Impeachment dá ares de legalidade para golpe parlamentar, diz Luiz Moreira

Do Instituto Humanitas Unisinos

“O processo de impeachment hoje em curso na Câmara dos Deputados é claramente um artifício para dar ares de legalidade a um golpe parlamentar”, afirma o ex-integrante do Conselho Nacional do Ministério Público.

conjuntura dos últimos dias, que tem acentuado acrise política, segue um “roteiro” “por todos conhecido”, o qual envolve uma “aliança” entre oJudiciário, o Ministério Público e a polícia e a mídia, “com o propósito de obter apoio de parcelas da população às chamadas fases da operação Lava Jato”, diz Luiz Moreira à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail. Através desse “pacto”, frisa, está em curso “um projeto que estabelece supremacia do sistema de justiça criminal sobre a democracia”.

Na avaliação do advogado e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Contagem, MG, “é clara a tentativa de se dar forma jurídica a um golpe parlamentar”. Contudo, esclarece, no presidencialismo “só se admite interrupção do mandato presidencial se houver crime de responsabilidade. Não havendo crime de responsabilidade, não há condições de falar em impeachment”. E conclui: “Se não houver conduta tipificada como crime de responsabilidade, não há impeachment, mas golpe”.

Luiz Moreira é graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará – UFC, mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e doutor em Direito pela UFMG. É Diretor Acadêmico da Faculdade de Direito de Contagem.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor está acompanhando as investigações da Operação Lava Jato?

Luiz Moreira – A Lava Jato transformou o combate à corrupção em mote para estabelecer um vale tudo, em que o combate à corrupção é utilizado para legitimar o desapego à Constituição e ao devido processo legal. Entre nós não há mais quem esteja a salvo das investidas da jurisdição deCuritiba.

O projeto é claro: há em curso um projeto que estabelece supremacia do sistema de justiça criminal sobre a democracia. Essa supremacia consiste no estabelecimento da pauta política pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelapolícia. O roteiro é por todos conhecido: foi estabelecida aliança entre eles e a mídia, com o propósito de obter apoio de parcelas da população às chamadas fases da operaçãoLava Jato. Assim, a ordem constitucional é afrontada e as autoridades judiciárias, submetidas aos caprichos da jurisdição de Curitiba.

Recentemente o juiz Sérgio Moro chegou a divulgar diálogo envolvendo a presidente da República e fez comentários sobre Ministros do STF, sobre a honorabilidade deles etc., em clara demonstração que ele se vê como o demiurgo desta República.

IHU On-Line – De que modo a Lava Jato está “legitimando o desapego à Constituição”? A que especificamente o senhor se refere?

Luiz Moreira – Os procedimentos na Lava Jato não são corretos, não há distinção entre os que investigam, os que acusam e o que julga. A ampla defesa é desrespeitada, os advogados são criminalizados, a presunção de inocência inexiste, há um desprezo aos direitos fundamentais dos acusados, cuja imagem e cuja intimidade são enxovalhadas, além da utilização deliberada da mídia para blindar suas condutas.

Enfim, as normas constitucionais e a legislação de regência foram substituídas por um desejo utilitário de sucesso na empreitada e pela busca de notoriedade, em que prepondera um vale-tudo judicial.

IHU On-Line – Qual deve ser o papel do STF em relação à Operação Lava Jato?

Luiz Moreira – O Supremo Tribunal Federal tem-se mostrado incapaz de entender seu papel como tribunal dos direitos fundamentais, como tribunal contramajoritário. Também não entendeu o papel da mídia e da opinião pública nas sociedades complexas e como cabe aos seus ministros, justamente, funcionar como anteparo aos caprichos da maioria.

É constrangedor verificar que o STF adota papel relevante na afirmação dos direitos atinentes à personalidade, de cunho comportamental, e tenha, ao mesmo tempo, incentivado a adoção no Brasil do direito penal do inimigo, consubstanciado no discurso da lei e da ordem, atribuindo ao aprisionamento e ao cumprimento da pena, em regime fechado, um papel civilizatório.

Analisando as decisões do STF, é fácil verificar a substituição de uma argumentação sólida em termos jurídicos por uma argumentação senso comum, em que a constitucionalidade cede lugar ao moralismo e ao decisionismo. Portanto, o STF está muito aquém do que dele se espera.

IHU On-Line – O que o senhor entende por “judicialização da política” e como esse fenômeno se deu, por exemplo, no Mensalão e está ocorrendo no desenvolvimento da Operação Lava Jato?

Luiz Moreira – A judicialização consiste na intervenção judicial em todos os aspectos da vida. No Brasil, isso se constitui como tentativa de o Judiciário se imiscuir em todas as áreas, substituindo-se ao Legislativo e ao Executivo. Todos os dias temos notícias de liminares afastando aplicação da lei ou de decisões judiciais que passam a valer no lugar de políticas públicas.

No Mensalão houve quem dissesse que o STF tomou decisões constrangido pela mídia, com a “faca no pescoço”. Tanto no Mensalão quanto na Lava Jato é óbvia a utilização da mídia para alcançar-se um determinado fim, cujo propósito é o contorno às garantias constitucionais dos acusados e a substituição do direito pela vontade do juiz, assim como a troca de papéis entre ministério público e magistrado, de modo que o juiz passa a ser também o acusador.

IHU On-Line – Entre as discussões dos últimos dias, destaca-se a da atuação do governo e do PT como tentativa de obstruir as investigações da Operação Lava Jato. Houve ou não tentativa do governo e do PT de obstruir as investigações?

Luiz Moreira – Obstrução? Muito ao contrário. O Ministério da Justiça foi absolutamente leniente na condução das infrações à ordem constitucional promovidas pela Polícia Federal. Há notícias de escutas ilegais, de vazamentos e de quebra das rotinas policiais que seguem sem apuração.

Espera-se que o Ministro da Justiça não permita que a Polícia Federal se transforme em polícia política e que o governo tenha um projeto claro para a Polícia Federal, pois não é possível que a agenda dos delegados federais, cujo mote é sua autonomia e o combate à corrupção, continue a desestabilizar os poderes constituídos.

IHU On-Line – O Ministério Público tem recebido tanto críticas como apoio pela condução da Operação Lava Jato. Como, na sua avaliação, ele tem agido e como deveria agir à luz da Constituição? Pode pontuar quais são os erros e acertos da Operação até o momento?

Luiz Moreira – Acertos? Cumprir obrigação funcional é dever dos membros do Ministério Público. Vejo com pesar que o Ministério Público Federal tenha perdido seu caráter de vanguarda e que tenha tão facilmente adotado o corporativismo como mote à sua atuação. Um exemplo é a campanha patrocinada por eles de combate à corrupção.

Qualquer um com um mínimo de senso crítico perceberá que o Ministério Público Federal não adota para si as regras que prega para os outros. Exemplo disso é o apego às normas de seu processo disciplinar, que impedem qualquer punição às infrações cometidas por procuradores da República, ou ainda as diversas vantagens que percebem sem previsão legal.

IHU On-Line – Em que consistia o caráter de vanguarda do MP, o qual está se perdendo, conforme o senhor aponta?

Luiz Moreira – A vanguarda no MP consistiu na tutela dos direitos difusos e coletivos, dos direitos sociais, do direito ambiental. Hoje prepondera a busca por causas que resultem em notoriedade e forte repercussão.

IHU On-Line – Hoje, muitos analistas falam em “golpe”. Que tipos de ações caracterizariam um golpe hoje? Estamos caminhando para esse cenário ou não?

Luiz Moreira – É clara a tentativa de se dar forma jurídica a um golpe parlamentar. No Presidencialismo só se admite interrupção do mandato presidencial se houver crime de responsabilidade. Não havendo crime de responsabilidade, não há condições de falar em impeachment, ou seja, para haver impeachment é preciso que a presidente da República tenha praticado ato tipificado como crime de responsabilidade. Assim, é absolutamente imprescindível que a infração presidencial esteja descrita como crime na lei que define quais são os crimes de responsabilidade.

Se não houver conduta tipificada como crime de responsabilidade, não há impeachment, mas golpe. Não se admite que mera insatisfação com o governo ou com a pessoa da presidente seja motivo para interromper seu mandato. Tampouco a aprovação presidencial em pesquisas de opinião podem levar ao impeachment. Portanto, o processo de impeachment hoje em curso na Câmara dos Deputados é claramente um artifício para dar ares de legalidade a um golpe parlamentar.

IHU On-Line – Há ou não razões para o impeachment da presidente Dilma?

Luiz Moreira – Não, não há. Dilma Rousseff não cometeu qualquer crime de responsabilidade. Eventuais fragilidades de seu governo na área econômica, ou eventuais atropelos na condução dos arranjos políticos ou ainda eventual falta de carisma pessoal não autorizam a interrupção de seu mandato. O que se tem em marcha é um golpe parlamentar que não pode ser confundido com impeachment.

Redação

Redação

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  • o #golpedosladrões ...

    não tem legitimidade alguma, .... graças a internet, o que ocorre no Brasil se espalhou pelo mundo afora, ... tirando da lista os países que são reféns da comunidade rentista, como os EUA e Israel,....   quem herdar o governo através do golpe, dificilmente vai ter credibilidade para negociar a nível internacional...

  • Se é um golpe parlamentar o

    Se é um golpe parlamentar o que está em curso, fecha está porcaria de parlamento e manda um pé no traseiro deste vagabundos.

    A presidente pode e deve convocar os militares, já que é comandante em chefe. Meia dúzias de baionetas na cara de gente como cunha e cacetete na praça dos 3 poderes e se resolve rapidinho o golpe parlamentar.

    O primeiro cacetete na cara de um coxinha e nunca mais um coxinha passa na frente do palácio, pois são só covardes.

    Quanto ao supremo, são só covardes mesmo.

  • É muito esclarecedor ler uma

    É muito esclarecedor ler uma entrevista como esta, em que o entrevistado é um catedrático do Direito, que já atual no CNMP. Luiz Moreira, sem delongas, diz com base na Lei e no conhecimento que tem, como professor  e operador do Direito que foi, aquilo que os cidadãos mais atentos, observadores e com sentimento patriótico já constataram: está em curso um golpe, que possui faceta parlamentar e midiático-judicial-policial. A clareza das respostas de Luiz Moreira esclarece qualque dúvida que pudesse haver na cabeça dos indecisos.

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