Categories: Política

Marina Silva e João Santana

Do Valor

Marina encara João Santana

Maria Cristina Fernandes
20/08/2010

Na estreia da fase mais quente da campanha, a competência de João Santana só teve uma rival, Marina Silva

‘Tem idade para ser meu filho e inteligência para ser meu pai.’ O presidente Luiz Inácio Lula da Silva brinda com esse autoelogio a campanha de Eduardo Campos, o governador que mais contemplou e que tem a mais larga dianteira nas pesquisas. Do Madeira ao Chuí, de Pernambuco a Santa Catarina, a política brasileira virou uma só família. ‘Amo, como a meu filho, cada pedacinho deste chão’, diz o programa filial de Ângela Amin.

O pai do Brasil anda sozinho no Alvorada e revela um pensamento que lhe assomou na primeira noite como presidente: ‘Pedi a Deus para começar e terminar bem meu governo’. Não entrega uma carta-testamento, mas o povo nas tuas mãos, Dilma. O verbo está na segunda pessoa. Getúlio optou pelo plural. ‘Vos dei a minha vida’. Lula vai no singular. O povo, vingado, é dele. Só o deixa porque sabe que ela vai continuar o que fez. Terá cuidados de mãe, promete ao pai que se confessa saudoso.

Na estreia da fase mais quente da campanha eleitoral, a competência de João Santana só teve uma rival, Marina Silva. Na TV, adotou um inócuo formato de Al Gore dos trópicos. Deixou para o debate da Folha/UOL suas verdades inconvenientes.

DeumDe uma só vez denunciou a infantilização dos brasileiros pela campanha governista e escancarou o primarismo da tucana, que, num país de tantas favelas, achou por bem montar um cenário delas na TV.

Além de colocar a família brasileira em prantos na sala, João Santana emudeceu a oposição ao entronizar a primazia da mudança numa campanha de continuidade. Lula mudou o Brasil com estabilidade e sem conflitos. Na mesma estrada que abre e fecha o filme com imagem em película, Dilma vai seguir mudando.

Num debate em que se mostrou inexplicavelmente mais solta do que no da TV Bandeirantes, Marina também foi capaz de resumir numa frase a razão de sua candidatura. Considera-se capaz de ser presidente da República porque o Brasil amadureceu.

Marina e João Santana exibiram seus melhores dotes, cada qual em seu jogo. Dilma faturou o placar da primeira semana por ter sido capaz, como líder da disputa, de participar de um confronto de ideias desengessado sem se desgastar com um adversário traquejado como José Serra.

Dilma parece mais segura para assumir suas limitações de oradora. O programa da TV deixou aparentes vestígios de gagueira. E no debate, a candidata preferiu ler um texto final de mensagem aos internautas a atravessar o mar de palavras desconexas que marcou sua despedida na Bandeirantes.

Tenta cativar a cumplicidade da audiência com sua condição de estreante. Sempre que pode começa suas frases com um ‘ concordo ‘ , ‘ é verdade o que você diz ‘ , num aplicado esforço de humildade. Ainda tem lapsos de hermetismo. Pela segunda vez consecutiva em debate, soltou um ‘ Departamento de Estado ‘ , do nada, como se o organograma do governo americano fizesse algum sentido para o eleitor brasileiro.

A hostilidade ainda a intimida, como ficou claro na pergunta sobre aborto. No dia anterior, havia sido cristalina ao defender sua posição em encontro com sindicalistas. Não vai se meter com o tema num país onde a saúde pública está em frangalhos. No debate, saiu em defesa da lei em vigor sem conseguir explicá-la.

Na ausência de um Plínio a importuná-la com a buzina de ecocapitalista, Marina foi pra cima de Serra com uma indignação que beirou a sinceridade com o descaso pela educação paulista.

A investida talvez se explique porque a candidata pode ser uma das maiores perdedoras de uma disputa de turno único. Não entrou na campanha para faturar em cima de mensaleiros, mas para vender seu peixe por um preço melhor do que o regateio dos últimos governos.

É num segundo turno que uma posição como essa se fortalece, seja para negociar com a favorita dias melhores para o ambientalismo, seja para se unir ao adversário na tentativa de levar o butim. Com um turno só, ainda terá que ralar para tirar seu peixe da xepa.

Como Serra tem caído nas pesquisas sem que Marina esteja herdando esses votos, a estratégia ainda está por se mostrar viável. Por incertos que sejam seus resultados, demonstra que a campanha tem rumo, coisa que Serra conseguiu sepultar para a dele.

Na TV, ele é o Zé que quer o boné do Da Silva. No debate, o Brasil é governado por um bando de aloprados que eleva impostos, quebra sigilo e loteia a máquina pública. Mostrou boa forma na ironia contida do retrovisor de Dilma que supera seu para-brisas, mas extrapolou na agressividade.

Se Lula se excede no paternalismo, Serra solta as rédeas no personalismo, ao vivo e gravado. Na TV há um momento em que atribui as filas dos hospitais a um jogo de empurra do funcionário para prefeito, governador e ministro. Com ele, o problema vai ser do presidente. No mesmo programa, diz que vai conseguir resolver os problemas do Brasil porque já foi prefeito, governador e ministro. O telespectador fica sem entender se carreira pública tem serventia ou se o único mandato que vale é o de presidente.

Se no programa de TV a campanha petista foi capaz de despolitizar até Bertold Brecht, no debate a política emergiu. Durante seus intervalos, subiam para assessorar Dilma, além de João Santana, o presidente do seu partido, José Eduardo Dutra, e o homem de Lula na campanha, Antonio Palocci.

Em torno de Serra, amontoavam-se seus assessores de imprensa e os submarqueteiros, de quem o candidato também escapava parece que para saber a opinião da filha sobre seu desempenho. A política estava ausente, assim como do entorno de Marina, com um séquito igualmente técnico. Em Marina a ausência orna com o voluntarismo estudado. Na roda de Serra, a sensação é de estranhamento.

Sérgio Guerra, presidente do PSDB, estava ali bem postado na plateia, mas exibia uma intimidade com o desempenho de seu candidato proporcional ao percentual de votos de Serra em Pernambuco. Do alto dos 80 milhões de votos que já amealhou no país, como o candidato tucano alardeara ali, ficava realmente difícil imaginar que alguém poderia ousar lhe dar um conselho.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

E-mail: mcristina.fernandes@valor.com.b 

Luis Nassif

Luis Nassif

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