Cidadania

Justiça reflete valores e necessidades pela lente do homem branco

A necessidade de um sistema judiciário brasileiro mais diversificado, capaz de refletir a pluralidade da sociedade brasileira, é incontestável em um ambiente jurídico majoritariamente composto por homens brancos, e que seguem a mesma religião, a católica.

Com a ausência de representatividade, o Poder Judiciário carece de decisões que estejam alinhadas a valores e necessidades de toda a população, incluindo os grupos mais vulnerabilizados.

A opinião é da juíza de Direito e membro do coletivo Sankofa, Luciana Paiotti, que falou ao programa Ouvindo Vozes da TV GGN que tratou de paridade de gênero nesta segunda (22). A condução é da psicanalista Ana Laura Prates [assista abaixo].

“Ele [homem branco] reflete o repertório dele, mesmo tendo empatia, claro, mas ele não traz a visão do lugar de fala que outras pessoas ocupam, que o negro, negra, a mulher, o homossexual, de maneira nenhuma. Toda essa diversidade maravilhosa da população brasileira precisa chegar nesse espaço de poder”.

De acordo com dados do Censo do Poder Judiciário 2023, a maioria esmagadora dos magistrados brasileiros é composta por brancos (82,7%), homens (59,6%), e heterossexuais (94,6%). Mais da metade se formou em universidades públicas (52,1%) e segue a fé católica (55%).

Embora o Judiciário não seja eleito como o Legislativo ou o Executivo, o órgão desempenha um papel crucial na interpretação das leis que nem sempre acompanham as mudanças sociais, como no caso da união estável homoafetiva reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011 – e que se manteve constitucional mesmo com a proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo pela bancada da Câmara em 2023.

Mesmo com os avanços para combater o sexismo em diversas instâncias da sociedade, os desafios enfrentados pelas mulheres ainda persistem no alto escalão. A psicanalista e apresentadora do programa, Ana Laura Prates, jogou luz aos dados que mostram essa realidade.

Ela cita, por exemplo, o movimento feito por juízes de São Paulo que visa impedir a presença feminina no órgão ao colocar em xeque a Resolução 525/23 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que prevê o ambiente jurídico preenchido por 40% de mulheres desembargadoras.

“Pra vocês terem uma ideia, em alguns tribunais do Brasil não há mulheres, e no tribunal de São Paulo, por exemplo, são apenas 30 desembargadores para 256 homens. Esse assunto, que aparentemente poderia dizer respeito a uma questão interna do plano de carreira dos juízes e juízas, na verdade, é um assunto muito importante para toda a sociedade”.

A necessidade de uma política afirmativa para mulheres

A necessidade de se criar uma política afirmativa para as mulheres foi finalmente pautada no CNJ em 2023. A partir dessa iniciativa, surge o coletivo Sankofa, como uma resposta à necessidade de representatividade no sistema judiciário brasileiro.

O nome afrocentrado, explica a juíza que compõe o coletivo, foi inspirado no pássaro Sankofa, que voa olhando para trás, e simboliza a importância de aprender com a história e construir um futuro melhor.

“Foi um momento de atuação política das juízas, o coletivo nasceu, na verdade, de uma organização, de uma vaquinha para mandar representantes do tribunal de São Paulo para Brasília no dia da votação [2023]”.

“É um desafio muito grande fazer parte, a gente consegue no coletivo aprender muito, porque eu tenho que ouvir todo mundo e eu não tenho a última palavra, é uma construção conjunta, é muito bonito, e assim, o nosso coletivo é bem diverso, juízas em diversas fases da carreira e aposentadas”.

A carreira jurídica

Antigamente, eram necessários dois anos de estágio oficial ou exercer um cargo público durante a faculdade para ingressar na profissão, agora, são exigidos três anos de trabalho no sistema de justiça.

Existem dois critérios principais para a promoção: antiguidade e merecimento, este último incluindo fatores como cursos e produtividade. Em alguns tribunais, há uma lista de merecimento que considera a condição de gênero, explica a juíza, no entanto, é alternativa.

“A gente entra na carreira e tem uma lista de antiguidade e tem a lista de merecimento, a lista de merecimento vai se alternando, quando abre o concurso para desembargadora, abre somente na lista exclusiva, porém a vaga seguinte vai abrir na lista mista, pode ser um homem ou uma mulher, e no critério antiguidade não há nenhuma diferenciação, portanto, só 25% das vezes abre uma lista exclusiva para mulheres. Então, no fundo, a carreira é tempo”.

A progressão na carreira, portanto, é baseada principalmente no tempo de serviço e na obtenção de méritos ao longo do tempo. “Eu tenho 25 anos de carreira, mas o que importa é o tempo que eu tô em São Paulo”.

Assista ao programa completo:

Carla Castanho

Carla Castanho é repórter no Jornal GGN e produtora no canal TVGGN

Carla Castanho

Carla Castanho é repórter no Jornal GGN e produtora no canal TVGGN

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