Discos americanos do Quarteto em Cy, agora, no Brasil

 

Como se diz muito hoje, é preciso contextualizar. Esses dois discos do Quarteto em Cy são importantes pelos seguintes motivos: foram os únicos gravados pelo grupo nos Estados Unidos; nunca tinham sido lançados antes no Brasil; são dos tempos dourados da bossa nova em terras americanas, o que justificava a aventura das então meninas; e as mostram num momento em que os conjuntos vocais tinham muito mais prestígio do que têm hoje.”Pardon my English”, de 1967, e “Revolución con Brasilia!”, de 1968, não sedimentaram uma carreira internacional para The Girls from Bahia — nome alternativo ao original porque este estava preso a um contrato de exclusividade —, mas têm arranjos vocais e instrumentais de muito bom gosto, o que reforça o valor do lançamento do selo Discobertas, de Marcelo Fróes.

Bill Hitchcock, no primeiro disco, e Oscar Castro Neves, no segundo, são os autores dos bons entornos sonoros dados às vozes (sempre em uníssono, sem solos) das irmãs Cybele, Cynara, Cyva e Cylene (substituída por Regina Werneck nas gravações de 1968).

Já as versões das letras são irregulares, tanto do português para o inglês — quase todas de Ray Gilbert, um dos responsáveis pelo estouro da bossa nova nos EUA e por ficar com boa parte da renda que deveria ser destinada aos compositores brasileiros — quanto no sentido inverso. Aloysio de Oliveira (ou Louis Oliveira nos créditos), marido de Cyva, não foi feliz, por exemplo, ao dizer em “Manhattan” (clássico de Rodgers & Hart) que a ilha de Nova York lembra Niterói. É melhor elogiar o Aloysio parceiro de Tom Jobim nas eternamente comoventes “Inútil paisagem” e “Dindi” — ainda que nas versões de Gilbert.

No primeiro disco, outras faixas de destaque são “Tears” (“Razão de viver”, que receberia na década seguinte uma linda interpretação de Sarah Vaughan), “Você”, “Canto de Ossanha” e “Berimbau”. Esta última parceria de Baden Powell e Vinicius de Moraes se repete no segundo disco, no qual também agradam “Edmundo” (“In the mood”) e “Tem mais samba”, que Chico Buarque considera a composição inaugural de sua obra — com melhor resultado nas vozes das quatro cantoras do que “A banda” (ou “Parade”).

Americanices adaptadas como “Oh Susannah” não melhoram a qualidade dos agora CDs, mas eles são valiosos retratos de um tempo de mais brilho do Quarteto em Cy e da bossa nova.

Fonte: O Globo/Cultura, edição de 07/02/2012. Ouça uma das faixas clicando, a esquerda, em O Globo/Cultura.

Luis Nassif

Luis Nassif

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