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A ciranda do dólar

Coluna Econômica – 17/04/2007

Aparentemente vai-se chegando à paz dos cemitérios na questão cambial. Há no ar o conformismo com a situação, a certeza de que nada será feito no curto prazo para reverter esse câmbio. E que a situação internacional é suficientemente favorável para dar que se mantenha por anos essa loucura, antes que venha a próxima crise nas contas externas.

Enquanto isto, o país curte as viagens internacionais mais baratas. E as empresas que estiverem sendo destroçadas pela competição externa, basta seguir a receita dada por uma revista semanal: tornem-se importadores de produtos chineses.

Fantástico! Queimam-se empregos, queima-se a vida de milhares de empresas, mata-se a oportunidade de empresas inovadoras se tornarem grandes companhias em troca da manutenção desse dólar, que beneficia grupos muito específicos.

***

Um dos grupos beneficiados são aquelas empresas que querem vender ativos para investidores externos – que calculam seus ganhos em dólares.

Suponha uma empresa que tenha lucro de R$ 10 milhões por ano, em um setor em que a taxa de rentabilidade esperada seja e 15% ao ano.

Com o dólar a R$ 2,50, essa empresa valerá, em dólares, US$ 20 milhões. Se o dólar cair para R$ 2,00, passará a valer US$ 25 milhões. Portanto a apreciação do real equivale à apreciação de todos os ativos que possam estar na mira dos investidores externos.

Por aí, o interesse na apreciação cambial vem da parte das empresas que querem abrir capital (e aproveitar o momento), dos bancos de investimento (que lucram com a abertura de capital) e dos especuladores que esperam a valorização das suas ações para despejar para os investidores externos.

***

Outro exemplo?

Suponha um investidor que tomou um financiamento em dólares a 10% ao ano por quatro anos com o câmbio a R$ 2,40. No vencimento, se o câmbio estiver a R$ 1,90, o custo do financiamento (em reais) será equivalente a apenas 3,8% ao ano. Mesmo com o câmbio a R$ 2,20, o custo anual será de meros 7,6% ao ano. Ou seja, ele já tem acesso a juros favoráveis no financiamento externo. Com a apreciação cambial, o custo fica menor ainda porque, o a valorização do real, serão necessários menos reais para pagar o empréstimo em dólares.

***
]
É pouco? Vamos a outra conta. O sujeito toma o financiamento de US$ 10 milhões, com o dólar a R$ 2,40 e a taxa a 10% ao ano, em dólares, por prazo de quatro anos. Suponha que aplique essa quantia a uma taxa Selic de respectivamente 20%, 17%, 15% e 12% ao ano. No vencimento, caso o dólar esteja a R$ 1,90, seu lucro será de US$ 8,2 milhões.

A rentabilidade foi infinita porque, no exemplo, apontado, ele não precisou usar seu capital: meramente pegou dinheiro emprestado, aplicou em títulos do governo e, com os juros internos e a apreciação cambial, quitou o financiamento e ainda ficou com US$ 8,2 milhões no bolso.

***

Quem perde é o conjunto das empresas e dos trabalhadores. Cada vez que a empresa ou investidor traz dólares de fora, esses dólares são convertidos em reais. O excesso de dólares provoca apreciação do câmbio, sufocando a produção interna. Para tirar o excesso de reais da economia, o Banco Central emite títulos, pressionando ainda mais a dívida pública.

Para incluir na lista Coluna Econômica

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • Romanelli, se você acha que
    Romanelli, se você acha que um emprego em importador vale o mesmo que um emprego no setor de produção, fica difícil discutir. Se não consegue distinguir o poder mutliplicador de um emprego na produção (que se reflete na cadeia de fornecedores toda) e um na importação, só posso entender que é por prazer de discutir. Não pode ser por outra coisa, partindo de uma pessoa tão bem informada.

  • O real está valorizado, todos
    O real está valorizado, todos concordam.
    Os fatores que levam a valorização são:
    1 - Enorme superávit comercial e;
    2 - Maciça entrada de capitais para ganhos de arbitragem da taxa de juros;
    os fatores que geram superávit e entrada de dólares para especulação são:
    1 - A maior taxa de juros real do planeta e;
    2 - No caso do superávit comercial a insana política de subsídios a exportação, que cria um setor de primeira linha (os exportadores) e de segunda linha (os que produzem para o mercado interno).
    O dólar só terá uma taxa equilibrada quando resolvermos estes dois entraves.
    Infelizmente muitos dos que reclamam da taxa de câmbio, também estão fazendo lobby para o setor exportador, e não querem ouvir falar em fim das isenções de impostos de exportação.

  • Que maravilha.Aos poucos
    Que maravilha.Aos poucos ,vejo que você já começa a ter uma visão mais positiva do câmbio apreciado.Falta enfocarmos mais na modernização da industria brasileira aproveitando esta maré de dólar depreciado e TJLP baixa.

  • Essa acomodação em torno da
    Essa acomodação em torno da realidade de juros e câmbio já estava prevista. Desde o fim do ano passado acompanho seus artigos sobre o tema, e nos poucos comentários que postei já alertava que essa situação não iria se reverter.

    Lula se reelegeu basicamente porque, para as classes menos favorecidas, existia (e ainda existe) a percepção de melhoria da situação econômica (seja pelo bolsa-família, seja pela recuperação da renda média, seja pelo crédito consignado etc...).

    Olhe para a última pesquisa: Mais de 63% aprova o governo Lula.

    Não é preciso ser um gênio para concluir que seu interesse é manter tudo como está.

    E se o Brasil crescer proximo de 4%, com inflação controlada, desemprego em queda, renda melhorando, investimentos em expanção, risco país lá em baixo, crédito mais fácil e juros em queda..... quem vai contestar esses números???

    Que analista não vai aderir???

  • Dólar alto, claro. É o que
    Dólar alto, claro. É o que gera aumento da produção interna, emprego, lucros na produção e aumento virtuoso da arrecadação.

  • Caro Romanelli, boas.

    Vim
    Caro Romanelli, boas.

    Vim apenas pedir um favor: revise seus escritos se não não conseguiremos entender, fica ruim.

    E quem for homem, que cuspa na minha mão.

    Até

  • Desculpe Nassif, mas acho que
    Desculpe Nassif, mas acho que não é vontade de discutir por discutir não e sim o de tentar ESGOTAR e esmiuçar o assunto e não ficar só em generalidades. OLHA o que eu disse, no COMPLETO:

    "Quais empregos perdidos em exportadoras que não são compensados por importadoras e pelo comércio de produtos chineses, pela baixa inflação e maior concorrencia, MAIOR poder de compra? "

    e olha o que me respondeu:

    "se você acha que um emprego em importador vale o mesmo que um emprego no setor de produção, fica difícil discutir"

    eu acho?

    Eu falo de um CONJUNTO de fatores e voce escolhe 1 deles. Assim como acho que a tal "industria" perdedora, enquanto não tirada a limpo, não passará de 2 ou 3 setores face a outros 2 ou 3 que ganham neste cenário complexo de AVIÕES, soja e petroleo

    Vou te dizer novamente, acho que temos que analisar setor por setor, caso por caso, Há setores que demandam US$100, US$ 200 milhões de investimentos e não geram um NADICA de emprego ou tecnologia, ao contrario, fazem-nos comprar e contratar tudo de lá, nos escravizam por por ex, recursos naturais, então, volto a dizer, não dá pra falar de cambio no atacado, no genérico

    NÃO com o país tendo US$ 110bi de reservas, gerando US$ 40bi de superavit comercial ano, livre de crises de CP, sem o FMI no cangote, recordista de EXPORTAçÂO e aumentando sua integração com demais nações, COMO NUNCA antes

    EVIDENTE que uma crise uma hora ou outra virá, evidente tb que falarmos do CUSTO destas reservas, do juros alto etc tb é util mas, mas temos que descer mais, senão vai parecer cliches político

  • Luis,
    1) Você conta a
    Luis,
    1) Você conta a história do Matrix em seu livro?
    2) Era cliente e amigo de um diretor de um banco que teve que ser vendido (os donos eram experts do mercado, apostaram contra e perderam). Estas apostas que colocam em risco os ativos dos clientes é que devem ser combatidas. Perdem os clientes ou os contribuintes (quando os bancos alegam risco sistêmico).
    3) A previsibilidade de desvalorização do dólar fez o Bacen recomprar todos os títulos do TN corrigidos por VC, absorvendo o prejuizo e por tabela jogando para os contribuintes (vendeu com o dólar na baixa, comprou na alta, antes da desvalorização).

  • Um conjunto de medidas, da
    Um conjunto de medidas, da redução dos juros, da introdução de mecanismos que dificultem a arbitragem entre taxas até eventuais taxas para a constituição de fundos sobre exportações de primários, que revertam para o setor mas que esterelizem temporariamente os dólares.

  • José Carlos, são várias
    José Carlos, são várias questões que temos debatido ao longo do tempo aqui nessa aba.

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