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O lulismo e a desafiante do poder, Marina Silva

(reedição de meu post de qua, 13/02/2013 – 15:49)

Caros,

Como dizia Nelson Rodrigues, o assunto quando dito uma única só vez, é como se fosse inédito (*).

Evolução lenta e gradual – a transição da manobra conservadora –, a avenida Brasil na “Nova Era Vargas”, cenário político em mutação, os reflexos do lulismo. Lula na prática, não foi o intérprete desejado, segundo a descrição de Raymundo Faoro, e o ceticismo de Faoro ao Governo Lula, foi revelado nas primeiras horas do governo, que foram também as suas últimas horas, confessado ao amigo antes dos últimos suspiros, entre fevereiro a abril de 2003, “Mino, não confia nesse governo, não vai dar em nada”, dito e feito em parte, Lula contemporizou com os de cima e dormiu com eles por oito anos, mas usou sua intuição no poder, foi pragmático e enfrentou sutilmente as questões sociais, distribuindo quirelas de pão ao povo pobre (menos de 0,5% do PIB), e mudou em parte “a orientação histórica do país”. O eixo político move-se para centro-esquerda. A direita acuada move-se para o centro, mas não sabe o que fazer, sem estratégia para chegar ao poder. “A oposição é um beco sem saída”.

O eixo da luta política no Brasil no último quarto de século, foi vislumbrado brilhantemente por Raymundo Faoro. Um ‘intérprete do Brasil’, pensador orgânico e outsider da academia. Desde seu magistral livro, Os Donos do Poder –Formação do patronato político brasileiro (1958), sua releitura e interpretação da nossa história, desde a dinastia de Avis e Bragança (século XIV), também o livro sobre o “bruxo” do Cosme Velho, Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio (1975), e a primeira eleição direta para presidente, após 25 anos da ditadura, Faoro relendo o passado de nossa história, ele viu o futuro.

No livro Raymundo Faoro – A Democracia Traída (2008), entrevistas gravadas de Faoro entre 1979 a 2002. Sente-se, percebe-se, pelo conteúdo, pelo seu sorriso-maroto machadiano, e quem conhece a história política no período, sabe que era lido, influente e pautou a vida política do país. Dois exemplos, a frase de Mário Covas tentando emplacar sua campanha presidencial de 1989, “precisamos de um choque de capitalismo”, claramente derivada de um pensamento de Faoro, ele havia feito o diagnóstico preciso, a constatação de nossa realidade, “somos pré-capitalista”, a mesma derivação de pensamento mais de três décadas depois, com Janio de Freitas na TV, Roda Viva em 2012, “somos uma sociedade primária”. As trilhas e as raízes de Faoro no século XIX, passa por Euclydes da Cunha – o nascimento do nacionalismo brasileiro. O livro trás análises memoráveis, de cenários e prognósticos prospectivos, mas era cético e alertava, “a única profecia válida é a retrospectiva”.

O arco de minha modesta análise aqui, um pequeno flash no tempo das análises de Faoro, entre o período da Constituição, a eleição de Luiza Erundina em 1988 e a eleição de Collor em 1989. O jogo e as peças que temos no tabuleiro do eixo da política ainda hoje, foi visualizado por Faoro.

Faoro foi um enigma para mim, desde a adolescência, vi por acaso na TV nos idos de 1976-77, entrevista dele sobre a OAB e autor do livro, Machado de Assis; a pirâmide e o trapézio (1975). O que capturou totalmente minha atenção, foi falar de Machado de Assis, era o peso na minha consciência dos livros que faltavam ler sobre o “bruxo”. Mas Faoro somente entrou em meu mundo em 1986, na sua primeira conferência no IEA-USP: “Existe pensamento político brasileiro”, portanto ao ler e reler os livros e as “profecias” de Faoro, fiquei maravilhado, revivi boa parte de minha vida, da nossa cultura da conciliação e hábitos estamentais que vem da colônia, como descrita em Os Donos do Poder (1958). 

É espantoso verificar sua capacidade de análise e o grau de profundidade e complexidade. O método qualitativo ainda é pouco utilizado na academia. O quantitativo e a fragmentação são as palavras de ordem, há um enorme hiato entre um conhecimento e o outro, pois envolve um conhecimento complexo nas mais diferentes áreas do saber, “o saber não é nada além do que as pessoas sabem”. Hoje temos os especialistas e hiper-especialistas, aqueles que sabem cada vez mais de cada vez menos, e no limite, sabem tudo sobre nada.

Deparei-me com estudos de cenários futuros nos anos 90 e novamente em meados da década passada, por estudo de casos, como Pierre Wack na Shell, que se antecipou a crise do petróleo nos anos 70 e 80. Sua história sobre os sacerdotes (profetas) do Nilo, que há cinco mil anos, foram os primeiros meteorologistas do mundo a fazer cenários de longo prazo, analisando o comportamento dos três afluentes do rio Nilo, se a água estava limpa, meio turva ou muito turva, para tentar pré-definir a área de plantio do trigo nas prováveis margens inundadas do Nilo.

Faoro, semanas após a queda do Murro de Berlim e a crise do Leste Europeu em 1989, uma verdadeira “revolução” histórica, disse com uma clarividência que nos intriga e deixa-nos boquiaberto, desejei entender esse conhecimento, essa sabedoria, indaguei-me: Como ele chegou a essas conclusões? Quais caminhos, conhecimentos, sabedoria adquiriu para se chegar a um entendimento complexo dessa qualidade e de assertivas e prospecções sobre o incerto, sobre o futuro?

Para termos um ponto de comparação, entre o que disse Faoro, suas análises, pensamento profícuo e assertivo, como viu de forma clara e cristalina sobre o futuro das tendências globais, logo após a queda do Murro de Berlim e a crise do Leste Europeu em 1989. Comparando-o com o que viram outros intelectuais pelo mundo no período, por exemplo, segundo o pensador Giovanni Arrighi, em descrição recente sobre o pensamento e a visão americana.

Disse Faoro: “Essa revolução, essa mudança no Leste, fez com que nós ficássemos mais insignificantes do que éramos. Quer dizer, os investimentos e a atenção do mundo vão para lá. Nós éramos ufanisticamente a oitava economia do mundo. Com a entrada do Leste no jogo, nós vamos para a 12° se não ficarmos em 15° […] A Europa vai ressurgir. Vai ressurgir a Ásia. Nada disse é bom para nós. De um lado sobra a realidade do atraso, quer dizer, a América ibérica, a África, um setor na Ásia.”

Giovanni Arrighi, em seu último livro “Adam Smith in Beijing” (2007), disse que o primeiro americano a perceber a importância global da China (Ásia) foi Joseph Stiglitz em 2002, Stiglitz é considerado o maior economista americano atualmente. O próprio Arrighi tem artigo publicado em 1993 sobre o milagre dos tigres asiáticos: “One miracle or many?”.

Destaco outros trechos do livro sobre as entrevistas de Faoro, citado acima, para os propósitos do contexto do cenário político brasileiro, reflexos do lulismo e do eixo em mutação.

Trechos da entrevista após a eleição da Luiza Erundina, gravada em 1988 (publicada em 04/01/1989):

Sobre o PT e as “Armadilhas ao PT”: “A única coisa positiva neste período pós-Constituinte foram as eleições municipais, e elas mostraram um partido, e um partido em torno da qual, provavelmente, vai girar todo o jogo político. Um partido que não era nada até 15 de novembro e que no dia 16 de novembro passou a ser o centro de todo debate político….”.  […] “Faoro achava fundamental o PT manter a lealdade ao projeto que o fez nascer e não crescer a qualquer custo. Isso seria uma barreira à fluidez que tomou conta do PTB de Vargas e do PMDB de Ulysses. O entrevistado liga o alerta: Se o PT conseguir esta lealdade, terá condições de superar todas as armadilhas que vêm por aí.” […] “todo o jogo político de agora em diante vai girar em volta do PT, e a reação ao petismo virá, o estamento ainda não está preparado, mas virá e ela será difícil”.

Sobre Brizola: “O azar do Brizola é um cidadão chamado Lula da Silva. Não como pessoa, mas o Lula da Silva como organizador de partido. O PT foi aquilo que o PTB não conseguiu ser, em outros tempos.”.

Trechos da entrevista após a eleição do Collor em 1989 (publicada em 07/02/1990):

“Faoro propõe dois temas aos entrevistadores, o que chamou de ‘um fator menor’, o Governo de Fernando Collor de Mello, no Brasil, e ‘um fator maior’, os acontecimentos do Leste Europeu com a queda do Murro de Berlim e a crise final do regime na União Soviética”

Sobre o ‘fator menor’: Faoro projeto o fracasso do governo Collor, descarta golpe militar e sinaliza em impeachmentou parlamentarismo.

Sobre o PSDB: (…) “Parece-me que, nas circunstâncias atuais ele seria o partido do centro, mas essas situações são móveis. Depende de como vai se constituir, sobretudo, a direita”.

Sobre o PT: “Agora, se o PT não for consciente disse, aonde vamos?” “Pelo amor de Deus, o PT também, se ele é depositário de uma esperança nacional – e nesse ponto é uma esperança ibero-americana-, ele tem de estar consciente disso,…, Eu insisto na responsabilidade do PT, que vai além do que já disse”.

Sobre o ‘fator maior’: “Voltando ao início da entrevista, o senhor falou em um fator maior e um fator menor. Também usou o adjetivo insignificante. O nosso destino é mesmo a insignificância?

Essa revolução, essa mudança no Leste, fez com que nós ficássemos mais insignificantes do que éramos. Quer dizer, os investimentos e a atenção do mundo vão para lá. Nós éramos ufanisticamente a oitava economia do mundo. Com a entrada do Leste no jogo, nós vamos para a 12° se não ficarmos em 15°. Vamos perceber essa coisa fantástica, que somos tão insignificantes como achávamos que a Polônia, a Tchecoslováquia e a Alemanha Oriental eram insignificantes. Quer dizer, vamos fazer uma troca de gentilezas, entre insignificâncias, mesmo porque, em matéria de economia, depois do 7° tudo é insignificante”.

Agora o império soviético acaba, o outro, o norte-americano, permanece?

Não. Se um acaba, o outro não permanece. É uma dialética. […] A Europa vai ressurgir. Vai ressurgir a Ásia. Nada disse é bom para nós. De um lado sobra a realidade do atraso, quer dizer, a América ibérica, a África, um setor na Ásia – e o resto não será mais império de ninguém. […] não porque o imperialismo desapareça, mas porque nós estamos sendo cada vez mais insignificantes para nem sequer constar no mapa do império.”

Diante desse pequeno histórico, profético e profícuo de Faoro, estou tentando ver o quadro e as mudanças no tabuleiro do jogo político, ver com olhos e os sentidos educados, “ver só de ouvir”, segundo o poeta Manuel de Barros, ou segundo o pensador Bachelard, “para ver bem é preciso ter imaginação”. A novidade que se vislumbra, termos duas ou três forças políticas se posicionando na centro-esquerda (sendo duas de mesma origem) e somente uma no centro e centro-direita.

Porém não creio ainda, ser possível visualizar um lance final do jogo para Lula e o PT, seja na próxima eleição, em 2014, ou na década, mas o jogo muda de quadra, pois as “armadilhas ao PT” da qual alertou Faoro em 1988 e pressentiu algo de ‘podre no reino’ em Fev.-abril de 2003, o que viria a ser o caso mensalão e os desdobramentos recentes, com o julgamento e condenação dos acusados, aconteceu a quebra do compromisso de fato e de direito, quebrou-se o encanto lá atrás e agora, quebrou-se o espelho. A questão que fica no ar, sobre a auto-estima e auto-imagem do povo dentro da “Nova Era Vargas”: Em quanto tempo irá ocorrer a quebra da ‘espinha dorsal’ do lulismo?

O futuro do Lula e do lulismo, os sinais de descendência na popularidade do Lula, mas trata-se de um mito, e um mito não morre da noite para o dia, mas as forças da sociedade civil, do estamento, da casa grande, sem uma estratégia política clara, fará de tudo para caçar seus direitos legais, mas um mito é outra coisa, como sabemos dos fatos e casos, como o prefeito atual de Vinhedo-SP, que tempos atrás saiu da cadeia e se elegeu prefeito, agora reeleito para o quarto mandato.

A grande novidade, reflexos do lulismo, Marina Silva, a desafiante do poder:

Os sinais de que o eixo político do país move-se em passos para a centro-esquerda, Marina e a promessa de criação de um partido, claramente sinaliza para a criação de um partido de centro-esquerda, procurando buscar quadros no PT, PDT, PSOL, ela percebeu esse limbo, esse vazio do PT no desdobramento do mensalão. Ela vem traçando uma postura bem diferente da sua experiência no PV com arco majoritariamente liberal e neoliberal e da experiência do PSOL, majoritariamente esquerda. Ela procura ocupar outro espaço, que de certa forma é uma volta as suas origens, a sua história como fundadora do PT, ‘curtida’ no tempo da experiência ao longo da jornada. Que centro-esquerda será, se vingar, só o tempo dirá.

Marina tem penetração em quase todos os setores, seja anti-petistas na oposição, ou nos aliados descontentes no governo, aos números exponencialmente crescentes de ex-simpatizantes do PT, os evangélicos, cristãos conservadores ou não, além da grande ‘onda verde’, a nova ideologia crescente entre as massas dos grandes centros. Procura-se criar, construir uma imagem de um novo mito, para rivalizar com o mito Lula, a mulher guerreira do Amazonas, “o canto do cisne negro” (Heitor Villa-Lobos). Marina não é propriamente uma anti-petista, ou anti-lulismo, lembremos as cenas de como chorou e soluçou ao falar do PT, no seu discurso de filiação ao PV em 2009, sabemos que a desafiante é um ‘lula de saia’ reformista.

É crescente a “aposta na ruptura da polarização entre PT e PSDB” (15-Jan.-13) das últimas duas décadas. Uma polarização entre duas forças de centro-esquerda, foi ventilado em 1989 entre Lula e Brizola, depois em menor grau entre Lula e FHC (Faoro nos ajuda a ver o grau, “o que me surpreendeu não é o FHC querer o poder, é a escada que ele subiu. Ele estava na escada da esquerda e subiu na escada da direita”). Uma polarização entre o lulismo (Dilma) e a desafiante Marina em 2014, e dependendo do fôlego, para além de 2014, será uma novidade, pois Marina é fruto desgarrado do ninho petista, é a ruptura do PT que tem mais força hoje, com o encanto e o espelho do discurso de resgatar a ética na política. Essa será a grande novidade, duas forças de mesma origem, o petismo.

Sobre o partido ser de centro-esquerda, nos movimentos da Marina, o mesmo pode-se dizer sobre a trajetória do PT de ontem e de hoje. Na prática a teoria é outra. O mesmo vale para Eduardo Campos do PSB, que ano passado, como foi registrado pela coluna Rosa dos Ventos na Carta Capital, ele fez um pronunciamento de corar no tumulo seu avô, Miguel Arraes, falou como se o neto de Tancredo Neves fosse ele, e não Aécio.

Enquanto o campo do centro e centro-direita apresenta sinais de fadiga de material, lembremos Faoro, “no desespero, no pânico, a direita procura o golpe”. O novo PSD, de Kassab e Kátia Abreu, se apresenta como partido de centro, mas são ex-“demo” (PD), que é ex-PFL, ex-PDS, ex-ARENA e ex-Partido Conservador que vem do império, como lembra Faoro. Emendando com uma provocação, aquela velha pergunta, agora ao pássaro mineiro, a água de mina, sem cor, sem sabor e sem cheiro: o que pensa Aécio?

Finalizando com o contraditório, sem tese e antítese, a síntese da teoria à prática, Faoro e Marx. “Acho que esquerda ou direita são raciocínios, são criações que estão fora do concreto. No concreto não existe nem esquerda nem direita. Existem interesses que se traduzem em ideologias ou não” (Faoro, p:51). […] democracia significa igualdade e distribuição de renda, […] diferente da Europa, para o Brasil não são descartáveis as referências políticas clássicas como ‘esquerda’ e ‘direita’, […] o debate sobre ‘esquerda’ e ‘direita’ aqui é pertinente” (Faoro, p: 303). […] “Bem, o capitalismo inglês não tem ideologia teórica. Por que o capitalismo alemão tem? Porque lá não existe capitalismo” (Faoro cita K. Marx, p:62).

Pano rápido diante dos novos desafios, “A questão nacional: a modernização” (Faoro, 1992), na “Nova era Vargas” (Wanderley Guilherme dos Santos, 2011), o que temos de sobra (e muita), ideologia e dogmatismo, faltam, entendimento da realidade e utopia. Trocando em miúdos, o que existe de fato, é a luta pelo poder.

(*) Posts anteriores: Reflexos do lulismo: eixo político move-se a centro-esquerda e (09 Fev. 2013); Uma aposta na ruptura da polarização entre PT e PSDB (15 Jan 2013).

Oswaldo Conti-Bosso é engenheiro.

Engenharia de idéias e laços sociais: Quem sou e de onde vim?

 

Meu post sobre geopolítica de 03/outubroQ2013:

 

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