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A contrarevolução na Líbia

Do Estadão

O efeito dominó que vem da Líbia

Uma eventual vitória de Kadafi contra os rebeldes líbios pode aniquilar o vírus da democracia no mundo árabe

16 de março de 2011 | 0h 00

Jackson Diehl, The Washington Post – O Estado de S.Paulo

Desde que o ambulante tunisiano Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo, em janeiro, o levante árabe revelou-se um vírus mutante. É por isso que Muamar Kadafi tornou-se tão importante.

Inicialmente, Bouazizi não inspirou protestos, apenas outros episódios de autoimolação na Argélia e no Egito. Em seguida, o contágio. Na Tunísia, surgiu um movimento secular sob a bandeira da democracia. A classe média do Egito passou a defender a mesma causa. Exércitos aliados dos EUA – na Tunísia, no Egito e no Bahrein – decidiram, um após o outro, não disparar contra o povo e fortaleceram o pacifismo defendido pelos americanos.

Agora, Kadafi, mais uma vez, modificou a natureza do vírus. Sua insanidade fez com que, durante dezenas de anos, a Líbia permanecesse às margens da vida política árabe. A tática da terra arrasada usada por ele, porém, não só deteve como produziu o mesmo efeito no levante pela democracia árabe. Se ele sobreviver, o vírus da repressão, do derramamento de sangue e da autocracia inflexível poderá refluir em toda a região.

TalvTalvez isto já esteja ocorrendo. Nas duas últimas semanas, o Egito registrou perigosos surtos de violência e confrontos sectários entre muçulmanos e cristãos. Por duas vezes, as forças de segurança do Iêmen atacaram a multidão na capital Sanaa, com munição de verdade, e violentos choques foram registrados entre forças de segurança e manifestantes no Bahrein.

Os rebeldes pró-democracia chegaram a um impasse. Argélia e Marrocos silenciaram. Na sexta-feira, na Arábia Saudita, o “Dia da Ira” anunciado pelo Facebook não produziu resultado significativo. E não há sinais de rebelião no país cuja ditadura compete com a de Kadafi em crueldade: a Síria.

Indubitavelmente, no Egito, as forças liberais continuam fortes. Embora ainda desorganizado, o movimento liderado pelos jovens derrubou o primeiro-ministro, o gabinete deixado por Hosni Mubarak e destruiu o quartel-general de sua polícia secreta. Duas personalidades de prestígio, o ex-secretário da Liga Árabe, general Amr Moussa, e o ex-inspetor nuclear da ONU, Mohamed ElBaradei, apresentaram-se como candidatos à presidência oferecendo a perspectiva de uma disputa autenticamente democrática.

Alguns egípcios, porém, acham que o país está próximo do colapso. “Talvez nunca cheguemos a realizar as eleições presidenciais”, disse uma fonte bem informada. A economia, afirmou, continua estagnada. O governo ficará em breve sem recursos para pagar salários. A autoridade está se desintegrando: gerentes de fábrica e líderes sindicais estão sendo contestados pelas bases e a polícia desapareceu das ruas.

Um egípcio levantou questões perturbadoras: “E se a revolta tivesse ocorrido antes na Líbia? O que teria acontecido com o Egito?” E, em seguida, a pergunta óbvia. Numa região como o Oriente Médio, onde um ditador tenta se manter no poder pela violência, o que farão os remanescentes da autocracia egípcia se a desordem aumentar no país? Obviamente, o novo premiê, Essam Sharaf, se preocupa com a questão. Semana passada, ele alertou que já se prepara uma “contrarrevolução organizada e metódica”.

E se Kadafi for derrotado e deposto? Evidentemente, isto não resolveria os problemas do Egito nem provocaria a queda da ditadura na Síria. No entanto, o vírus árabe sofreria nova mutação. A ideia de que os ditadores árabes já não poderão se salvar pelo derramamento de sangue adquiriria nova força e, provavelmente, encorajaria novos levantes em favor da democracia.

E se Kadafi cair com a ajuda militar de França, EUA e de outras potências ocidentais? Para alguns, esses desdobramento enfraqueceriam o movimento revolucionário árabe por causa da introdução de um elemento estranho. O mais provável é que ocorra o oposto. Basta perguntar a um dos principais adversários da intervenção, o colunista George Will, do Washington Post.

“As multidões do Egito observaram e aprenderam com as multidões da Tunísia”, afirmou Will. “O governo líbio observou e aprendeu com o destino dos governos tunisiano e egípcio. E decidiu lutar. A intervenção dos EUA na Líbia encorajaria outros povos irrequietos a esperar a ajuda militar americana?” A resposta é talvez. E mais uma pergunta. Se surgisse na Síria um movimento de oposição que pedisse ajuda ao Ocidente, isto seria um desastre? / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

É COLUNISTA 

Luis Nassif

Luis Nassif

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