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A oligopolização, sob Thatcher

Por Pedro

Oi Nassif,

Thatcher defendia as pequenas empresas, apenas como instrumento de retórica. É verdade que seu discurso em favor de uma “democracia de pequenos proprietários” teve grande impacto na mídia, e foi um poderoso expediente de marketing político. Contudo, na prática, seus 11 anos de governo (1979-90) apenas reforçaram o capital monopolista. Desde que Marx escreveu “O Capital”, as tendências à concentração e centralização do poder econômico só avançaram, e não existe nenhum caso no mundo de reversão dessa tendência (aqui no Brasil, Chico de Oliveira e Conceição Tavares estudaram um pouquinho o processo de oligopolização da economia, ocorrido a partir do governo JK).

Em 1980-81, houve o famoso “short sharp shock” britânico: uma grande contração da economia britânica, provocada por um ajuste monetarista que forjou, deliberadamente, um processo de fortalecimento dos monopólios. As coisas funcionavam assim: primeiro, uma forte abertura da economia, expondo os fabricantes ingleses à concorrência internacional. No começo, recorde de falências e concordatas. Depois, “ajuste’ e “saneamento” das empresas, forçadas a reestruturarem-se. Resultado: as pequenas e médias empresas sucumbiram diante da concorrência implacável, e foram fechadas ou adquiridas por um preço vil

(Aqui no Brasil, o Collor seguiu esse modelo à risca; quem não se lembra do “quem não tem competência, não se estabelece”?).

O PIB britânico encolheu 2,3%, enquanto a produção industrial diminuiu em 14%, entre 1979 e 1981. A Inglaterra, antiga “oficina do mundo” (século XIX) passou por um processo, por assim dizer, de desindustrialização; fechou as antigas smockestack industries (“fábricas de chaminé”) e buscou vantagens comparativas em setores não-industriais, como serviços, seguros, fretes marítimos, finanças etc.

Quanto à diminuição do tamanho das fábricas, trata-se de uma tendência mundial: Toyotismo, kanban, just-in-time etc. são formas de controle do movimento operário, e funcionam melhor num universo de trabalhadores dispersos e atomizados. O antigo modelo fordista, aquele do “operário-massa”, constitui um poderoso obstáculo à implementação das novas formas de controle dos sindicatos. Mas ainda assim, não se trata de estimular um retorno ao “capitalismo concorrencial”, mas criar um ambiente mais favorável à exploração desenfreada das grandes corporações.

O ex-presidente FHC também dizia que defenderia as pequenas e médias empresas. Mas, como Thatcher, apenas encobria os favores concedidos às grandes companhias. Quem não se lembra que um dos argumentos para privatizar o setor de telecomunicações era justamente o do “incentivo à concorrência”? No caso da telefonia fixa, apenas substitui o monopólio público pelo monopólio privado (por exemplo, Telesp X Telefonica), assim como em muitos outros setores.

São todos cabeças de planilha. Mas não são ingênuos, todos sabiam exatamente o que iria acontecer.

A propósito, uma sugestão de leitura, para entendermos o pensamento de FHC: “Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil”, de FHC (1964). Há mais de 40 anos, esse entreguista já dizia o que pensava a respeito das grandes empresas – e as admirava, com um servilismo indisfarçável.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • "Aqui no Brasil, o Collor
    "Aqui no Brasil, o Collor seguiu esse modelo à risca; quem não se lembra do “quem não tem competência, não se estabelece”?"

    Uai, que gozado! Ninguem se "estabeleceu" mesmo! Nao sei como isso aconteceu... sera que era todo mundo incompetente, ou era so Collor mesmo?

    A respeito do "abrir o mercado" de Collor, acho ingenuo apontar lo como grandes coisas. A verdade mesmo eh que nao ha *falta* de bens sendo produzidos no mundo, ha *excesso*. Que ninguem se iluda que a "abertura" do mercado tinha a ver com o bem estar do Brasil porque nao tinha. Tinha a ver com escoamento de mercadorias inferiores devido a excesso de producao mundial de mercadorias que nao qualificavam pra mercado de primeiro mundo.

  • No entanto, a baixa de precos
    No entanto, a baixa de precos raramente seguiu o escoamento de mercadorias de terceira Brasil adentro. O golpe era mesmo pagar preco de primeiro mundo.

  • Caro Ivan,
    Pagamos, por
    Caro Ivan,
    Pagamos, por vezes, até mais caro que no primeiro mundo. Esta é a razão de que aqui as empresas do setor automobilístico estão muito bem.
    A diferença entre mercado aberto e fechado está somente à partir de qual referência falamos.
    A máxima de produzir mais a menor preço e a menor custo está custando muito para todo o mundo.

  • A questão do oligopólios e as
    A questão do oligopólios e as pequenas e médias empresas merece uma boa avaliação, vejam o exemplo dos hipermercados:

    Na França não podem existir grandes hipermercados, lá protegem as pequenas empresas, em vez de um hipermercado que espreme os fornecedores,fazendo promoções em alguns itens e esfolando no preço da grande maioria de itens , eles fortalecem o açougue, a padaria, a loja de orgânicos, a loja de laticinios, etc..., com certeza gera-se maior distribuição de renda.

    Porém outro aspecto a verificar é a preferência do consumidor que, por falta de tempo ou por comodidade não se importa de pagar mais e comprar tudo em um só local...

    No Brasil nos últimos 5 anos o setor supermercadista tem tido ótimos resultados, se perguntar para alguns dos proprietários dirão que não, mas na prática este setor está nadando de braçada, com rentabilidade muito boa, menor é claro, que os banqueiros, mais ai já é covardia né...

    As grande redes internacionais estão com bolsos cheios e muito interessadas em abocanhar este mercado rentável, mas os nativos proprietários de redes regionais não querem deixar o setor, a não ser que façam uma proposta muito indecente$$$...

  • (parte 1)O historico dos EUA
    (parte 1)O historico dos EUA ja foi assim: lancamento de produto, preco alto, popularizacao, baixa de preco, acesso a todos.

    Ja foi. Hoje os precos ficam altos e o resto da sociedade tem que "compensar" com uma corrida de precos. Tipo "gasolina subiu, laranja sobe".

    Nao eh que todas as mercadorias deixaram de alcancar seu mercado. Isso eh evidente quando se nota que existem um milhao de bens que de fato alcancam o consumidor. Comida em lata, por exemplo, prohibida na minha casa porque temos uma filha, era impensavel quando eu era pequeno, e hoje ja esta mais ao alcance de mais pessoas.

    Isso eh so tangencialmente relevante, ja que eh que o excesso de producao ja nao atinge os precos. Se atingisse, os chineses comprariam suas bujigangas de 1 dolar e os mineiros comprariam o ferro que produzem. Isso provocaria um enorme problema para a exportacao causado por um mito capitalista: se os locais consomem o produto, a competencia dos produtos dentro do mercado de exportacao estaria ameacada (pois os mineiros comeriam o ferro antes de ser exportado, ja que estao com tanta fome assim!)

    Uma vez meu irmao descobriu quem estava quebrando a represa dele e foi reclamar. O cara e sua mae eram incapazes de entender que a agua so para de correr ate a represa encher, depois retorna ao normal. Exportadores de dinheiro e de bens sao exatamente iguais. O sistema eh uma burrissima vaca.

    Ja que estamos falando em mercadoria ruim, noto agora que meu isqueiro esta cheio de gas e quebrado. Eh meu **quarto** isqueiro seguido que se quebra cheio de gas, um atraz do outro.

    Ponto: o suprimento de mercadoria de primeira, a nivel mundial, esta cada vez menor porque as companias nao teem condicoes de fazer controle de qualidade. Mas porque razao encher o mercado mundial de produtos de qualidade inferior? Pela razao chinesa: as condicoes locais (a nivel mundial) ja nao permitem sobrevivencia e o governo vira as costas.

    (tenho que sair, continuo mais tarde)

  • O discurso ideológico não tem
    O discurso ideológico não tem como objetivo representar as coisas como elas são, mas criar uma concepção de idéias para fazer com que se acredite nelas. A concepção liberal de capitalismo, com a livre concorrência, propriedade privada e liberdade de mercado, é uma concepção ideológica.

    O problema, é que hoje dois terços da riqueza mundial são controlados por apenas 400 megaempresas. E com tamanha concentração, onde ficou a propriedade, a liberdade de mercado e a livre concorrência?
    Esta é a globalização, baseada na monopolização de capitais, de meios de produção, de matérias-primas, do mercado e, principalmente, do conhecimento.

    http://blogln.ning.com/profiles/blogs/2189391:BlogPost:21373

  • O Brasil sempre foi o
    O Brasil sempre foi o "depósito de lixo" das multinacionais, recebendo tudo o que não têm qualidade suficiente para ser vendido lá fora. E é um belo negócio, pois apesar de recebermos um artigo interior pagamos até MAIS do que é pago lá fora pelo equivalente de qualidade.

  • Não foi apenas a defesa das
    Não foi apenas a defesa das pequenas e médias empresas que funcionnou "como instrumento de retórica". A suposta diminuição da carga tributária e do gasto estatal com as privatizações também foi "instrumento de retórica" que ecoou apenas para pessoas condicionadas a acreditar nisso. Os gastos públicos imediatamente antes e imediatamente depois do governo Tatcher não se alteraram. Aqui, até hoje tem gente que repete esse discurso como verdade.

  • Nassif,

    Acredito que a
    Nassif,

    Acredito que a gestão Thatcher merece uma reflexão mais profunda.
    Pode ser que ela tenha contribuído para a derrocada da Inglaterra como potência mundial, mas daí a dizer que ela foi a responsável pelo processo de desindustrialização da Inglaterra vai uma distância enorme.

    A desindustrialização da Inglaterra começou há mais de um século e meio, pelos idos de 1850-60. A questão foi puramente econômica (e nisso você pode falar bem mais que eu). Enquanto a Inglaterra, berço da Revolução Industrial, produzia produtos de alto valor agregado, o resto do mundo, ainda com industrialização bastante incipiente, apenas engatinhava no processo de produção. Disso decorreu uma verdadeira torrente de riquezas em direção ao Reino Unido, que exportava bens de alto valor praticamente de forma monopolista, ao passo que importava matérias-primas a preços vis. Resultado: a absurda valorização da libra.

    Para se ter uma idéia, em torno de 1870, 3/4 (isso mesmo: 75%) de TODOS os capitais investidos no planeta provinham da Grã-bretanha. Antes um país industrial, a Inglaterra passou a um processo de "financeirização" da riqueza. Passou a ser mais rentável investir em ativos financeiros do que na produção fabril. Isso tudo agravado pelo fato de que, a partir de uma visão míope da classe política, deixou-se que a agricultura local fosse à breca com a concorrência estrangeira. Com a libra valorizada, era muito mais barato importar de países como a Argentina (que viveu seu esplendor naquela época) do que produzir no próprio país.

    Quem analisou todo esse processo de forma brilhante foi Eric Hobsbawn, num livro chamado Era dos Impérios. Recomendo a leitura.

    Em suma: Madame Thatcher certamente não contribuiu para reerguer a Grã-bretanha, mas certamente não foi o fator decisivo para a sua derrocada.

    Um abraço,

    Marco Antônio

  • (parte 2)A primeira vez que
    (parte 2)A primeira vez que comprei um isqueiro que se quebrou 2 horas depois eu o comprei de uma loja chiquerrima em uma das Dales na beira do Columbia River em Oregon, eu estava a caminho de Idaho; deve ter sido 92. Achei estranhissimo. Duas semanas depois, na volta, parei na mesma loja e troquei o isqueiro -mesmo sem recibo, praticamente ninguem se importa nos EUA. Agora, todo dia eh um isqueiro quebrado!

    A sociedade *nao* pode entrar em uma corrida de precos compensatorios para acompanhar mercadorias porque eh obvio que a sociedade vai estar em uma posicao inferior -porque cronologicamente atrazada, e eh evidente que numa corrida de precos pequenas companias vao desaparecer e o consumidor vai pagar o pato.

    Nessa corrida, o governo desiste do controle de qualidade pela sobrevivencia dos locais(!!!!) por causa de uma corrida de precos que o proprio governo causou.

    Fica assim: se o aço americano tentasse invadir o mundo ao preco que eles cobram aqui nos EUA, os produtores aqui morreriam de fome. Esta aberta a corrida. Ninguem quer aço de ouro, mas todo mundo quer aço. Advinhem o que vai acontecer com a qualidade do aço mundial?

    Mas nao eh de aço e isqueiros que estou falando, essa eh a situacao mundial a respeito de qualquer coisa. Minas exporta ferro e eletricidade mais baratos do que os mineiros pagam -tem um mundo de coisas erradas na politica de precos das companias estatais e privadas de Minas que nao podem ser faladas porque o governo nao deixa.

    A infraestrutura eletrica e telefonica brasileiras nunca foram construidas por causa da distorcao de precos. Nem menciono saneamento e rodovias, porque todo mundo ja sabe o que aconteceu. A telefonia celular foi privatizada praticamente de graca mesmo que a telefonia imovel sequer tenha estrutura construida -uma tremenda cara de pau, mas a corrida de precos nao deixa outra coisa acontecer. Alguem tem telefonia boa no Brasil? Quando chove sua eletricidade desaparece tambem? Seu servico "alta velocidade" de internet tem alta velocidade ultimamente? Corrida de precos = baixa qualidade em tudo.

    E quem esta atraz dela eh o governo, mais precisamente os lobistas infiltrados dentro do governo.

    Agora que estamos aqui, releiam o item de novo, e vejam como tudo pode, de fato, ter comecado com Tatcher na Inglaterra e Reagan nos EUA.

    Eu vivia aqui em 1980.

    O mundo ja foi diferente.

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