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Será que caiu mesmo a ficha?

Espero estar enganado, mas estou tendo a impressão que ainda não caiu integralmente a ficha – nem a Haddad/PT, nem a Ciro – que seja mesmo bem provável um governo Bolsonaro se consolidar por vias autoritárias. Ainda mais, sendo um governo construído por “aprendizes de feiticeiro”, chefiado por alguém MUITO  desqualificado e autoritário, em meio de uma crise de difícil governabilidade nas atuais circunstâncias, mesmo contando com um congresso provavelmente favorável de início e  se articulando majoritariamente via  bancadas corporativas e religiosas,  bem como constituído de forma a privilegiar a participação de militares com grande capacidade de aglutinação das forças armadas.

Ao me referir a “ainda não caiu integralmente a ficha”, o fiz por me parecer evidente que, no caso do governo Bolsonaro enveredar por uma via autoritária, como me parece mais provável, não estará em jogo, primordialmente, quem disputa a liderança da oposição de um campo político do centro para a esquerda. O fundamental, neste caso, será a consolidação de uma ampla frente democrática de defesa da civilização contra a barbárie, que envolva não apenas movimentos sociais e de trabalhadores, mas também parte importante do Congresso Nacional, da Imprensa nacional e global, Judiciário, Igrejas, parcelas importantes de segmentos sociais que votaram em Bolsonaro, etc.

Se a ficha tiver caído para Haddad e/ou para o PT, espero que eles  já tenham entendido que:

1 – Parcela importante dos 45 milhões de votos do segundo turno em Haddad eram de apoio crítico antiBolsonaro e parte importante dos 55 milhões de votos em Bolsonaro não eram votos fascistas e de negação pura e simples do Estado de Direito, ou mera consequência de fakenews engenhosamente plantadas por mais que tenham indiscutivelmente pesado no resultado eleitoral, mas sim, e de forma importante,  como reflexo da  decepção/desilusão/desespero com a podridão que identificavam no sistema político de representação que tem se alternado no comando do Estado Brasileiro nos últimos 30 anos. Com consequente voto em massa tipo antiPT, dado que o PT passou a ser identificado pela grande maioria do povo brasileiro como uma agremiação entranhada na corrupção institucional do Estado Brasileiro, bem como corresponsável pela crise econômica e política que vivemos  após ganhar quatro eleições presidenciais consecutivas. O golpe Temer-Cunha, de fato, desgastou ao limite forças agrupadas em torno de  PSDB, PMDB e Centrão. Contudo, a miopia do “#PTLá acima de tudo” facilitou que se cristalizasse  uma visão que seríamos  todos farinha do mesmo saco, para a maior parte dos eleitores. Inclusive no grosso dos que se abstiveram ou votaram nulo no segundo turno e até  mesmo em parcela não-desprezível  dos que votaram em Haddad contra Bolsonaro.  E digo isto sem medo de voltar a ser feliz, mantendo minha filiação ao PT desde 1981, mas ainda torcendo para que êle tenha a capacidade de se refundar, como propugnavam  Tarso Genro e José Eduardo Cardozo em 2006.

2 – A capacidade do PT  liderar uma frente democrática ampla é limitada, até mesmo no Congresso Nacional, aonde não iria muito além de uma frente com PSOL, PCdoB, PSB, e eventuais frações bem minoritárias de outros partidos. Muitas das forças que poderiam estar num campo de resistência democrática ao governo Bolsonaro teriam dificuldade em ser atraídas para um bloco liderado pelo PT. Até mesmo pela fantástica resiliência com que “#PTLá  acima de tudo” tem se manifestado sempre que foi possível.

Se a ficha já tivesse caído para Ciro ele já teria percebido que o timing da priorização de uma disputa ressentida com o PT pela liderança da oposição a Bolsonaro tende a se confundir com avidez excessiva pela disputa política e que a grande maioria  dos 45 milhões de votos antiBolsonaro que Haddad canalizou no segundo turno ficaram muito insatisfeitos com sua posição “tipo” voto nulo – inclusive eu, que nele votei no primeiro turno e em Haddad no segundo. Ou, mais simplesmente, posturas como as que assumiu após voltar da Europa,  tendem a se confundir com  uma racionalização de ressentimentos antigos e de campanha,  “acima de tudo”,   por mais justificáveis que sejam estes ressentimentos. Vide Marina, que passou a impressão de se deixar levar por ressentimentos ao PT “acima de tudo” – compreensíveis até – no seu apoio ao golpe Temer-Cunha, mas com isto demonstrou despreparo para liderança política na dimensão que pretendia, terminou se isolando e se desgastando no processo.

De modo que eu sugiro a quem tenha a capacidade de chegar mais perto destes senhores e/ou forças políticas correspondentes que tente mostrar-lhes que não faz muito sentido reincidirem no mesmo erro de sempre e que eu tentei apontar em 10/06/18 num texto em https://jornalggn.com.br/noticia/cenarios-imprevisiveis-avenidas-ja-antes-navegadas-a-vista-por-roberto-hugo-bielschowsky.

Em resumo, torço para que  o campo político do centro para a esquerda se entenda sobre como trabalhar uma frente AMPLA de resistência democrática olhando mais longe ao horizonte do que tradicionalmente tem feito. Ou então estará apenas contribuindo para dificultar a sua formação e/ou empurrar a liderança política do processo para algum “novo” outsider, tipo Joaquim Barbosa…

 

Redação

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