O anti-imperialismo é princípio ausente no sistema político brasileiro

O anti-imperialismo é princípio ausente no sistema político brasileiro   

Por Roberto Bitencourt da Silva

O Parlamento é o lócus da negociação e do acordo. Do ponto de vista da esquerda, notadamente no caso brasileiro atual, é o terreno do melhorismo ou, por outra, do menospiorismo. Qualquer crítica pseudoradical ou supostamente revolucionária contra esse fato é só retórica ou desespero por não enxergar ou ter capacidade de dispor de outros meios de ação política. De modo que, outro dia, em votação na Câmara dos Deputados, Marcelo Freixo (Psol-RJ) agiu como podia, na decisão legislativa sobre o pacote anti-crime do Moro .

Mas, Freixo e a esmagadora maioria dos adeptos de pretensas ou circunstanciais ideias de esquerda são espelhos do sistema. Mesmo que na lateral-esquerda, reflexos do sistema imperante. O sistema brasileiro é o sistema da subalternidade da economia na divisão internacional do trabalho, da dependência tecnológica, da desnacionalização econômica, o império do entreguismo, com efeito, o sistema da ênfase conferida aos investimentos estrangeiros diretos, da percepção cultural e política colonizada, euroestadunidensecêntrica, do entendimento que os brasileiros não devem ser agentes e sujeitos da sua própria história. O resto é floreio ou ação e reclamo subsidiário.

Nesse sentido, dias atrás, o vereador carioca Leonel Brizola Neto (Psol-RJ) agiu bem. Promoveu um evento em homenagem ao povo norte-coreano, pelos cem anos da resistência contra a invasão japonesa em seu território. Todo e qualquer país ameaçado abertamente e que se defende do imperialismo, com os heroicos meios, parcos ou não, à sua disposição, precisa ser apoiado, sem mais. Sem o imperialismo, o capitalismo cairia como um castelo de cartas.

O respeito diplomático e político do vereador Leonel Brizola Neto à Coreia do Norte foi oportuno. Contudo, recebeu uma saraivada de críticas, de youtubers a atores políticos da esquerda, sobretudo do próprio partido, como Luciana Genro (Psol-RS) e Marcelo Freixo. Com seu gesto, Leonel Brizola Neto mostrou como muitas de nossas pseudoesquerdas são submissas ao imperialismo: eurocêntricas e alheias às duras realidades da periferia capitalista. Falam de ditadura ou democracia em abstrato, de modo a-histórico e descarnado.

No fundo, têm os parâmetros e os ritos da democracia liberal europeia e estadunidense como critérios de avaliação para nortear suas categorias de classificação do comportamento político nacional e internacional. Na extrema dureza da dependência que tipifica a periferia do capitalismo, como há muito ensinavam grandes pensadores marxistas latino-americanos – como Agustín Cueva, Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro -, democracia tende a não ser compatível com a dependência e a agressão ou a hiperespoliação imperialista do trabalho no capitalismo. Nem favorecida pela asfixia econômica, alimentar e demais pressões e métodos torpes do imperialismo.

A homenagem prestada pelo vereador carioca, assim como os ácidos questionamentos recebidos, em especial por seus pares à esquerda, mostrou que o anti-imperialismo corresponde a uma dimensão política acentuadamente antissistêmica em nossa Pátria. Flor exótica em nossas praias. Precisamos criar forças, organismos políticos e mídias organizadas que veiculem esse tipo de pensamento tão necessário para a compreensão da nossa realidade e dos países que apresentam dificuldades e características comuns, já que dentro dos partidos e organismos da ordem não há espaço.

Coreia do Norte à parte, não custa lembrar aos que nunca se preocuparam em dar uma olhada no balanço de pagamentos, ou seja, dados oficiais sobre nossa economia, disponibilizados gratuita, cotidiana e serenamente pelo Banco Central do Brasil. Refiro-me especificamente a números que demonstram o controle estrangeiro sobre nossa economia, uma faceta, talvez hoje a principal do imperialismo. Considerando o estoque de capital estrangeiro na economia brasileira, desde 1995, giramos entre 6% do PIB e, no ano de 2018, ao ponto de atingirmos cerca de 41% do PIB brasileiro. Pelos números, estamos absolutamente rendidos à espoliação imperialista.

Contudo, o nacionalismo e o anti-imperialismo são interditados ou desconhecidos na gramática política nacional. Colocados para escanteio desde o golpe civil-militar-empresarial de 1964, ou, em caráter mais personalizado e com menor força de interpelação política, desde a morte do avô do mencionado vereador carioca, o trabalhista Leonel de Moura Brizola, personagem impar da História Republicana Brasileira. O anti-imperialismo é tabu. Infelizmente, mesmo nas franjas à esquerda do sistema. Limitação que deve ser superada. O quanto antes.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Redação

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