Países precisam de políticas nacionais contra poder crescente das corporações

da Oxfam Brasil

Países precisam de políticas nacionais contra poder crescente das corporações

Num mundo em que empresas têm mais força e dinheiro do que governos, é preciso reforçar a defesa dos direitos humanos

O poder das grandes corporações nunca foi tão forte no mundo como hoje e os Estados nacionais vêm enfrentando dificuldades para garantir que as empresas respeitem os direitos humanos em seus projetos e atividades. Há uma crescente captura das instituições públicas pelas grandes empresas e estas muitas vezes têm mais poder e recursos que os governos. Além disso, os atuais mecanismos públicos para prevenção, responsabilização e reparação no caso de violações são precários. Por isso vem ganhando relevância, no Brasil e no mundo, o debate sobre a construção de políticas nacionais para reforçar a defesa dos direitos de atingidas e atingidos por grandes obras – seja uma hidrelétrica, área de mineração ou construção de porto ou ferrovia.

Pesquisadores, procuradores da República, representantes de movimentos sociais e organizações da sociedade civil como a Oxfam Brasil se reuniram na última terça-feira (28/8) em Brasília para discutir a criação no país de uma Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas.

Foram realizados quatro painéis de discussão:

* Contexto Nacional e Internacional do debate de Direitos Humanos e Empresas

* Prevenção de violações – dificuldades na regulação nacional das empresas transnacionais. Conflitos entre regulação nacional e estadual. Como abordar a atuação transnacional. Empreendimentos de infraestrutura, grandes obras e megaprojetos. O uso de forças públicas, milícias privadas etc.

* Responsabilização –  Captura corporativa, véu societário, cadeias de produção, extraterritorialidade, listas públicas (como a do trabalho escravo). Sanções administrativas (impedimento de ter contratos com o poder público, por exemplo).

* Reparação – Os obstáculos ao acesso à justiça e à reparação em casos de graves violações de direitos humanos. As experiências positivas (contratos e compras públicas, avaliação do impacto de novas regulamentações), políticas de monitoramento participativo e mecanismos concretos para monitoras as medidas de reparação, avaliação de impacto de novas regulamentações, falta de assessoria técnica às pessoas atingidas.

Em cada mesa, um grupo de especialistas e representantes de movimentos e grupos sociais diretamente envolvidos e afetados por projetos de grandes empresas – do Porto de Suape (PE) à hidrelétrica de Belo Monte (PA) -, debateu problemas e soluções, como a necessidade de consultas prévias em grandes empreendimentos e a necessidade de se ter não apenas uma consulta prévia às populações que serão atingidas, mas também o seu consentimento.

 

“Textos normativos internacionais mais atuais já avançaram do conceito de consulta. Isso foi aprimorado para o consentimento, o direito a veto”, ressaltou Gustavo Ferroni, assessor de políticas e incidência da Oxfam Brasil. “Apesar de não ser um instrumento vinculante (para o Brasil), a Declaração da ONU dos Direitos dos Povos Indígenas (de 2007) fala claramente sobre consentimento livre, prévio e informado.”

Lucilene Binsfeld, do Instituto Observatório Social, apontou que as dificuldades na prevenção e responsabilização de violações cometidas por empresas são oriundas de um contexto marcado por “assimetrias de poder”.

“Muitas [empresas] têm mais poder que o próprio Estado, governo e país. Entra em risco a democracia, entra o processo de captura corporativa e da governança global. São temas espinhosos para a gente resolver. Por outro lado, há na nossa Constituição a previsão, não regulamentada, de taxação da remessa de lucros de grandes empreendimentos, portanto, não é cobrada. Isso poderia ajudar na busca de um desenvolvimento mais efetivo com recursos”, afirma.

Deborah Duprat, procuradora federal dos Direitos do Cidadão, participou da mesa que discutiu a importância de se responsabilizar as empresas por violações aos direitos humanos, inclusive quando atuam no exterior – como no caso da mineradora Vale, que tem projetos em Moçambique. “Gostaríamos de trazer o caso da Vale em Moçambique para a jurisdição brasileira”, disse ela, lembrando no entanto que o Estado brasileiro historicamente blinda as empresas.

Dulce Combo, da Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades (AAAJC) de Moçambique, reforçou a análise da procuradora Duprat, relatando os muitos impactos (ambientais e humanos) causados pela atuação da Vale na província moçambicana de Tete, com a atividade de mineração na vila de Moatize.

Para o procurador Marlon Weichert, também da Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, a reparação por violações deve ser construída com as populações atingidas, e não definida apenas por juízes e procuradores. E o custo da violação de direitos humanos para as empresas deve ser maior que o custo da prevenção. “Leis e mecanismos administrativos não são suficientes. Muitas das violações de direitos acontecem com as empresas ignorando as regulações e leis.”

Na semana passada, a Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão divulgou uma nota técnica sobre proteção e reparação de direitos humanos em violações provocadas por atividades empresariais. O documento tem como marco os Princípios Orientadores das Nações Unidas, os Planos de Ação Nacional e a proposta de um Tratado Internacional sobre o tema.

Trecho da nota da Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão:

No caso do Brasil, pode ser mais recomendável – se e quando houver condições democráticas favoráveis – investir na formulação de uma política pública abrangente em direitos humanos e empresas, inclusive para estender os precedentes normativos positivos consolidados na legislação e na jurisprudência para todos os casos de violações aos direitos humanos (v.g., responsabilidade criminal das pessoas jurídicas, não restrita às hipóteses atuais; obrigatoriedade de consulta prévia a todas as populações potencialmente afetadas por empreendimentos; ampliação dos deveres de reparação; jurisdição universal ou quase-universal; responsabilidade por atividades de toda a cadeia produtiva; previsão de parâmetros claros de equidade de gênero, comuns a empresas estatais e privadas, inclusive no setor da mineração, em que se observam graves exemplos de desigualdade; fortalecimento do enfoque de gênero nos estudos de impacto ambiental de empreendimentos empresariais). Essa política pública seria construída em discussão com os múltiplos atores interessados – e sobretudo com as pessoas afetadas e atingidas por atividades empresariais – e compreenderia avanços legislativos que estabeleçam um conjunto normativo vinculante e compatível com a promoção do desenvolvimento sustentável, nos termos da Agenda 2030 das Nações Unidas, assim como com os marcos apontados pelos diferentes órgãos de tratado da ONU e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Leia aqui a íntegra da nota.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

View Comments

  • Sobre a Oxfam sempre me

    Sobre a Oxfam sempre me pergunto qual a sua real agenda.

    A Ong foi criada por Quakers na decada de 40 em Oxford, supostamente para ajudar a Grécia

    É oficialmente uma ong humanitaria que vive de ajudar paises em guerra, profundamente desiguais, populações vulneráveis e por aí vai

    Por outro lado, é patrocinada por países da UE,  que só em 2017 doou mais de 40 milhoes de dolares pra ONG, e por corporações como Visa, Unilever, Paypal...

    Dificil acreditar que tudo isso é absolutamente desinteressado. Como vão denunciar interesses privados de grandes corporações se são financiados por elas?

    Não perde uma oportunidade de criticar belo monte, sem considerar a importancia dessa usina, que atenderá 60milhoes de pessoas.

     

    No começo desse ano divulgou um estudo sobre o crescimento da a desigualdade no mundo (com dados de 2015)

    https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/01/160118_riqueza_estudo_oxfam_fn

    De repente, se tornou alvo da midia globalista com 2 escandalos repercutidos em fev/2018

    Foi acusada de corrupção na guatemala, fato que teria ocorrido entre 2008-2012

    Presidente da ONG Oxfam Internacional é preso por corrupção na Guatemala

    https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/13/internacional/1518531889_199921.html

    E de escandalo sexual que teria ocorrido em 2010 no Haiti

    Oxfam Haiti allegations: How the scandal unfolded

    https://www.bbc.co.uk/news/uk-43112200

    Mas confesso que quando vejo essa gente, unida ao Ministerio Publico (que tanto prejuizo ja trouxe ao Brasil), sob justificativas tão nobres como a proteção dos povos originários, meu alerta acende.

    Realmente não acredito que a agenda real seja o que eles alegam, creio que tenha a ver sim com conseguir mais poder para interferir  em questões estratégicas como construção de hidreletricas e portos.

    Nessa história não há heróis.

Recent Posts

Governo federal organiza força-tarefa para trabalho no RS

Escritório de monitoramento em Porto Alegre vai concentrar dados sobre ações a serem tomadas por…

8 horas ago

Justiça anula votação e interrompe venda da Sabesp

Decisão afirma que Câmara dos Vereadores de São Paulo aprovou texto sem realizar audiência pública…

10 horas ago

União e Espírito Santo rejeitam proposta da Vale/Samarco

Oferta de compensação apresentada pelas mineradoras “não representa avanço em relação à proposta anterior (...)”

11 horas ago

Concurso Nacional Unificado é adiado por estado de calamidade do RS

"O nosso objetivo, desde o início, é garantir o acesso de todos os candidatos", disse…

12 horas ago

Ministro Alexandre de Moraes determina soltura de Mauro Cid

Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro assinou acordo de colaboração premiada; militar estava preso desde…

12 horas ago

A pequena recuperação da indústria, por Luís Nassif

Em 12 meses, a indústria geral cresceu 2,27%. E, em relação ao mesmo período de…

12 horas ago