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Como desfazer o nó do investimento produtivo

Da Carta Capital

As falhas da engrenagem

Por Luiz Antonio Cintra e Luiz Sérgio Guimarães

Variável-chave da economia brasileira neste início de ano, o investimento produtivo patina com ligeiro viés de baixa. É tudo o que o Planalto não gostaria que acontecesse. Diante da escassez de dinheiro injetado na produção, a oferta de manufaturados é insuficiente para abastecer, sem gerar inflação, o prato da balança mais incentivado pelo governo nos últimos anos, o do consumo. Pelos riscos envolvidos, desfazer o nó do investimento virou questão de honra para a política econômica. E motivo de tensão nos gabinetes ministeriais, incluído o Banco Central.

Os números não deixam dúvidas. A taxa de investimento, registrada pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), medida dos dispêndios em máquinas, equipamentos e construção civil, caiu sem trégua nos cinco trimestres terminados em setembro passado, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O dado oficial sobre o último trimestre de 2012 não foi divulgado, mas se sabe que virá negativo. Os especialistas estimam uma queda na produção de até 1%. O índice do IBGE mais recente segue abaixo do nível de 2009 a 2011. No longo prazo, a tendência também é negativa. Chegou a 19,5% do PIB em 2010, o melhor resultado da série iniciada em 1995, desceu a 19,3% no ano seguinte e fechou em 18,4% no fim do terceiro trimestre de 2012. Um desempenho lamentável. O sinal inequívoco da fase ruim para a produção industrial, a despeito do consumo, é que ainda é mais lucrativo importar manufaturados em vez de fabricá-los aqui.

Velha conhecida dos especialistas, a competitividade reduzida da indústria instalada no País fez o Brasil perder espaço internacional. Entre 2005 e 2011, a fatia das exportações de manufaturados made in Brazil encolheu de 0,85% para 0,73% do total comercializado no mundo. Em sentido contrário, as importações foram de 0,72% para 1,3%, segundo pesquisa do Instituto de Desenvolvimento Industrial (Iedi). O déficit comercial dos manufaturados é de cerca de 100 bilhões de dólares anuais.

Experiente analista do segmento industrial, Paulo Francini, diretor de economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), lista cinco ações recentes consideradas promissoras pelo empresariado:

• O corte da taxa Selic, baliza para as demais taxas do sistema financeiro nacional, de 12,5% para 7,25% ao ano, acompanhada da redução dos spreads.

• A taxa de câmbio foi de 1,75 para cerca de 2 reais, encareceu os importados e tornou os produtos brasileiros mais competitivos.

• A desoneração de tributos incidentes sobre as folhas de pagamento, estratégia a ser reforçada.

• A maior capacidade de financiamento do BNDES e a redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Em dezembro, a TJLP foi a 5% ao ano, a mínima histórica.

• A redução do custo das tarifas elétricas.

Bueno e Francini concordam ser este um ambiente muito mais favorável. “Pela primeira vez em 30 anos, o governo tomou as medidas certas ao mexer no câmbio e juro, variáveis com potencial para afetar todos os segmentos da economia indistintamente”, resume Bueno.

Por que a indústria não saiu do atoleiro? “Estamos querendo encontrar indícios de melhora, mas está difícil. Nos últimos tempos, foram perdidos elos relevantes das cadeias produtivas por causa do ambiente hostil. Agora, descobrimos que refazer esses buracos é bem mais complicado do que supúnhamos”, diz Francini. O cenário de crise nos países desenvolvidos joga contra, avalia o empresário, ao deprimir a demanda mundial, hoje em nível inferior ao da oferta.

Para o presidente da Braskem, Carlos Fadigas, apesar dos avanços inegáveis, é preciso ir além. “Não houve mudança estrutural relevante, um fato novo capaz de fazer a economia crescer com mais força. Tivemos dois anos ruins e agora as expectativas de crescimento começam a ser revistas para baixo.” No caso do setor químico, diz Fadigas, a situação foi agravada pela falta de atitude do governo. “Em maio de 2012, o setor entregou ao Ministério do Desenvolvimento uma proposta para recuperar a sua competitividade, com a desoneração das matérias-primas, do investimento e estímulos à inovação, mas nada foi feito desde então.” Outro dado negativo, avalia o executivo, foi o governo ter deixado o dólar recuar de 2,05 para 1,95, alteração suficiente para afetar a rentabilidade das empresas cujos custos são atrelados ao dólar, caso da indústria química.

Ao esmiuçar os números, alguns economistas encontram, contudo, sinais favoráveis. “A partir do clima criado em torno do julgamento do “mensalão” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o debate tornou-se muito politizado, às vezes omitem-se aspectos técnicos relevantes que tornariam a coisa menos feia do que de fato é”, argumenta Fernando Sampaio, diretor de macroeconomia da LCA Consultores.

Pelas estimativas da consultoria, a FBCF pode ter recuado 5,5% n^ último trimestre de 2012 sobre o mesmo trimestre de 2011, variação muito influenciada tanto pela queda de cerca de 9% da produção de bens de capital quanto pelo forte aumento de 17% do quantum exportado de bens de capital. Em termos dessazonalizados, a taxa corresponderia a uma variação nula sobre o resultado do terceiro trimestre e queda de 4,3% sobre 2011.

Além disso, os dados de exportação de bens de capital de outubro e novembro estão “contaminados” pela operação de “venda para o exterior” de três plataformas de petróleo no valor de quase 1,5 bilhão de dólares.

Segundo detalhe: quase 2 pontos porcentuais do recuo da FBCF em 2012 resultaram do comportamento de um único componente, cujo peso sobre o investimento total é de 14%: o setor de caminhões, ônibus c utilitários. As vendas desses bens de capital tombaram cerca de 20% em 2012 por causa do início de vigência, em janeiro do ano passado, de novas normas técnicas para motores a diesel. Sem a operação da Petrobras e sem a antecipação de compras de caminhões, em vez de ter registrado queda de 4,3% no acumulado do ano, a FBCF teria se contentado com uma baixa de 1,8%.

0 cenário internacional é um complica-dor poderoso. “Os canais de comunicação entre a economia global e o Brasil ficaram claros na crise de 2008 e na recuperação posterior. Neste momento de impasse, tais canais permanecem ativos, fica difícil contestar o fato de que a incerteza gerada lá fora afeta as decisões de expansão da capacidade de produção na economia brasileira”, diz o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

E se a taxa de investimentos caiu no ano passado, em termos efetivos, a retomada registrada no fim de 2012 pode estar sendo mascarada por outros fatores, pelos estoques acumulados, em fase de desova. Tudo somado, a expectativa da LCA é de a FBCF crescer perto de 9% este ano, depois da baixa efetiva de 1,8% no ano passado. Embora mais cautelosos, os grandes bancos também projetam avanço, mais moderado, de 4% a 7%.

Houve uma expressiva expansão das consultas ao BNDES, tanto por parte do poder público quanto do setor privado interessado em participar das concessões abertas pelo governo. As consultas vão se refletir em investimento efetivo em 6 a 12 meses, 60% a mais que o volume do ano passado, para 312,3 bilhões de reais. Detalhe relevante: o movimento foi concentrado no segundo semestre, cuja expansão sobre o mesmo período de 2011 saltou 85,6%.

Apesar de tudo, o horizonte segue nebuloso e euforia não é a palavra para qualificar adequadamente o ânimo do empresariado. Na visão de Sampaio, o animal spirits dos empresários turvou-se por uma vertigem decorrente da velocidade com a qual o governo tentou corrigir distorções históricas em vários segmentos, o tal hiperativismo, na expressão mais corrente. “O sentido de urgência gerou mal-estar. O sentimento foi de que as regras do jogo estavam mudando, sem que se conseguisse enxergar o resultado lá na frente”, diz o consultor.

Como nada traumático deverá vir da Europa e os Estados Unidos lentamente ganham velocidade, em 2013 será colocada à prova a tese de que os empresários não investem por falta de confiança na ” política econômica. “O governo fez muito, mas precisa fazer mais. No câmbio, precisa deixar claro que a política é mesmo em prol da desvalorização do real. Na política fiscal, é preciso haver transparência absoluta, informar o que está fazendo e o porquê, sem surpresas.”

Formalmente, os líderes empresariais apoiam a direção das medidas tomadas para suavizar as deformações históricas da economia. CartaCapital, contudo, procurou diversos empresários de peso para comentar as perspectivas da economia, mas eles preferem não se manifestar publicamente.

Mas isso não basta. Os que decidem os investimentos precisam vestir a camisa do novo modelo. “São as dores do parto. Estamos exatamente na transição de um modelo de consumo forjado pela fantástica inclusão de 50 milhões de brasileiros ao mercado para outro sustentado pelo investimento. Todos os agentes econômicos precisam se convencer de que é isso mesmo que precisa ser feito”, diz o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, professor do IE-Unicamp.

Para mostrar que o novo modelo é para valer, o governo não pode errar em políticas públicas. Mas há vários equívocos exasperantes. Exemplos? No ano passado, diminuiu-se de dez para cinco anos a depreciação de bens de capital, medida que ampliava de 10% para 20% o abatimento do imposto para máquinas adquiridas entre 16 de setembro e 31 de dezembro. Ou seja, só quem já tinha tomado a decisão de compra foi beneficiado. A medida seria ótima se valesse por pelo menos dois anos. “Se era para fazer por três meses e meio, era melhor não ter feito. Eu não faria”, diz o economista, professor da Unicamp.

O Reintegra, regime de desoneração de tributos indiretos (Cide, IOF, PIS, Co-fins) sobre os produtos industrializados brasileiros exportados, seguia a mesma visão de curto prazo (com vigência de agosto a dezembro), quando teve seu prazo estendido para 2013 inteiro. Outro exemplo vem da descapitalização da Petrobras. O governo não pode querer estimular o setor privado a investir e deixar à míngua a sua principal empresa.

O equívoco que mais tem irritado o meio empresarial, no entanto, vem de um feroz contencioso jurídico travado na surdina entre a Receita Federal e agências reguladoras e de fiscalização, e do outro lado a nata das empresas com maior capacidade de investir. Desde 2012, órgãos federais têm aplicado multas astronômicas devido a interpretações da legislação com as quais não concordam. Essas multas, segundo o consultor do Iedi, chegam a “centenas de bilhões de reais”. “Um empresário me disse que só de honorários advocatícios gastou mais de 20 milhões de reais no ano passado”, diz Almeida.

Há duas explicações para a batalha jurídica. A primeira: insuflados pelo estilo aguerrido da presidenta, os órgãos federais resolveram, mesmo sem determinação expressa de cima, contestar os até então inabaláveis especialistas em planejamento tributário. A segunda, com a qual concorda o consultor do Iedi: o texto da legislação, das normas e regulamentos é escrito de forma dúbia, que autoriza interpretações divergentes. Muitas empresas relutam em usar de incentivos fiscais concedidos a programas de inovação tecnológica porque não sabem se os gastos terão o seu ressarcimento permitido no futuro. “Isso não é difícil de resolver. Basta uma ordem em favor da máxima clareza”, diz Almeida. “Foram tomadas recentemente medidas muito positivas para o desenvolvimento do País, mas sempre há uma vírgula em algum lugar que muda o sentido das coisas.”

Para acabar com os equívocos, o consultor sugere a revitalização da Casa Civil como o fórum para o diálogo em alto nível com os empresários. E pede a criação de”um pequeno conselho econômico capaz de rapidamente analisar as providências em estudo e dar o seu aval.

O uso da chamada “contabilidade criativa” para o aumento do superávit primário entra na conta dos equívocos capazes de minar a credibilidade das políticas públicas? O consenso é de que, como o Brasil é dos raríssimos entre os países de relevância global com superávit primário, não haveria desconforto algum em assumir, neste momento de transição, um saldo aquém do combinado.

“A questão é que, com a economia desacelerando, há os mecanismos automáticos e discricionários de redução do superávit. Mas note que, com a queda dos juros, a dinâmica da dívida não foi prejudicada. E, felizmente para as próprias empresas, o superávit primário menor decorreu de renúncia fiscal e queda da arrecadação. A queda do primário permitiu ao PIB crescer 1%”, diz Gonçalves, do Banco Fator.

Outra queixa freqüente: a gestão Dilma Rousseff teria abandonado o tripé da inflação na meta, com o câmbio flutuante e um forte superávit primário. As acusações de leniência fiscal, porém, não se sustentam. A dívida líquida do setor público caiu como proporção do PIB, de 39,1% em 2010 para 35,1% no ano passado.

O foco mais contundente das críticas se concentra na suposta tolerância do BC com a inflação. O índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) mais próximo do teto de 6,5% que do centro banda (4,5%), e a administração errática do câmbio.

Segundo analistas, a inflação não incomodaria tanto. O problema estaria no risco de tentar fazer a inflação cair a 4,5% ao ano por meio de uma recessão purgativa. A queda na atividade adiaria a recuperação do investimento para não se sabe quando. No caso, os problemas são mais evidentes, e vários analistas, caso do ex-ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, da FGV, para quem a cotação ideal do câmbio deveria estar entre 2,2 e 2,8, patamar capaz de tornar competitivos os produtos brasileiros.

Por que o modelo tão vitorioso desde o segundo mandato de Lula parou de dar certo? “Não há uma fórmula mágica para crescer indefinidamente. Há muita divergência na literatura econômica sobre o melhor caminho para promover o desenvolvimento”, lembra José Paulo Rocha, sócio-líder da consultoria Deloitte. Precisaria ficar claro para a sociedade, diz Rocha, qual a estratégia em curso. E frequentemente não há entusiasmo porque as coisas não são colocadas logo de saída nos seus devidos termos. O exemplo usado pelo consultor é o de um impasse aparentemente insolúvel: “O clamor geral por uma reforma tributária virou um chavão capaz de travar a questão. A coisa é mais simples. Não se trata de reduzir a carga tributária, o que é mais complicado. Trata-se de simplificar o emaranhado fiscal, e isso dá para fazer”.

Pesquisa divulgada pela Fundação Getulio Vargas na quinta-feira 21, sugere, na melhor das hipóteses, que será preciso ter calma para vislumbrar o céu azul. Ao auscultar o decantado animal spirits dos empresários, em uma sondagem do nível de confiança na economia, a FGV verificou que ao longo do mês de fevereiro houve uma mudança para melhor, moderada, no entanto. O índice de confiança recuou 0,4%, em um cálculo preliminar, a reforçar a sensação de um empresariado em compasso de espera. “O resultado mostra que a recuperação dos investimentos no primeiro trimestre ainda é muito tímida”, diz Aloisio Campello, responsável pelo levantamento.

Luis Nassif

Luis Nassif

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