A trama do fim da crise política, por Dimitri Sales

A trama do fim da crise política

por Dimitri Sales

A famosa lista da Odebrecht tem efeito mais explosivo que as meras publicações dos seus nomes em nossos perfis nas redes sociais. Pelo seu conteúdo, terá, como primeira consequência, a extinção da Operação Lava Jato, frustrando desde o juiz Sérgio Moro, cuja máscara da imparcialidade terá sido arrancada, bem como milhares de brasileiros que acreditam mesmo que a famosa operação é para combater a corrupção no país.

Não há como negar que a Operação Lava Jato já trouxe grandes avanços no enfrentamento à corrupção. O fato de muita gente poderosa ter sido condenada ou está presa já é um indício positivo. Também, ter revelado que a corrupção é um problema muito mais grave que se podíamos supor, pois se encontra enraizada nas bases do próprio Estado e não apenas do sistema político e seus partidos, é outro saldo conquistado com as investigações de Curitiba.

Mas no meio do caminho tinha uma lista!

A lista da Odebrecht apresenta nomes de políticos de variados partidos, atingindo, inclusive, ferrenhos defensores da luta contra a corrupção (do PT!), fragilizando os guerreiros pró-impeachment e seus argumentos.

Ainda, a lista aponta financiamento ilegal e prática de cartel nos governos do PSDB em São Paulo (Estado cuja denúncia de corrupção nas obras do metrô jamais foi devidamente apurada pela Justiça local).

Não fosse pouco, a lista retrocede ao Governo Sarney a prática de pagamento de propina (não duvido que, se avançar as investigações, não sobra pedra sobre pedra dos governos dos generais), devastando, inclusive, os Governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Equívocos praticados pelo juiz Sérgio Moro, no afã de conter o jogo político, jogou luz sobre suas condutas, objeto de outras apurações pelo Supremo Tribunal Federal desde 2010. Segundo o Ministro Gilmar Mendes, no caso “Operação Banestado” (escândalo de evasão de dezenas bilhões de reais do Banco do Estado do Paraná na década de 1990), o caso mostrava um “conjunto de atos abusivos” e “excessos censuráveis” praticados pelo juiz. Segundo o Ministro, “são inaceitáveis os comportamentos em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado, quando contrariado por decisão de instância superior”.

Somado os efeitos da “lista da Odebrecht”, costura-se em Brasília uma saída “honrosa” para a crise política, embora permeada por ilegalidades!

Para evitar que se avance nas investigações da Operação Lava Jato, causando estragos incalculáveis, pretende-se aprovar o impeachment da Presidenta Dilma, como resposta ao “clamor das ruas” (clamor, em verdade, de uma parcela da sociedade), estimulado, inclusive, pelo próprio Sergio Moro. Em contra partida, saciados os leões, aos poucos as investigações seriam abrandadas, restando punidos alguns poucos políticos e empresários.

A opção de abrandar as crises, entregando alguns em detrimento do aprofundamento e efetiva punição de todos os envolvidos, não é novidade no Brasil. Nas duas últimas décadas, o Congresso Nacional enfrentou inúmeras crises decorrentes de escândalos de corrupção, tendo todas elas sido abafadas com a cassação de alguns parlamentares ou a prisão de alguma Jorgina.

Acontece que a saída agora encontrada está permeada pela ilegalidade de um impeachment sem fundamento jurídico. Poderá resultar numa cilada, a depender da resposta das ruas, do outro lado delas.

2016 não é 1992, em que o Governo encontrava-se sem qualquer respaldo parlamentar. Em 1992, Collor conseguiu míseros 38 votos a seu favor. Eram abundantes os fatos que juridicamente tipificavam os crimes de responsabilidade. A sociedade estava convencida da necessidade de afastar o Presidente, entregando-lhe ao julgamento do Senado Federal. O mesmo não ocorre em 2016!

A sociedade está dividida em torno no impeachment da Presidenta Dilma. Mesmo os seus favoráveis fortificam sua crença em favor do afastamento na incapacidade de governo da mandatária – fato, por vezes, incontestáveis mesmo por contrários ao impeachment. Ocorre que o processo que está em curso na Câmara dos Deputados padece de fundamentação jurídica, ao tempo que sobra a sensação de que a iniciativa, comandada por políticos da estirpe de Eduardo Cunha, representa uma ruptura da ordem democrática, por abreviar ilegalmente um mandato assegurado pelas urnas.

Não é verdade que a sociedade brasileira acordará equilibrada e a crise abrandada no dia seguinte! A opção de afastar uma Presidenta sem fundamento legal terá graves consequências. O acirramento das relações tenderá a ser maior, seja qual for o resultado da votação na Câmara dos Deputados.

A saída pensada para acalmar os ânimos políticos está na renúncia do Dep. Eduardo Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados.

Pelos acordos traçados em torno do afastamento da Presidenta Dilma, para assegurar a transição governativa, Cunha abriria mão de seu mandato à frente da Câmara, tendo a garantia de que, com a nova correlação de forças (leia-se PMDB e PSDB), seria assegurada a extinção do seu processo no Conselho de Ética, mantendo seu mandato (e consequente foro privilegiado)! Além disso, pouparia a Câmara dos Deputados do desgaste vivenciado ao longo dos últimos meses, gestando aparente estabilidade política.

Tudo certo e combinado, segue firme a conhecida lógica tão presente na história brasileira segundo a qual tudo muda para nada mudar! 

Dimitri Sales – Mestre e Doutor em Direito do Estado (PUC/SP), Advogado, Presidente do Instituto Latino Americano de Direitos Humanos. Professor da Universidade Paulista e da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Professor Visitante da Faculdad de Derecho da Universidad de Buenos Aires.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  • "A lista da Odebrecht

    "A lista da Odebrecht apresenta nomes de políticos de variados partidos, atingindo, inclusive, ferrenhos defensores da luta contra a corrupção (do PT!), fragilizando os guerreiros pró-impeachment e seus argumentos":

    Devagar ai, que a realidade eh outra de acordo com o Miguel:  ha uma discrepancia entre doacoes da lista e as declaradas pelo PT sim.

    De 300 reais ou coisa parecida.

    Nos outros partidos, como o PSDB e PMDB, a discrepancia chega a ser de milhoes de reais.

  • "A corrupção se encontra
    "A corrupção se encontra enraizada nas bases do próprio Estado e não apenas do sistema político e seus partidos..."

    A corrupção é uma ação humana.
    o "Estado", o sistema político e partidos não são seres vivos. Não são compostos por pessoas que vieram de outro planeta, mas sim por pessoas que saíram de nossa cidade, nossas escolas, nossa rua, nossa família e até de nossa casa.

  • Só tem um furo nessa "saída'

    Só tem um furo nessa "saída' costurada pelos golpistas, em seus próprios fundilhos. Cunha pode escapar da cassação na câmara, mas no STF, ele não tem chance e sabe disso.

    O Supremo se assistir ao golpe lavando as mãos se sentirá na obrigação de mandar o Cunha para a prisão. O que não aliviará em nada seu acovardamento, mas eles precisarão disso. 

    A unica coisa que pode contar com a anuência do Cunha é nada se resolver, ficar o impasse ad infinitum

  • Comentário.

    Adulado, bajulado, reduzido a inocente útil e, se houver golpe, safa-se um grupo de políticos, justamente aqueles que as águas da Lava-Jato e da lista da Odebrecht estavam a chegar...

    Quando alguém te elogia, tem que estar de olho na sua vaidade, quem sabe, vc tenha cometido um erro; isto vai de Brecht a Plutarco em matéria de reflexão.

    O PMDB tenta se salvar cortando o pescoço da Dilma. Falam de partidos fisiológicos, de aluguel, mas o PMDB, em matéria de Governo, é a fisiologia em estado puro.

  • Ainda não consegui me

    Ainda não consegui me convencer que foi o Moro que liberou essa lista ?

    Qual seria a intenção dele na divulgação, se existem pessoas de vários partido, juízes, procuradores..

    Será que queria implodir a própria operação que é o rei ?

    Na minha opinião, o Moro já tinha conhecimento da lista, mas quem divulgou foi a Odebrecht. com a intenção de desmascarar a parcialidade do Moro

    Senão for isso, para mim só no desenho, e desenho em 3D que fica mais legível

    • A Odebrecht NAO TINHA a

      A Odebrecht NAO TINHA a lista, que foi aprehendida por MORO.

      O que ela teria vazado seria uma copia, nao a autentica.  Portanto, sua ideia (que faria sentido em varios outros contextos) nao bate com a realidade.

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