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A transformação do Hezbolah

31/03/2011 – 10h03
A transformação do Hezbolá

Por Mona Alami, da IPS

Beirute, Líbano, 31/3/2011 – O crescente peso do Hezbolá (Partido de Deus) no Líbano o colocou em situação difícil ao ter de conciliar os interesses nacionais de seus seguidores xiitas e os de seus patrocinadores iranianos. “O Hezbolá está em um período de consolidação, se preparando para a próxima guerra com Israel”, afirmou Nicholas Blanford, correspondente da revista Jane’s Defence, que prepara a publicação de um livro sobre a ala militar desse partido.

Arraigado na população xiita do Sul do Líbano, o Hezbolá conseguiu se reinventar nos últimos anos. A organização começou como um grupo armado conhecido por suas ações terroristas, como o atentado de 1983 contra a embaixada dos Estados Unidos em Beirute, que deixou 60 mortos. Após o fim da guerra civil de 1975 a 1990, o Partido de Deus se transformou em um movimento de luta contra a ocupação israelense no Sul do Líbano até 2000, quando as forças do Estado judeu se retiraram do território.

Atualmente, o Hezbolá é um partido político nacional que mantém uma força militar paralela às forças armadas regulares. Ao longo dos anos, a organização aprendeu a incidir na política libanesa a seu favor, frequentemente com o uso da força. “Porém, os objetivos políticos do Hezbolá – libertar Jerusalém e criar um Estado islâmico – nunca mudaram. O Partido de Deus entende a realidade libanesa, o que faz com que o último seja mais difícil”, disse Nicholas.

“O partido afirma que ideologicamente defende a criação de um Estado islâmico, mas aprendeu que não é um programa político prático, pela natureza confessional e sectária do Líbano e pela oposição que enfrentará por parte da maioria da população, tanto cristãos quanto muçulmanos”, concordou o analista político Jospeh Alagha. Sempre pragmático, o Hezbolá escolheu, no momento, arquivar sua ideologia e adotar um enfoque mais “pé no chão” e afinado com a população e, mais importante ainda, com seus aliados cristãos.

Além de sua ideologia religiosa, o Hezbolá também teve de negociar a legitimidade de suas armas após a retirada de Israel do território libanês. A organização evita o assunto desde 2000, com o argumento de que o Estado judeu continua ocupando fazendas de Shebaa. Contudo, a libertação de Shebaa é um assunto controvertido porque não existe acordo sobre a quem pertence. O Hezbolá afirma que é território libanês, mas Israel diz que é sírio. Durante o impasse, o debate sobre a “resistência armada” foi proposto até que a Síria se retirou deste país em 2005.

“Outra questão delicada na história do Hezbolá é, certamente, a retirada da Síria do Líbano”, disse o pesquisador Kassem Kassir, especialista em movimentos islâmicos. Até 2005, o Hezbolá encontrou na Síria um aliado dócil que protegeria e justificaria seu uso das armas. Entretanto, o fim da ocupação síria fez ressurgir o debate já que o Partido de Deus é o único grupo armado do Líbano. “O Hezbolá deveria adotar um enfoque mais defensivo em questões internas e externas, que lhe permitisse proteger seu programa de resistência”, acrescentou Kassem.

O novo equilíbrio de poder não contou com o apoio geral da população. Muitas das pessoas que haviam apoiado a resistência do Hezbolá pediram que se integrasse ao exército libanês. A situação levou a uma divisão entre o movimento 8 de Março, encabeçado pelo Partido de Deus, e o 14 de Março, liderado pelos sunitas. A situação entre ambos ficou tensa em 2006, quando o Hezbolá sequestrou dois soldados israelenses e matou outros três em uma emboscada, resultando em uma guerra de um mês que custou a vida de mais de 1.200 civis libaneses. “Irã e Hezbolá sabem que a guerra de 2006 teve um custo alto”, destacou Nicholas.

Após o enfrentamento com Israel, o Irã enviou dinheiro ao Líbano para sufocar qualquer discrepância que pudesse surgir dentro da comunidade xiita. E seus planos de ter maior poder político não acabaram aí. O partido pôde se impulsionar internamente em 2007, mediante uma mobilização no centro de Beirute que reclamava um “presidente de consenso” e poder de veto no novo governo depois de o movimento 14 de Março ter sido o mais votado nas eleições.

O Hezbolá aprofundou suas reclamações em maio de 2008, quando enviou homens armados para Beirute e certos povoados montanhosos em protesto pela ofensiva do governo contra sua rede ilegal de telecomunicações. Outros enfrentamentos violentos aprofundaram a brecha entre xiitas e outras comunidades. “O Hezbolá opera essencialmente em torno de dois polos, sua obediência ao sistema Wilayat al Fakih, do Irã, e sua obrigação com seus partidários xiitas”, disse Nicholas.

A teoria Wilayat al Fakih, promovida pelo aiatolá Khomeini como uma das bases da Constituição iraniana, diz que os magistrados religiosos devem liderar os governos islâmicos. Nos últimos anos, está claro que o Hezbolá está diante do desafio de combinar as duas exigências.

O líder do Hezbolá, Sayyed Hassan Nasrallah, não se absteve de fazer duras declarações contra países árabes favoráveis ao Ocidente, como o Egito, e, nos últimos tempos, o Bahrein, onde foi reprimido com violência um protesto organizado pela comunidade xiita. As duras críticas contra esse pequeno país insular do Golfo tiveram repercussões locais significativas. O Bahrein deixou de fornecer vistos aos xiitas libaneses por causa do discurso de Nasrallah. A medida foi tomada após a expulsão em 2009 de membros dessa comunidade dos Emirados Árabes Unidos por razões semelhantes.

O caminho que o Hezbolá transita parece se estreitar cada vez mais. Se estourar um conflito entre Israel e Irã, sobre o qual especulam muitos analistas e figuras políticas, sua imagem decairá de forma significativa aos olhos de sua comunidade. Envolverde/IPS

(IPS/Envolverde)

http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=88628&edt=1

Luis Nassif

Luis Nassif

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