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Os distribuidores de “santinhos”, por Rui Daher

Nascido em 1945, comecei a me interessar por política, no Colégio de São Bento, participando dos movimentos estudantis voltados às causas sociais, no início da década de 1960. Não demorou para que minhas asas fossem cortadas e o País tivesse as suas fritas.

Nem por isso, depois de 50 anos, foi difícil entender as semelhanças entre o sítio de João Figueiredo, a fazenda de Buritis (MG) de Fernando Henrique Cardoso, e o conteúdo da caixa de isopor que Lula carregava na cabeça, em direção à praia, foto famosa. Tudo a mesma coisa.

Sempre soube disso. Não revelei antes por medo. Desde 1967 e até hoje, alugo minha mais valia para o capital. Antes o industrial, hoje os que sobraram ao emprego.

Agora, no entanto, que o mais importante jornalista brasileiro, Jânio de Freitas, revelou o fato em sua coluna do último domingo na Folha de São Paulo, posso botar minha colher de pau nesse galopé.

Sim, sempre esperei que corruptores e corrompidos respondessem perante a lei. Mas sem descaramento, que aí, de tão óbvias, as ações viram farofa com galhofa.

Nunca, nenhum momento, qualquer período da história do Brasil, estrutura hierarquizada política, econômica, social, ou simplesmente um lugar para você enterrar os ossos, favores e trocas intermediaram as ações públicas. O mesmo vale para pedidos divinos, que tantas são as igrejas e seus reitores.

“Eu conheço um general que pode evitar que seu filho sirva o exército … Meu tio foi eleito para a prefeitura, agora sai o asfalto até nosso sítio em Guarapirocaba … Sabe que não fica muito caro para o padre vir fazer o casamento da Sinhá aqui na fazenda”. Coisas simples, tratando-se de poderes militares, municipais, clericais, de botecos.

Podem ser mais simples as intermediações. Sacumé, aquele negócio do ser humano, sua alma, relações interpessoais:

– O meu filho se formou em engenharia, precisa trabalhar. Conhece alguém na Odebrecht?

– Não mais.

– Minha sogra faz excelentes coxinhas, precisa freguesia.

– Ela já tentou instalar uma banquinha em Higienópolis? Poderia depois franquear o Leblon, no Rio.

E assim a escala vai subindo até reformas em sítios, apartamentos, paetês para fantasias de carnaval, chocolates belgas, até chegar às plataformas de exploração de petróleo. Mudam, apenas, os valores envolvidos.

Na atual etapa do capitalismo financeiro, a roleta é tema de filmes com cenário Wall Street: “vou lançar uma ação, façam os pobres comprarem dizendo que a venda pelo dobro está assegurada”. Como? Não sabem? Assistam àquele filme com o Leonardo di Caprio.

E desta renda podem sair ilhas no Caribe, casas maravilhosas em Cape Cod ou Porto de Galinhas. Thomas Piketty explica.

Conta-se de um ex-presidente, que se fez caçador de imaginários e inocentes marajás, antes nobres de dinastias indianas, e nos fez saber que os carros brasileiros eram carroças e deveríamos todos comprar Lamborghinis. “Ô João Alves da Silva, você aí, de Campos dos Goytacazes, já comprou a sua”?

Pense aí, você meu amigo, produtor se grãos, que planta ou arrenda seus mil hectares de terra e, com isso, conseguiu comprar uma HILUX, apartamento de cobertura em Lucas do Rio Verde. Trabalhou, né?

Agora, imagine se o exército de Moro, com centenas de procuradores, milhares de agentes da Polícia Federal, enfim o “Putsch de Curitiba, resolver investigar sua vida e seus negócios de cabo a rabo, à procura de algum ilícito, mesmo que duvidoso.

Adicione a isso todas as folhas e telas levantando suspeitas e indícios sobre suas atividades.

Na minha infância, meu pai gostava e votava em Adhemar de Barros contra Jânio Quadros. Em época de campanhas eleitorais, me induzia a ficar na beira do Viaduto Santa Efigênia, onde morávamos, distribuído cédulas, “santinhos” e medalhinhas de seu candidato.

Eu ia, mas de meia. Quando criança não gostava de usar sapatos.

É o que Sérgio Moro, sua equipe e sua mídia me parecem, distribuidores de santinhos.

Com uma diferença: vão bem calçados pelo acordo secular de elites que governa a Federação de Corporações. 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

View Comments

  • o seu celular, Rui?

    Se o Moro interpretar o seu celular podem advir problemas, Rui Daher. Joga este troço fora.

    romério

  • Ou...

    Amigo Rui, não sei se a receita do Galopé, ou o seu celular(provavelmente monitorado pelos Grandes Irmãos da PF paranaense)possam gerar processos contra você, mais vai que o Moro resolva prendê-lo pela confissão de que você era explorado enquanto criança, por um cabo eleitoral já falecido, e prenda-o pela teoria do domínio do fato...

    Abração. 

  • Caros Raí e Romério,

    Agradeço a advertência. Quem sabe na receita do galopé, junto ao frango ou galo caipira e o pé de porco, juntar o meu celular? Abraços

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