialização.

Atualização – 9/10/11

PS: Esse post foi publicado no blog do Nassif, e alguns comentaristas contestaram-no dizendo que esse aumento na produção de bens de capital teria se dado apenas por crescimento de encomendas de empresas como Vale. Bem, a Vale é a maior empresa privada do país, e se ela está encomendando máquinas, isso é ótimo. É óbvio que a industrialização brasileira é liderada por suas principais empresas. A Vale decidiu, após muita pressão do governo, e talvez mais ainda em função do interesse de suas concorrentes em montar siderurgias por aqui, investir na transformação do ferro em aço. Enfim, a pior coisa que pode acontecer é a gente transformar um assunto desse em papo de botequim, como sempre acontece quando as pessoas se limitam a fazer observações tais como: lá em Pindamonganba, fecharam 3 fábricas no ano passado! A atividade industrial hoje é muito dinâmica e concorrida, em vista do alto nível de especialização em que se encontra o capitalismo mundial. É normal, infelizmente, o fechamento de fábricas. O que deve nos preocupar, porém, é o nível geral da indústria no Brasil, e sobretudo, reitero, com o setor de bens de capital, que é a base da indústria.

Então eu retornei outra vez ao IBGE e achei a tabela abaixo (dados completos aqui), com a evolução dos diferentes segmentos do setor de bens de capital nos últimos anos.

Por ela, pode-se ver que um setor de bens de capital que vem sofrendo queda nos últimos anos é o do aparelhos de comunicação (celulares, etc). É lamentável, mas visto que o Brasil sempre produziu quantidades insignificantes destes equipamentos, não é nada que provoque nenhuma mudança drástica em nossa economia ou nas taxas de emprego. O mais grave mesmo é a queda no setor de materiais elétricos, que vinha apresentando um crescimento substancial até o fim de 2008; no longo prazo, porém, este setor também vem crescendo, já que o índice passou de 96 em dezembro de 2002 para 150 em agosto deste ano.

Eu não quero tapar o sol com a peneira. Tenho consciência que deve ter fábrica fechando em algumas partes do Brasil. A concorrência global é feroz. Estou questionando (questionando, não negando) a tese da desindustrialização, que ainda não vi refletida em nenhuma estatística. A pior coisa que pode acontecer com um país é sofrer um processo de desindustrialização, mas isso é diferente de haver mudanças, até mesmo estruturais, na realidade industrial de um país, com declínio de um setor e aumento em outros. Isso faz parte do capitalismo e reflete esse darwinismo econômico que é inevitável e cujos efeitos sociais devem ser tratados atentamente pelo Estado em questão, através de uma política trabalhista voltada a amortecer seus danos.

 

Redação

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