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O euro, a insegurança e a soberania

Da Folha de S. Paulo – 05/12/2011

LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Nem segurança, nem soberania

Ao criar o euro, líderes da Europa deveriam ter feito um limite também para o deficit em conta corrente

Enquanto aumenta a perspectiva do colapso do euro dada a insensibilidade da Alemanha em transformar o euro em uma moeda nacional europeia, os Estados Unidos e o Reino Unido, que foram os campeões da desregulação e da financeirização neoliberal, estão em situação mais confortável porque conservaram sua moeda nacional e, diante da crise, puderam exercer duplamente sua soberania monetária: depreciando tanto o dólar quanto a libra e emitindo moeda para aumentar a liquidez monetária e, assim, manter baixos os juros sobre a dívida pública.

Ou o Banco Central Europeu toma o mesmo rumo, socorre seus países membros e estanca a crise financeira, ou o euro entrará em colapso, e a única questão será saber se seu fim será ordenado ou caótico, e se decorrerá da percepção dos países que não lhes interessa ter uma moeda estrangeira, ou de um choque financeiro qualquer que produza o pânico.

A causa da crise de 2008 e da longa recessão dos países ricos foi a desregulamentação dos mercados financeiros, o aumento explosivo da dívida privada e a quebra dos bancos. Foi, em outras palavras, a crença neoliberal justificada “cientificamente” pela ortodoxia neoclássica que os mercados são autorregulados.

Mas os europeus foram vítimas duas vezes dessa ortodoxia porque o Tratado de Maastricht que criou o euro foi presidido por um pressuposto absurdo: que o setor privado estaria sempre equilibrado, porque é coordenado pelo mercado, dele se deduzindo que a única preocupação deveria ser com o setor público.

Se esse princípio ortodoxo, conhecido como a “doutrina Lawson” (ministro das Finanças de Margaret Thatcher) fosse mera teoria ociosa, não haveria problema, mas ele foi central na definição do euro.

No tratado que o criou, os líderes europeus definiram um parâmetro para os políticos ao limitarem o deficit em 3% e a dívida pública em 60% do PIB, mas não se preocuparam em estabelecer um limite para o endividamento privado e o endividamento de todo o país, ou seja, para o deficit em conta corrente.

Por que não definiram também um limite para esse deficit em 3% do PIB? Seria um segundo limite perfeitamente coerente com o limite de deficit público. Se tivesse sido estabelecido, o sinal de alarme em relação aos países hoje em crise teria soado muito antes, e a crise poderia ter sido evitada.

Afinal a crise do euro não foi originalmente uma crise fiscal (a qual só se configurou devido à necessidade de socorrer os bancos), mas de endividamento privado.

Agora essa mesma ortodoxia não quer ouvir o clamor indignado dos povos. Diz que socorrer os países implica estimular a irresponsabilidade fiscal. Esta é uma visão que subestima a inteligência das pessoas.

Afinal, que sentido faz para grandes países que tanto lutaram por sua autonomia nacional ter uma moeda que não é sua? Uma moeda que seus cidadãos não podem usar para enfrentar a crise financeira?

Neste momento eles devem estar pensando o que há pouco era impensável. Devem estar avaliando a alternativa de sair do euro.

Uma saída que mesmo que seja planejada, será traumática. Mas provavelmente melhor do que continuar a ter como “sua” uma moeda estrangeira, que não garante à nação segurança e soberania.

Luis Nassif

Luis Nassif

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