Política

As eleições nos tempos da ditadura, por Luis Nassif

Vivi uma experiência de violência nas eleições em 1984. Eram eleições para governador, com impactos diretos na política de Poços de Caldas. Durante toda a ditadura, as estâncias hidrominerais – Poços entre elas – tinham prefeito nomeado pelo governador. Assim, a possibilidade de eleição de um governador de oposição mudaria a política em Poços. 

Até então, a política local era dominada pelos Navarro Vieira e os Junqueira do antigo PSD (havia Junqueiras da UDN). Na época, o único deputado federal da região era Sebastião Navarro Vieira, de uma cidade vizinha, e simpatizante do integralismo. Com o golpe, tornou-se o contato entre Brasilia e a região.  

No início dos anos 70, Miguel Carvalho Dias, um ex-prefeito de Poços de Caldas, conseguiu junto ao governador Rondon Pacheco a indicação de Ronaldo Junqueira para prefeito. Anos depois, perguntei a Miguel, em um dos almoços periódicos que passamos a ter em São Paulo. Disse-me que ele tinha um hotel perto da Estação da Luz, em São Paulo, que lhe parecia bem administrado. 

Sem eleições, todas as forças políticas da cidade foram cooptadas. 

Em 1974, junto com um grupo de amigos tentei montar um jornal independente, o Jornal da Mantiqueira, semanal. O novo jornal incomodou os poderosos locais, principalmente depois de uma reportagem mostrando que a indicação de Ronaldo tinha sido de Miguel Carvalho Dias e não de Sebastião Navarro. 

Um dia Tiãozinho Navarro, filhos de Sebastião, me chamou em seu escritório e foi direto: 

  • Quanto você quer para passar para o nosso lado.

Expliquei-lhe que fui para Poços para montar um jornal, não uma barra de feira. 

  • Então quanto você quer para parar de escrever contra nós nas entrelinhas.

As “entrelinhas” inspiraram algumas crônicas bem-humoradas de minha parte. Especialmente quando “lançamos” diversos nomes a candidatos a prefeito, provocando um fuzuê nas hostes situacionistas. 

Mas Tiãozinho e Ronaldo acabaram comprando a parte dos sócios, me obrigando a vender a minha. 

Agora, em 1984, era a hora da nossa geração, a do GGN (Grupo Gente Nova) assumir a política definitivamente. Ainda havia uma certa timidez em enfrentar os coronéis locais. Fui alguns fins de semana a Poços para estimulá-los a assumir o novo papel. Chegamos a pensar em lançar um jornalzinho novo. Mas houve divergências em relação à linha.  

Um dos amigos do GGN era o Antonio Neto Barbosa, que chamávamos de Netinho mas que, em São Paulo, era conhecido como Barbosinha. Quando eu estava no 4o do ginásio, organizei a chapa com Netinho (que estava no 3o científico) na cabeça. A chapa foi vencedora mas não pude assumir como vice-presidente por não ter completado 14 anos. 

Netinho queria um jornal que falasse da sanha imperialista contra a Amazonia. De minha parte, queria um jornal que falasse dos problemas concretos da cidade. Acabou não saindo. 

Havia um fato novo na cidade, que foi a chegada do médico Carlos Mosconi, de Andradas. O pai de Mosconi foi um personagem interessantíssimo. Tinha um pequeno avião e rodava o sul de Minas fazendo cirurgias nas cidades sem atendimento médico. Tornou-se muito amigo de Tancredo que, em no período do parlamentarismo, chegou a indicá-lo para uma embaixada – mas não como embaixador. 

Mosconi tinha estudado em Brasilia e morado com Tancredo. 

No grande comício de Tancredo, na cidade, compareci e toquei uma paródia no palanque, em cima  da música “Perpétua”: 

“Ronaldo e o Tiãozinho / já chegaram ao fim da linha / antes de acabar a mamata/ encaminharam a família”. 

Depois, voltei para São Paulo. Nesse ínterim, minha mãe foi hospitalizado para uma segunda cirurgia de ponte safena – ela padecia de hipercolesterol. Aí, esqueci Poços e as eleições e me concentrei no trabalho e nos plantões na Beneficência. 

Na véspera das eleições, os amigos de Poços me ligaram e contaram do clima de terror que se instalara na cidade. Apareceu um delegado ligado aos Navarro, ameaçou prender alguns dos colegas. Mais. Desde o período do Mantiqueira, Tiãozinho e Navarro alimentaram um medo meio supersticioso da minha presença na cidade. Tudo porque, em todos os carnavais eu compunha uma sátira a eles, mimeografava, ensaiava com amigos e com turistas e cantava nos locais que eles frequentavam. O momento máximo era no último dia de carnaval, embaixo do balcão do Pálace Cassino, destinado às autoridades. 

Pois espalharam que eu tinha imprimido um jornalzinho matador, que distribuiria no dia das eleições com ataques à Arena. Por conta disso, PMs mineiros, armados de fuzis, e com uma foto minha, passaram a parar todos os carros que chegavam na cidade. 

Imediatamente alertei a direção do Jornal da Tarde (onde trabalhava), avisei uma ou duas rádios, entrei no meu carro e rumei para Poços. Na cidade, Chavinho, o grande advogado Arthur Mendonça Chaves Filho, entrou com um habeas corpus preventivo. E combinei com o amigo Rowilson Molina nos encontrarmos no posto de gasolina de Mogi Guaçu. Lá, trocaríamos de carro. 

Depois de todos esses malabarismos, cheguei na casa de meu tio Léo, onde os amigos aguardavam. Não havia mais PMs parando carros, imagino que em função do HC de Chavinho. 

Conseguimos o telefone do tal delegado, e liguei para ele: 

  • Fulano, aqui fala o jornalista Luis Nassif. Estou ligando na condição de jornalista. Significa que tudo o que o senhor responder sairá publicado na imprensa paulista.

O valente gaguejou, deu explicações vagas e desligou. Enquanto isto, a cidade era infundada por panfletos dos Navarro, com notícias falsas de que Tancredo tinha desistido de sua candidatura. 

Tancredo venceu as eleições, indicou José Aurélio Vilela prefeito da cidade. Aurélio nomeou vários ex-gegenistas e fez uma administração admirável, pensando no futuro, assim como Haroldo Genofre Junqueira, também prefeito nomeado logo após o golpe, e que pertencia à banda inteligente dos Junqueira. Aurélio morreu cedo, em um desastre besta em Pouso Alegre. 

Pouco tempo depois vieram as diretas, a Constituinte, Tancredo foi eleito presidente. Antes disso, foi feito uma espécie de túnel embaixo da rua Rio de Janeiro, a poucos metros da casa onde nasci, e foi batizado de Túnel Tancredo Neves. 

O que mostra que o estilo político brasileiro é eterno. 

Luis Nassif

Luis Nassif

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