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Que mistérios tem Alice?

Que mistérios tem Alice?

Alice desperta outra lógica em mim e você.
Incentivo ao risco e à imaginação.

 

Por que será que Alice e suas aventuras pelo País das Maravilhas vêm encantando gerações em todo o planeta?

As tão numerosas versões, traduções e interpretações têm obtido ressonância em toda sorte de gente, de todas as idades e gêneros, e sobrevivido absolutas numa aura de mistério e encantamento. As releituras e revisitações em todas as manifestações artísticas, como literatura, cinema e teatro, obtêm sucesso ímpar, também.

Talvez esta justaposição de recortes múltiplos nos redesperte a criança interna, que, em dias agitados, clama por atenção e desvelo?

Será que estamos todos tão carentes e perdidos, que, vez por outra, desejamos que a terra se abra e nos engula, para nos olharmos no espelho de nós mesmos e revermos todas as nossas posturas?

Podermos correr atrás de um tempo sem tempo, despidos de todas as amarras, estereótipos e preconceitos? Darmos vida a tudo que nos cerca, atribuindo significados a todos os insignificantes?

Será que, volta e meia, a realidade massacra tanto o homem, que ele se vê obrigado a recorrer ao onírico, ao aparentemente nonsense, para reencontrar seu rumo?

Psicólogos, terapeutas e analistas, correi!

É chegada a hora de libertar as amarguras internas! Deixar a alegria correr nas veias!

Abram alas para a ARTE e seus adeptos!

Porque é isso que se pode apreciar, com todo o gosto de quem vai a um parque de diversões, ao assistir a versão de Alice in Wonderland, de Tim Burton.

Ou de quem vai visitar uma galeria de arte, ao ler e ver a mais moderna tradução do livro de Lewis Carroll, da editora Cosac Naify.

Ambos têm muitas similaridades. Até no fato da retomada do mesmo projeto, na mesma época: a sincronicidade funcionou como uma bússola mágica no lançamento simultâneo das duas obras.

Não cabe aqui discursar sobre as fragilidades delas, de forma fria e técnica, mas enfatizar o que ambas trazem de beleza e contribuição estética, cada uma a seu modo, para o entretenimento.

O filme, em 3D, nos obriga a mergulhar com a personagem, valorizando a cenografia e efeitos visuais.

Robert Stromberg (Oscar 2010 por Avatar) assina o design bem resolvido do filme, que dá o tom inusitado e absolutamente necessário ao êxito do espetáculo. A cenografia, ora de cores fortes e arrebatadoras, ora monocromáticas, combina figuras humanas com peças orgânicas e virtuais, numa orquestração harmônica e deslumbrante.

O livro, com papel especial Matt Artpaper, 140 g/m2, e impressão na China, que relembra a textura de cartas de baralho.

A tradução, de Nicolau Sevcenko, que desliza entre um turbilhão de trocadilhos e jogos culturais para todos os públicos, sem desprezar o humor do nonsense original, inventando equivalências.

As ilustrações de Luiz Zerbini, que alinhavam os textos de forma primorosa e requintes de arteirices, com suas maquetes de cartas e jogos de luz e sombra, resultando numa profundidade que traz exotismo ao cenário lúdico.

O importante é que o objetivo foi cumprido.

A homenagem a Lewis Carroll, o autor da obra matriz, que, já em 1862, rompendo com o realismo vitoriano, em insights num calmo passeio no lago, se despe do pragmatismo das ciências exatas, arriscando incursões no absurdo, eternizando Alice num vanguardismo universal sem precedentes.

Que bom que a tecnologia de hoje nos proporciona uma viagem alucinógena sem a ressaca moral das drogas sintéticas.

Que bom que não sabemos a diferença entre um corvo e uma escrivaninha. Saber que não temos todas as respostas.

Que possamos nos tornar invisíveis como o gato que ri, quando nos sentirmos fracos e humilhados pelas mudanças desconcertantes.

E tomar um chá com a lebre aloprada, no espaço – tempo de nenhum lugar.

Que derrotemos a rainha vermelha, expressão máxima de nosso ego, e, ao nos travestir de rainha branca, reencontremos a paz interna.

Vamos dançar freneticamente o passo maluco (futterwacken) com o chapeleiro.

Encolher diante de uma realidade drástica, que nos dá a dimensão de nossa natureza demasiadamente humana.

Nos reerguermos, enfrentando nossos medos e angústias, matando nosso jaguadarte (jabberwocky) de cada dia.

Aspirar essências aromáticas no narguilé da lagarta azul e nos transmutarmos em borboletas polinizando pessoas.

Brindemos ao Sonho, para que seja eterno enquanto dure.

Degustem!

O FILME
Alice no País das Maravilhas (EUA, 2009, 109 min.)
Direção: Tim Burton
Roteiro: Linda Woolverton
Elenco: Johnny Depp, Mia Wasikowska, Michael Sheen, Anne Hathaway, Helena Bonham Carter, Matt Lucas, Alan Rickman, Christopher Lee, Crispin Glover, Stephen Fry

O LIVRO
Alice no País das Maravilhas (Cosac Naify, 2009, 168 páginas)
Autor: Lewis Carroll
Tradução: Nicolau Sevcenko
Ilustrações: Luiz Zerbini
Projeto gráfico: Luciana Facchini e Paulo André Chagas

Imagem: Divulgação Cosac Naify

Redação

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