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Mito das eleições – Francisco Bosco

Mitos das eleições
Francisco Bosco 

‘Não se deve brigar com amigos por política’

• “Não se deve brigar com amigos por política” — Perder amigos é (quase) sempre triste, mas considero mais nobre perdê-los por questões públicas, onde o que está em jogo são diferenças de visão do mundo, do que perdê-los por mesquinharias imaginárias (rivalidades estritamente privadas etc.). Para mim, a amizade é um afeto não apenas de âmbito, mas também de natureza privada. Não é um laço fundado em afinidade moral (como pensava Aristóteles, que tinha como realidade a sociedade grega antiga, tão diferente da nossa), mas em uma sintonia perceptiva, uma sensibilidade especial ao modo de ser de algumas pessoas entre si.

Por ser de natureza privada, a amizade pode se chocar com diferenças de natureza pública entre os amigos. Considero lamentável quando o conflito é apenas o estado narcísico da diferença — mas quando se trata de debates onde o que está em jogo é a interferência na vida da coletividade, não se pode simplesmente recusá-lo. Há diferenças de visão de mundo que, quando claramente explicitadas, podem não acabar com uma amizade; mas há outras, muito profundas, que são incontornáveis.

•“Marina derreteu por causa da campanha agressiva do PT contra ela” — Isso é sem dúvida apenas em parte verdadeiro. Desconfio que uma parte menor. Marina subiu como um foguete nas pesquisas quando sua candidatura ainda era difusa. À medida que precisou mostrar concretude, foram suas próprias contradições e hesitações que a fizeram perder votos (a propósito, quando li sua lista de exigências claramente colocadas como condição de apoio a Aécio, pensei: “Como seria bom se tivéssemos uma candidata assim”. Só que, ops, tivemos, e ela não foi assim).

•“O Brasil quer mudança” — Esse slogan é repetido tanto pela situação quanto pela oposição, mas com significados opostos. Para a campanha do PT, o Brasil quer “mudar mais”, no mesmo sentido em que já vem mudando há 12 anos. Para Aécio e Marina, o slogan é a forma verbal sintética do sentimento antipetista, esse sim a maior mudança dessa eleição, seu único fator novo (já que a candidatura de Marina, que se desejava nova, se revelou, em larga medida — infelizmente —, mais do mesmo). Dessa perspectiva, a frase é um mito, não tanto quanto ao diagnóstico, mas quanto ao cinismo de quem mais a profere: o PSDB é tudo no Brasil, menos a mudança. Representa, em sentido extenso, o status quo do país desde a época colonial.

•“Na democracia é importante a alternância de poder” — Esse é o mito correlato ao anterior, uma das inúmeras racionalizações do antipetismo (que é portanto um fenômeno em boa medida emocional). A frase joga com uma ambiguidade velada, de onde retira seu efeito ideológico. Pois é mesmo fundamental que uma democracia assegure a possibilidade da alternância de poder, mas esse fundamento é uma virtualidade, que só deve ser efetivada em caso de necessidade concreta. Quem julga essa necessidade é a população. É a coletividade quem tem o julgamento soberano. Como costuma lembrar Marilena Chaui, o poder é do povo, e esse poder não se alterna.

•“O PT é o partido mais corrupto” — Já li diferentes pesquisas contestando essa afirmação, e nenhuma a comprovando. O PT não é o partido que tem mais fichas-sujas, e não é aquele cujos malfeitos mais lesaram, financeiramente, os cofres públicos. A corrupção é, claro, um mal que deve ser punido com rigor, mas se deve antes à estrutura do sistema político brasileiro (para não falar da estrutura moral profunda da nossa sociedade, onde o laço social é perverso, como diz Maria Rita Kehl). A propósito, algumas das acusações mais comuns contra o PT deveriam ser dirigidas ao sistema político brasileiro, e àqueles que elegem seus representantes. Como exigir, por exemplo, um governo totalmente progressista se ele depende de maioria em casas legislativas largamente conservadoras ou mesmo reacionárias?

•“Fulano tem um projeto de poder pessoal” — Ouvi muitas vezes essa frase, vinda de pessoas da esquerda (a pureza original), contra Marina Silva (a nova pureza). É um equívoco: não importa se a ambição pessoal (sem a qual, aliás, não se chupa nem um Chicabon) é o motor de uma atividade pública, mas sim, e exclusivamente, qual o sentido dessa atividade pública. Se esse sentido for nocivo à coletividade (compreendida segundo o princípio igualitário), então deve ser repudiado; se favorecê-lo, devemos é querer as mais ambiciosas figuras públicas.

•“O PSDB é o segundo turno de estimação do PT” — Marina chegou a pronunciar essa frase, quando estava ainda na disputa, mas quem mais acreditou nela foi o próprio PT. Erro de cálculo: é Aécio, por razões óbvias, quem melhor encarna o antipetismo, quem melhor responde a seus interesses — ou a suas desilusões iludidas.

http://oglobo.globo.com/cultura/mitos-das-eleicoes-14248144#ixzz3GbJFNMMt

Redação

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