Por Sergio Saraiva
Houve tempo em que, como em uma oração em um templo sem religião, a evocação do nosso nome gerava no peito o sentimento de pertencimento, o calor reconfortante da solidariedade e dos grandes sonhos coletivos construídos de pequenos sonhos cotidianos.
Hoje, o termo que nos designa tem a irrelevância que é dada a palavra povo, que é dada a palavra gentes. Não por acaso, já fomos sinônimo de povo, de gente e de gente do povo.
Hoje, abro os jornais e as manchetes nada falam de nós. Tornamo-nos invisíveis.
Não andamos mais pelas ruas em uniformes que nos tornavam um respeitado exército sem armas e sem patentes.
Houve tempo em que o poderoso patrão dos papéis e das palavras, o proprietário de tudo que se move pelo etéreo temia que nos revoltássemos se víssemos nele nosso reflexo invertido. Então, usando seus pesos e medidas, premiava os que dentre nós julgava ser padrões. Cínico e velhaco adulava-nos. Queria-nos gratos, subalternos e servis.
Não nos temem mais, tomam-nos por impotentes e emasculados, o patrão passou a premiar a virilidade dos juízes.
Hoje, abro os jornais e as manchetes nada falam de nós. Nossos crimes não são mais motivos para reforçarem os gradis dos palacetes.
A cadeia nunca nos foi estranha. E, mesmo hoje, alguns dos que nos representam estão confinados às masmorras. A elas, como tradição, são mandados sem julgamento ou julgados por leis que a outros não se aplicam.
Mas antes, mandavam para a cadeia os de nós que nos prometiam a perda dos nossos grilhões. Hoje, prendem os nossos que venceram jogando com as regras e as cartas marcadas do patrão. Acusam-nos de roubar no jogo.
Hoje, abro os jornais e as manchetes nada falam de nós. Os corpos dos nossos soldados tombados e as nossas batalhas não são notícia.
Não somos mais revolucionários. Mas já fizemos a revolução.
Já movimentamos e paramos fábrica, bancos e repartições.
Já enchemos com nossos lemas as ruas, as praças e as vilas euclidianas.
E nesse movimento, construímos casas e democracias. E sonhamos, em algum momento, estarmos construindo um país, se não de iguais, de cidadãos iguais em direitos.
Hoje, abro os jornais e as manchetes nada falam de nós. Nossas vidas não merecem mais qualquer traço de preocupação.
Somos como construções inconclusas, obras abandonadas.
Se gritamos, quando não negam a existência do nosso grito, nos surram por gritarmos nas mesmas praças e casas que deveriam ser nossas.
Há tempos chamam nossos velhos de vagabundos, não nos permitem descanso. Tornamo-nos animais de descarte. Se nossas carcaças nada valem depois de mortos, tampouco devem gerar despesas desnecessárias, enquanto vivos.
Tomam-nos o que guardamos para nossas viúvas, o que guardamos para nossas doenças, para a nossa velhice e para os diais em que não houver o que fazer. Dizem que o que julgávamos nosso por direito, não nos pertence mais. Tornaram-nos terceiros de nós mesmos.
Hoje, abro os jornais e as manchetes nada falam de nós. Nossos movimentos estão controlados.
Já fomos as engrenagens dos tempos modernos. Mas hoje, em tempos pós-modernos, não somos mais que do que um dado que não altera o resultado. O que pensamos não é levado em consideração no momento de tomarem as decisões.
Hoje é 1º de Maio, abro os jornais e as manchetes nada falam de nós – os trabalhadores.
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Promessas de um mundo bom
"Seja você mesmo, compre o que todo mundo está comprando!"
Quanto mais queremos crer que temos que protagonizar, menos protagonistas nos fazemos. Lembrei do Cazuza em "Um trem para as estrelas":
..."Nesse filme, como extras
Todos querem se dar bem"
"Não leia revistas de beleza, elas te farão sentir-se feia."
(Mary Schmish, "Advice, like youth, probably just wasted on the young" ou "Use filtro solar")
"Não somos mais
"Não somos mais revolucionários. Mas já fizemos a revolução."
Você se refere ao mundo comunista e suas mais de 100 milhões de vítimas?