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A ata do Copom, por David Kupfer

Do Valor

Nem ata nem desata

David Kupfer
06/04/2011 

As atas das reuniões do Copom geralmente surpreendem pela repetida capacidade de não surpreender. No entanto, a última ata, referente à 157ª reunião, mobilizou corações e mentes em busca de sinais de que haveria algo de novo no ar em termos da condução da política monetária pelo Banco Central (BC). O responsável por essa percepção foi o parágrafo 31, dedicado a expor um cenário alternativo no qual a taxa de câmbio se estabiliza nos valores correntes, a Selic sofre apenas mais uma rodada de elevação, alinhando-se em 12,5% ao ano, e a inflação retrocede de um valor acima da meta em 2011 para um valor ligeiramente abaixo da meta em 2012. O raciocínio prossegue, concluindo que diante…”das perspectivas de desaceleração da atividade doméstica, bem como a complexidade que ora envolve o ambiente internacional, entre outros fatores, a eventual introdução de ações macroprudenciais pode ensejar oportunidades para que a estratégia de política monetária seja reavaliada”. A forma como as ações macroprudenciais foram mencionadas sugeriu a muito analistas que, vigorando o quadro benigno do cenário alternativo, a Selic estaria prestes a descer do pedestal de instrumento básico da política monetária.

No entanto, menos atenção foi dada ao fato de a Ata explicitar sérias dúvidas com relação às expectativas futuras do nível de atividade da economia brasileira. No front interno, não parece haver discordância de que o crescimento em 2011 não chegará ao patamar de 4%, ritmo que não deveria preocupar sequer os mais renhidos teóricos da restrição de produto potencial. Mas é no front internacional que atualmente se originam as maiores incertezas – as quais, talvez com certa dose de ironia, a ata refere como “complexidade”. Quem diria, o Brasil hoje se mostra estável frente a uma economia mundial altamente instável, uma realidade inconcebível há poucos anos.

EntrEntre tantas incertezas que emanam da economia mundial, uma especialmente relevante para o Brasil é a tendência dos preços das commodities exportadas pelo país. Diante das sucessivas rodadas de aumento desses preços, um raio de manobra que precisa ser mais bem avaliado pela política econômica é buscar atuar diretamente sobre esse importante componente das pressões inflacionárias que chegam ao país. De fato, em fevereiro, o Índice de Commodities Brasil (IC-Br) cresceu 4,7%, registrando avanço pelo oitavo mês consecutivo, com destaque para os aumentos de 7% na agropecuária e de 4,5% nos metais.

Se não há dúvida de que é correta a posição brasileira firmemente contrária à proposta de criação de mecanismos de estabilização desses preços, que vem sendo defendida por diversos países nas negociações internacionais recentes, isso não significa descartar a pertinência de medidas com finalidade similar voltadas para o mercado interno. Mecanismos que amorteçam o repasse do sobrepreço que o exportador brasileiro de commodities está impondo aos compradores no mercado interno podem desempenhar papel relevante tanto na correção de desequilíbrios estruturais que vem se acumulando na matriz produtiva nacional quanto no controle da inflação. 

É importante ter claro que nesse momento específico existem possibilidades reais de que a adoção desses mecanismos não prejudique a competitividade das empresas fabricantes das commodities como ocorreu no passado. Isso porque na década de 1980 o país enfrentava um processo inflacionário crônico, de forte caráter inercial, ao qual o governo buscava combater por meio de restrições aos preços dos insumos básicos. Esse tabelamento dos preços domésticos foi quebrando os exportadores nacionais porque eles se viam forçadas a trabalhar com preços que sequer remuneravam os seus custos. É como se o preço internacional estivesse no lugar e os preços domésticos fora de lugar. O fato de que, à época, boa parte da produção de insumos básicos ocorria em empresas estatais, reforçava essa estratégia, levando a que os preços no mercado interno fossem mantidos abaixo dos internacionais por longos períodos. Hoje, a situação é diferente pois são os preços internacionais das commodities que estão fora de lugar, havendo, portanto, espaço para se recompor ao menos parcialmente a competitividade perdida pela indústria de transformação que utiliza esses insumos.

Uma iniciativa nessa direção seria taxar as exportações de commodities, tal como vem sendo feito na Argentina e, mais recentemente, na Austrália. Porém, tal iniciativa, que poderia ter sido adotada no passado, em 2003 ou 2004, quando o ciclo de alta de preços internacionais de commodities já ia de vento em popa mas o real ainda se encontrava desvalorizado, hoje parece tardia: com o real apreciado como está, pode não ser sensato restringir exportações em um momento em que a competitividade está em baixa e o país começa a exibir desconfortáveis sinais de que o período de bonança nas contas externas está se encerrando. Uma opção diferente seria aumentar a apropriação pública da renda mineral e da terra, por meio de royalties ou participações especiais, tal qual é usual na produção de petróleo. Esses recursos poderiam ser direcionados para fundos de estabilização de preços dessas matérias-primas, que reduziriam custos de produção doméstica, ou de fomento ao investimento em atividades agregadoras de valor. Longe de uma ideia acabada, fica a sugestão de que se aprofunde a reflexão sobre essa questão. Talvez venha a ser uma opção de política mais consistente do que tentar convencer empresas do setor primário a buscarem integração para a frente, ainda mais em um quadro em que são tão baixas as sinergias entre indústrias extrativas e de transformação como o que se vive atualmente.

David Kupfer é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Indústria e Competitividade (GIC-IE/UFRJ. Escreve mensalmente às quartas-feiras. E-mail: gic@ie.ufrj.br) 

Luis Nassif

Luis Nassif

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