A história dos rolezinhos LGBT em Madureira, há 15 anos atrás

Sugerido por Gunter Zibell – SP

Do O Dia

Gays em rolezinho no Rio eram tratados “como bandidos”, afirma transexual

A história da primeira grande reunião gay em shopping da cidade

“Há dez anos eram cerca de mil, mil e quinhentos LGBTs”. A empresária transexual Loren Alexander lembra do período que o quarto andar do Madureira Shopping, na zona norte da cidade, se transformou no principal reduto gay do subúrbio carioca. “No auge daqueles encontros vinha gente do Rio todo para conhecer novas pessoas, fazer amizades”, contou.

Os encontros de homossexuais, travestis e transexuais no centro comercial começaram espontaneamente há 15 anos, segundo a empresária moradora há 39 anos do bairro que dá nome ao estabelecimento. “Madureira sempre foi muito frequentada por homossexuais e com o surgimento do shopping, muitos jovens começaram a marcar de se encontrar lá”. A popularização do acesso á internet foi outro fator que ela acredita ter sido fundamental para o crescimento da frequência no estabelecimento. “Eles teclavam nos chats e marcavam de se encontrar com os amigos, ou conhecer novas pessoas. O shopping virou uma grande referência”.

A internet e o boca-boca fez o “andar gay” do Madureira ficar conhecido rapidamente. Vinha gente da zona norte, oeste, Baixada Fluminense . O rolezinho gay carioca, no entanto, era diferente do visto hoje nos grandes conglomerados comerciais paulistas. Não havia correria ou cantoria nos corredores. Eram grandes confraternizações de amigos e oportunidade para “pegar alguém”.

“O rolezinho dentro do shopping nos dava mais segurança, era uma coisa bonita. Como era num espaço privado, as pessoas se sentiam mais seguras, ficavam à vontade. Os gays juntos se sentiam mais fortes, protegidos. É a importância da multidão pra liberdade de expressão.”, definiu.

“Os encontros serviram para grandes discussões de cidadania. A ideia da Parada LGBT de Madureira nasceu em um desses encontros (a edição de 2013 reuniu 150 mil pessoas). Muitas ações de cidadania voltadas para o público da zona norte nasceram nesses rolezinhos”, contou Loren, que segue na organização da parada do bairro e é presidente do MGTT, Movimento de Gays, travestis e Transformistas.

Frequentador do rolezinho gay, o publicitário Fernando Pereira, 34, destaca a liberdade encontrada no shopping para “ser quem é”. “Quando eu comecei a frequentar os encontros no Madureira eu ainda estava começando a assumir minha sexualidade até para mim mesmo. O fato de ter ido a um lugar que eu encontrava pessoas que tinham a mesma cabeça que a minha foi libertador. Foi um período muito rico da minha juventude. Fiz amizades que duram até hoje”.

“Era uma diversidade muito grande. Ali você via as múltiplas caras da homossexualidade. Numa mesa ficavam os roqueiros, numa outra o pessoal que curtia RPG, os nerds, os adolescentes que saíam da escola direto para lá ainda de uniforme. Para quem como eu só recebia a informação vinda da televisão daquele gay estereotipado, foi um encontro comigo mesmo fundamental para passar a me sentir pertencente a este mundo”, completou Pereira.

Uma funcionária de uma loja localizada no Madureira Shopping, entretanto, não tem boas recordações das tardes e noites de quarta-feira. “Era um pandemônio. Sempre saía confusão, as meninas se batiam, brigavam por causa da namorada uma da outra. A gente ficava sabendo de coisas horríveis, sexo na escada de emergência, nos banheiros. Eu nunca vi, ainda bem. O que eu via é que eles não tinham limites, uma agarração e ainda debochavam da gente”, disse a mulher, que pediu para não ser identificada.

O publicitário admite que, “vez ou outra acontecia alguma confusão”. “Cara, eram 800 pessoas espremidas num único andar. Aquilo era como a praia de um gay suburbano. Quem nunca testemunhou uma confusão entre heterossexuais numa praia? Qualquer lugar onde junta muita gente pode acontecer isso. Eu acho que a grande culpa é da sociedade que por não nos aceitar nos impõe um comportamento de manada, a ficar em grupo para se sentir seguro”, argumentou.

Entretanto, segundo Loren Alexander, os principais problemas partiam dos comerciantes que agiam homofobicamente contra os LGBTs. “Eles chamavam os seguranças para impedir qualquer manifestação de afeto, até mesmo um beijo na bochecha era motivo para acionar os funcionários. Nós éramos vigiados como se fôssemos bandidos”, disse ela.

Loren afirma que as travestis eram impedidas de usar os banheiro femininos. Para acabar com a discriminação, ela passou a acionar a polícia sempre que algum problema acontecia. “Os seguranças não deixavam as travestis usar o banheiro. A gente foi acumulando uma série de reclamações até que a única solução foi chamar a polícia. Os policiais do 9ª BPM (Rocha Miranda) sempre nos trataram muito bem. O caso ia para a delegacia e não dava em nada, morria ali. Porque nós estávamos apenas lutando por nosso direitos, isso não é crime”.

Cinco anos depois, o shopping acabou ficando pequeno para os encontros gays. Os rolezinhos já não ficavam mais restritos ao quarto andar, as confraternizações aconteciam em todo os andares. A fata de espaço e o aumento da repressão da administração acabaram mudando os encontros gays de endereço. Os homossexuais e transexuais foram procurando um novo reduto no mesmo bairro no final da década passada.

E o escolhido foi uma rua escura, com pouco movimento de pedestres: a travessa Almerinda Freitas, não muito distante do Madureira Shopping. O local, antes deserto, chegava a receber duas mil pessoas em meados da década passada. Hoje, o movimento gira em torno de 600 pessoas nas noites de quarta-feira. Mesmo com a redução, ainda assim é o maior point gay ao ar livre do subúrbio carioca.

Loren hoje ressalta que o shopping, sem os rolezinhos, age em parceria com o movimento LGBT do bairro. “Eles divulgam a Parada LGBT, nos dão apoio. É bem diferente daquela época”, realçou. A reportagem do BLOG LGBT procurou o Madureira Shopping. O estabelecimento informou que a administração atual não é a mesma de 15 anos atrás, portanto, prefere não se posicionar sobre o ocorrido naquele período.

Redação

Redação

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  • Gunter
    Acho que o conceito de

    Gunter

    Acho que o conceito de diferente, no Brasil, é algo que de certo modo incomoda. No Brasil, a gente mistura tudo - não somos negros, brancos, indigenas e orientais, aqui, somos miscigenados - que é um eufemismo para "somos todos iguais". No entanto, apesar de sermos todos iguais não somos tratados como iguais. Como nos EUA, o negro no Brasil,  lutou/luta por direitos [compensação por mais de 300 anos de escravidão] e respeito, mas o fim da escravidão e ações afirmativas, nos EUA e no Brasil, não aumentou a popularidade dos negros e, sobretudo, não acabou com o racismo. Isto é, as pessoas, grosso modo, toleram negros, no entanto, os negros no Brasil, e EUA, não são "amados". O pessoal LGBTs, no Brasil, por outro lado, quer ser popular e "amado" por decreto, ou melhor, é proibido não gostar do modo de vida LGBTs sob risco de sofrer um processo por "homofobia". Esse empenho por aceitação, sine qua non, enche o saco até de eventuais simpatizantes da causa LGBTs, e em muitos aspectos, eu sou simpatizante - sou a favor do casamento LGBTs e que, ao lado, do racismo e outros preconceitos e afins, o ódio a LGBTs seja tiipicado como crime. Só não aceito que não gostar de LGBTs, ou do modo LGBTs de vida, seja considerado crime.  E assim voltando ao início, defendo o multiculturalismo - harmonia de direitos e respeito  entre opostos e não amor incondicional entre todos. Ninguém é obrigado a gostar de mim, ou do meu modo de vida, mas todos, e qualquer um, são[é] obrigados a me respeitar.

    A nação LGBTs é multipla e complexa: vai do gay de terno e gravata até o travesti.E aí passando por cross dresser e transgeneros e afins. E isso choca à maioria das pessoas. Carece respeitar esse estranhamento que as pessoas tem com travestis, transgeneros, cross dresser etc, ou até dois homens e/ou mulheres se beijando - as pessoas, qualquer uma, tem o direito de não gostar. Ou, até mesmo de não achar natural, pois se dois homens ou duas mulheres transam dali não será gerada uma criança e, como espécie, o pessoal LGBTs seria condenado à extinção.

    • O que você está falando,

      de que existem processos de homofobia por alguém não gostar do modo de vida LGBT, não existe. É falar de um medo em relação a algo inexistente, é uma falácia, portanto.

      O que existe são manifestações de indignação, que podem incluir o uso da legislação já presente, para combater casos reais de discriminação e disseminação de preconceito.

      E não tem cabimento em alguém dizer que não gosta de como outras pessoas nascem e são. Orientações sexuais não são gêneros musicais. Não se pode dizer 'não gosto de transgêneros' como quem diz 'não gosto de sertanejo universitário' ou 'não gosto de Black Blocs'. 

      Se alguém fizer confusão, não tem problema, os juízes resolvem. Cerca de metade dos processos abertos com base na lei 7716/89 são indeferidos.

      Não carece respeitar manifestações preconceituosas de estranhamento, isso seria aceitar discriminação. Essa negociação simplesmente não está aberta. Ou seja, há quem tente 'negociar' os processos de mudanças sociais estabelecendo limites.

      A visibilidade de LGBTs é um direito como pessoa. Se todas as pessoas podem manifestar afeto em público, LGBTs também podem. 

      Quem é preconceituoso que se trate ou guarde para si. Essa é a conscientização crescente da sociedade. Simples.

  • Gunter
    Se o pessoal LGBTs

    Gunter

    Se o pessoal LGBTs estivesse no "poder" vocês iriam exercitar, melhor, o viés ditatorial que vocês demonstram, grosso modo, sem estar no poder. Eu, como pessoa tenho direito de gostar, ou não, do que, ou de quem, eu quiser. .Cara, você não vai conseguir ser popular, como LGBTs, ou fazer com que as pessoas te respeitem por decreto. Esqueça o Felix. Na televisão aquilo é ficção - a novela e o personagem. Na verdade, o Felix funciona assim como um clown/palhaço, à moda daqueles negros americanos que divertiam as platéias de brancos americanos, negros pintados de branco, no início do século passado. Enfim, o Felix é exótico, e engraçado, e dá para rir com ele, no entanto, ninguém gostaria de ter um filho como o Felix. É apenas circo...

    Na verdade, não dá para dizer gosto, ou não, de transgenero por que, com efeito, transgeneros não existem no dia a dia das pessaos,  a não ser como folclore ou como tema de página policial. Não dá para se dizer que se gosta de transgeneros por que eles não são nada, ou melhor, não são homens por que pensam como mulheres e não são mulheres porque tem corpo de homem. Ademais, depois da operação, não são nada. Sem orgãos reprodutores femininos ou masculinos, são algo como eunucos. ao contrário do que pensam a Judith Butler e Paglia o que define o sexo de alguem é seu corpo e seus hormonios e não a performatividade da Butler ou a bisexualidade da Paglia. Não é atoa que a Organização Mundial de Saúde considera o transexualismo uma doença. E, hoje em dia, vários transexuais se arrependeram da "mudança" de sexo e querem fazer a reversão. enfim, transgeneros são pessoas com transtornos e assim devem ser tratadas.

    O pessoal LGBts, como cidadãos, tem direito a celebrar casamento e outros  beneficios legais. E eudefendo isso. Embora não goste. No entanto, dois homens, e duas mulheres, jamais serão um casal como os outros casais. Não raro, as pessoas se casam para terem filhos e constituirem família e o pessaol LGBTs tem uma esterilidade natural em ralação a isso - óvuilo com óvulo e espermatozóide com espermatozóide não dão em nada. 

    Enfim, as pessoas tem todo o direito de não gostarem de ver dois homens ou duas mulheres se beijando ou de ver homens vestidos de mulher e não há lei que mude isso.

    • Não há lei que mude algumas coisas

      Mas poderá haver leis que restrinjam a disseminação de discursos discriminatórios.

      E há processos sociais em curso mudando coisas que leis não mudam.

      O seu modo de pensar parece decrescente no Brasil.

      Você pode concordar com esse diagnóstico.

      Ou não.

      E, francamente, dizer que 'transgêneros são nada', justo no dia nacional da visibilidade trans, é razão suficiente para não me ocupar mais com o que você escreve.

      • Prezado, mire-se no exemplo

        Prezado, mire-se no exemplo do racismo. E nesse caso é só racismo e não L+G+B+TS. Você está sendo ingênuo. E, sim, transexuais são, como genero, nada. Não são homens e não são mulheres - são verdadeiros eunucos mais sofisticados. O que define o sexo e a capacidade de reprodução, ou seja, útero/óvulos ou espermatozoide. O resto é delírio trans.... Como diz a OMS transexualidade é transtorno, isto é, doença.....

  • Li pela internet e achei legal

    É interessante o processo de evolução do movimento, durante tantos anos, dentro do espaço relatado e, a seguir, o ambiente especial que foi criado nas quartas feiras, numa rua do mesmo bairro, mostrando capacidade de organização, pacífica e necessária para a afirmação daquele grupo de pessoas com um grau de diferencial muito grande como para ser aceitos plenamente em qualquer outro ambiente social. Até o nome de rolezinho achei bastante adequado.

    Tirando esse lugar e essa noite de quarta-feira, acredito que eles devem refletir e entender que, no dia-a-dia, nas ruas, no trabalho, e etc., existe um espaço comum não para ser disputado, mas sim para ser compartilhado, com respeito, educação e discrição.

    Gostei da luta, da organização e da resposta de todo o mundo, até dos comerciantes locais. Pareceu-me um pequeno carnaval alegre, mas também necessário para se expressar plenamente; perante eles mesmos, dos colegas e de novos amigos. Não se trata de um gueto, trata-se de encontrar maneiras de expressão plena, pelo menos em algum momento, e conviver com o resto do mundo, da maneira mais discreta possível. Repito, gostei da matéria.

  • Orlando,

    Alguém com algum conhecimento sobre o assunto, capaz de citar Butler e Paglia, e provavelmente com experiência de vida, vem com esse tipo de "argumento" biologista e falacioso, me desculpe, só pode ser por preconceito: "Não raro, as pessoas se casam para terem filhos e constituirem família e o pessaol LGBTs tem uma esterilidade natural em ralação a isso - óvuilo com óvulo e espermatozóide com espermatozóide não dão em nada"; "se dois homens ou duas mulheres transam dali não será gerada uma criança e, como espécie, o pessoal LGBTs seria condenado à extinção". Sabe muito bem que heterossexuais não transamos para ter filhos, necessariamente. Eu, pelo menos, não. E se homossexuais quiserem ter filhos, terão, incusive filhos biológicos. É o caso de muitos homens e mulheres gays.

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