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A Geometria Sagrada no filme argentino “Moebius”

 

Ao contrário dos filmes sci-fi que exploram os paradoxos temporais, o filme argentino “Moebius” explora os paradoxos espaciais, transformando-se numa espécie de thriller matemático. Inspirado na enigmática figura topológica da “fita de Möbius”, a narrativa interpreta-a como um portal dimensional, lembrando das origens sagradas da Geometria na antiguidade. 


Mais do que um filme de ficção científica, Moebius (1996) se inscreve na tradição do cinema fantástico argentino. O filme é baseado no conto de A.J. Deutsch de 1950 “A Subway Named Mobius” e no filme alemão homônimo rodado três anos antes, o que torna esse “Moebius” um remake. O que há de especial nesse filme é que, enquanto a ficção científica tradicional explora os paradoxos temporais, Moebius faz uma narrativa baseada no paradoxo espacial (topológico) da famosa “fita de Möbius”.


August Möbius (“Moebius” em espanhol) foi um matemático que no século XIX criou uma subdivisão na área da Topografia: a Topologia. Ele trabalhou com superfícies sem escalas ou dimensões, tratando superfícies elásticas que resistem a deformações de tal forma que todas as suas propriedades métricas e projetivas são perdidas. Sua principal contribuição foi o paradoxo espacial criado pela “fita de möbius”, uma figura paradoxal cujas propriedades abolem o principal de orientação (não possui o lado de “dentro” e de “fora” como uma fita normal). Sua convergência e continuidade formam um paradoxo espacial onde a torção cria uma fita de apenas um lado.


Essa figura espacial paradoxal e impossível de ser expressa por meio de uma equação inspirou trabalhos do artista plástico Escher e a exploração topológica do ego feita por Lacan (o descentramento do sujeito pela subversão do espaço explorado culturalmente pelas manifestações artísticas do século XX).


Além disso, a direção de Gustavo Mosquera e o coletivo de roteiristas (o filme foi produzido por alunos da Universidad Del Cine de Buenos Aires) acrescentaram o componente místico à narrativa: o neoplatonismo contemporâneo onde, ao contrário do platonismo clássico, cavernas, labirintos ou subterrâneos  não são mais vistos como alegorias da limitação da percepção humana. Ao contrário, são vistos como caminho para o contato com uma realidade superior separada da humana, isto é, o caminho para a transcendência (gnose).


 

A Fita de Möbius ilustrada por Escher. 
Acima, numa versão animada para 
percebermos melhor o paradoxo espacial.

 

Se no conto original de Deutsch tudo se passa na rede de metrô de Boston, em Moebius Mosquera transpõe a narrativa para o metropolitano mais antigo da América Latina: o de Buenos Aires. A rede de metrôs da cidade se torna tão gigantesca e intrincada que surge a necessidade da construção de uma linha perimetral para que todas as rotas se interconectem. Mas, em uma manhã, o trem UM-86 contendo entre 30 e 40 passageiros desaparece. Todas as tentativas de localizá-lo são inúteis.


A relação entre a construção dessa linha perimetral e o desaparecimento do trem é fundamental para a compreensão do paradoxo espacial e as suas implicações místicas e filosóficas. E, principalmente, o porquê dos funcionários nos túneis sentirem a presença e a vibração da composição fantasma, embora não consigam vê-la e nem para que direção vai.


O topógrafo Daniel Pratt, empregado da companhia responsável pela construção dos túneis, é enviado para resolver o enigma, o que o leva ao misterioso matemático desaparecido, o professor Mistein. Além de ter participado da construção da linha perimetral, deixou uma série de croquis, mapas e anotações com fórmulas e desenhos que conduzem à imagem da fita de Möbius.


[spoilers a seguir] Em sua busca Pratt descobre que graças à linha perimetral a rede inteira passou a ter um grau de complexidade inusitada e que imita a estrutura de uma fita de Möbius. O trem fantasma está circulando em um plano dimensional indefinível e inconcebível, graças ao experimentalismo matemático de Mistein.

Luis Nassif

Luis Nassif

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