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O discreto charme do poder

Da Revista Época

O planeta Guido (trecho)

A vida, as ideias e as angústias do ministro de maior longevidade nos governos do PT

LUIZ MAKLOUF CARVALHO

Dezembro foi cruel, no plano pessoal, com o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Trouxe-lhe a dura notícia de um câncer em sua mulher e mãe de seu quarto filho, a psicanalista Eliane Berger Mantega. O susto chegou no começo do mês. Abaladíssimo, Mantega praticamente se transferiu para São Paulo. Informou a presidente Dilma Roushttp://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/01/o-planeta-guido-trecho.htmlseff, que já pulou essa fogueira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva – que está se tratando da mesma doença –, alguns poucos amigos e decidiu, firmemente, em comum acordo com a mulher, que não divulgaria o fato. Num círculo restrito à Presidência da República, já se comenta a possibilidade de que Mantega saia do governo, se considerar que a doença da mulher torne isso necessário. Como a presidente Dilma tem outro homem de confiança na Fazenda – o número dois, Nelson Barbosa, secretário executivo da Fazenda –, a eventual mudança, mesmo considerada indesejada, não chega a assustar.

No dia 2 de dezembro, quando recebeu ÉPOCA para a primeira de duas entrevistas – uma na sede da Presidência da República em São Paulo, outra no gabinete ministerial, em Brasília –, Mantega vestia, como sempre, um terno bem cortado. Abriu um sorriso quando recebeu elogios pela bem-disposta aparência e comentou, com uma pitada de desconcerto: “Precisa ver como é que está por dentro, precisa ver como é que está por dentro. E se estiver tudo detonado?”. Ele já vivia o drama familiar – do qual não deu a mais remota pista nas duas entrevistas. Um de seus bons amigos dos tempos de universidade, militância política e caratê é o hoteleiro paulistano Fábio Iunesco. “O Guido é um samurai”, diz Iunesco, em seu hotel da Avenida Ipiranga, no centro de São Paulo. “Nunca o vi ficar deprimido, nem nos momentos ruins. Ele toma o golpe, assimila e vai.”

 

Em seu nono ano de governo petista, Mantega foi ministro do Planejamento, presidente do BNDES e está ministro da Fazenda há quase seis anos. É o terceiro mais longevo no posto, perdendo para Pedro Malan (1995-2002) e para seu amigo e conselheiro econômico Delfim Netto (1967-1974), um dos principais formuladores do pensamento econômico da ditadura militar. Em meia hora de conversa sobre “o Guido” (pronuncia-se o ditongo), o hoje consultor (e articulista de vários jornais) enfileirou adjetivos: “extremamente competente”, “muito bem formado”, “ideias firmes”, “corajoso”, “educado”, “decente”, “muito afável”, “alegre”, “confiável”, “íntegro”. Os que discordam de Delfim costumam chamá-lo de “herbívoro”, “burrinho” ou “Forrest Gump” – termos ouvidos de alguns de seus adversários. A despeito deles, Mantega, trabalhando quase em silêncio, transformou-se no ministro mais poderoso da Esplanada. Ao ouvir isso, ele responde, com humor e a vaidade da modéstia:

– Olha, não sou poderoso. Poderosa é a presidenta. Ela teve 54 milhões de votos. Ela é a poderosa. Nós somos nomeados.
– O senhor não é o ministro mais influente e mais forte do governo?
– Tenho dúvidas. Não é algo claro, mensurável, não tenho nenhum termômetro. Você quer me perguntar se tenho bom relacionamento com a presidenta? Tenho um excelente relacionamento.

O bom humor para, por uns minutos, quando ele ouve a fileira de críticas de seus adversários. Das já citadas, estrila com “herbívoro”. Trata-se de uma insinuação de que Mantega não faria reformas realmente estruturais, concentrando-se na “verdura” – sem nunca atacar a “carne”. “Deve ter gente que não gosta de mim, claro. Isso é natural. E esses poderão falar qualquer bobagem. Deve ter gente com dor de cotovelo, gente que passou pelo governo anterior, que no passado era um fracasso. Muita gente fez um monte de bobagem aqui.” Ele se ajeita na cabeceira da grande mesa de reuniões, pensa mais um pouco e completa:

– O segundo motivo desses ataques é que sou desenvolvimentista, e isso não agrada aos ortodoxos. E um desenvolvimentista bem-sucedido. O país está crescendo mais, está gerando mais emprego. Então, isso deve dar uma dor de cotovelo. Imagino como é que eles se mordem. Então, se sou um herbívoro, que nem sei o que é, sou um herbívoro bem-sucedido. Aliás, eu gosto de salada. Como muita salada, vai ver que é isso.
– O senhor tem alguma admiração pelos carnívoros?
– Não sou muito carnívoro (risos). Essas pessoas são despeitadas, têm mau caráter ou ressentimento. Não vou dar bola para isso, estou pouco me lixando. Quero é ver o reconhecimento da sociedade, não de um indivíduo que possa ter algo contra mim. Os cães ladram e a caravana passa.

Luis Nassif

Luis Nassif

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