Em 2007 fiz uma reportagem intitulada “Ítalo Rossi sem cortina de fumaça”. Republico abaixo, como homenagem ao ator:

Fernanda Montenegro percebeu de imediato que Ítalo Rossi parou de fumar.

– Ela é danada. Sacou na hora. Quando nos encontramos, disse: “Você parou, né, Itinho? Porque sua voz voltou ao tom que é” – conta o ator e diretor. – Ela está mesmo mais aberta, não está arranhada. Essa voz de teatro, como diz a Bibi Ferreira, voltou à tonalidade dela.

Foram 40 anos de fumaça, dois maços por dia. Livre do cigarro, o maior ator brasileiro é festejado a partir de amanhã, às 19h, com a abertura da exposição “Ítalo Rossi, mestre do teatro”, com curadoria de Antonio Gilberto, diretor de “Federico García Lorca: pequeno poema infinito”.

A celebração faz parte do 14º Festival de Teatro do Rio, realizado pelo Centro Cultural da Universidade Veiga de Almeida, que acontece até dia 12 no Glauce Rocha. Todo ano, uma personalidade das artes cênicas é homenageada. Para 2007, a produção escolheu Ítalo, de forma a coincidir com os 50 anos de carreira do ator. Só que ele já completou 51 anos de profissão – estreou em fevereiro de 1956, na peça “A casa de chá do luar de agosto”, de John Patrick, dirigido pelo belga Maurice Vanneaux. Mas a diferença de um ano e oito meses não foi empecilho para a homenagem.

A estreia profissional de Ítalo Balbo Di Fratti Coppola Rossi, seu nome de batismo, mereceu comentário elogioso de Paulo Francis. O papel na peça foi interpretado nas telas por Marlon Brando, e o jornalista comparou as atuações: “Marlon é bom no cinema, mas melhor é ver Ítalo no palco.” Francis encerrava a crítica assim: “Nasce um ator e não se deve tocar nele.”

E, de fato, não se tocou no ator que ali surgia. Ítalo nunca fez curso de teatro.

– Minha academia, minha escola de arte dramática, foi o Grande Teatro Tupi, na TV. A gente decorava 80 páginas por semana, durante seis anos. Foram 300 peças, de Shakespeare a Nelson Rodrigues. E outro curso foi ter pegado um diretor no TBC, o Vanneaux, que tinha prazer em dirigir um rapaz que queria fazer teatro. Foi ele quem deu o toque: “Vai, menino, que é isso mesmo que você quer fazer.”

Ítalo não tem ideia de quantos trabalhos fez na vida. Mas foram tantos e de tal qualidade que, só no teatro, ganhou quatro Molières – é o recordista. O primeiro veio em 1975, por “Noite dos campeões”. Mais tarde, nova façanha: foi o único a ser tricampeão do prêmio, ao conquistar em 1985 (“Quatro vezes Beckett”), 1986 (“Encontro com Fernando Pessoa”) e 1987 (“Encontro de Descartes e Pascal”).

– O Miele, apresentador da festa de entrega, já dizia: “Nós vamos abrir mais uma noitada do Prêmio Molière, e, como já se tornou comum, é o Ítalo Rossi mesmo que vai ganhar” – diverte-se.

Perto de completar 77 anos, em janeiro, Ítalo achou por bem tirar férias.

– Fiquei exaurido. Vou dar uma relaxada, devo voltar em março. Foram cinco novelas, além do espetáculo “Duas vezes Pinter”, que levei para Porto Alegre. Fiz também uma participação como um padre no filme do Wolf Maia “Sexo com amor”, que vai ser lançado no fim do ano – enumera ele, que ia fazer também uma peça de Edward Albee, mas desistiu por achar que o papel não ia funcionar.

Ano que vem, foi convidado por Antonio Gilberto para atuar em “Mary Stuart”, de Friedrich Schiller. Também há planos de se fazer um livro – uma fotobiografia – do ator.

Sem ter tanto texto para decorar, fica mais fácil não cair na tentação de acender um cigarro. Ele não diz há quanto tempo parou e explica que a decisão não tem nada a ver com a morte de Paulo Autran. O ator gosta de nadar e viu que não estava se sentindo 100%.

– Má circulação nas pernas. Aí eu disse: “Ítalo Rossi, chega” – diz ele, enquanto exibe o adesivo grudado à pele que o ajudou a parar.

Sem a fumaça, diz ele, o ar na casa melhorou.

– Isso aqui tinha cheiro de cigarro. Ficou mais leve. Eu tinha uma fisioterapeuta que dizia: “Parece que tem dez fumantes aqui dentro.” Eu explicava: “Não, sou eu mesmo.”

Há 30 anos, ele já tinha largado o álcool.

– Ele o embrutece um pouco como indivíduo. Você tem que sair de qualquer jeito. Saí porque decidi. Estava prejudicando a profissão, minha garganta.

Ítalo tornara-se alcoólatra por conta da vida festeira e precisou da ajuda de um psiquiatra para livrar-se do vício. Primeiro ator brasileiro a fazer um transformista (em “Dorotéia vai à guerra”), ele deixa a paixão pelo ofício transparecer em cada frase.

– Encontrei a Rosamaria Murtinho, que disse que eu falei certa vez: “Sou careca, sou feio, faço teatro e posso ser um homem lindo no palco.” Não lembrava que tinha dito isso, mas é verdade. Rei, príncipe, cafajeste, advogado, corno, ladrão, tudo que é possível fazer eu liquidei.

O palco é também, diz ele, o espaço em que “você é dublê de si mesmo”. O irmão caçula de Ítalo morreu aos 28 anos, num acidente. Ítalo fazia a comédia “Com a pulga atrás da orelha”. Ele saiu do Rio para São Paulo às 11h, foi direto para o cemitério, viu o corpo, conseguiu amparar a mãe, seguiu para o aeroporto e fez duas apresentações no próprio sábado, duas no domingo e uma do Grande Teatro Tupi na segunda.

– Você é um outro quando está no palco. Por isso, mesmo com a dor, pode ser aquela pessoa alegre. O teatro o abraça.

Desde pequeno, ele vivia os personagens dos livros que lia.

– Nunca pensei em altura, cor do olho, se era gordo ou magro, e sim na emoção que me traz. Eu sentia o personagem, vivia-o internamente.

Nascido em Botucatu (SP), Ítalo tinha ido fazer um curso de datilografia no Sesc quando viu uma placa que dizia “teatro”.

– Entrei e vi uma multidão. Tinha um homem dizendo “Você fica aqui”, “Você também”. Fiquei. Ele era o diretor. Ganhei um papel mudo, de figuração, na peça “O calcanhar de Aquiles”, no Teatro Municipal de São Paulo. Era só uma aparição, mas eu disse: “Ah, estou em casa.” Foi um achado abrir essa porta.

Para Ítalo e para os espectadores.

Redação

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